Vamos falar sobre arqueologia?

Foto: arquivo pessoal
Foto: arquivo pessoal

Esta ciência tem um significado impactante para Mato Grosso do Sul, apesar de muitos associarem-na apenas a lugares como Grécia, Egito, Itália e México. O conhecimento arqueológico é crucial para nosso estado, rico em herança cultural e histórica. Mato Grosso do Sul é um tesouro arqueológico, com inúmeros sítios que revelam culturas ancestrais e a história da ocupação humana na região e nas Américas.

É importante frisar que a arqueologia não se limita ao estudo do passado; ela é vital na vida contemporânea, especialmente para comunidades locais e setores econômicos como a agricultura. No estado de Mato Grosso do Sul, a integração entre arqueologia, comunidade e agricultura pode trazer benefícios significativos, promovendo valorização cultural, educação, desenvolvimento econômico sustentável e preservação ambiental.

Primeiramente, a arqueologia permite compreender e preservar as culturas antigas que habitavam a região antes da chegada dos colonizadores europeus. Sítios arqueológicos, como as pinturas rupestres de Alcinópolis e todo o corredor cerrado-pantanal, bem como na região do Pantanal, e artefatos encontrados em diversos locais, oferecem insights sobre os modos de vida, crenças e práticas dessas sociedades antigas. Além disso, a arqueologia fortalece a identidade cultural local, promovendo senso de pertencimento e orgulho entre os habitantes, importante em uma região caracterizada pela diversidade étnica e cultural. A valorização do patrimônio arqueológico também pode fomentar o turismo cultural, atraindo visitantes e impulsionando a economia regional.

Outro aspecto relevante é a contribuição da arqueologia para a educação e pesquisa científica. Ensinar sobre os achados arqueológicos de Mato Grosso do Sul nas escolas e universidades promove uma formação mais completa e crítica dos alunos, incentivando a valorização do patrimônio cultural. A pesquisa arqueológica pode colaborar para outras áreas do conhecimento, como a antropologia, a história e a geologia, proporcionando uma visão interdisciplinar sobre o desenvolvimento humano na região. A combinação de atrações naturais, como o Pantanal, com sítios arqueológicos, pode criar um destino turístico único e diversificado, como mostra o programa Trilha Rupestre da UFMS/FUNDECT, que leva pesquisas à população da região norte do estado.

Se, de um lado, a agricultura, atividade econômica fundamental em Mato Grosso do Sul, pode ameaçar sítios arqueológicos devido à expansão agrícola e uso intensivo da terra, de outro, o conhecimento arqueológico pode contribuir para o planejamento sustentável do uso da terra, ajudando a identificar áreas de importância arqueológica que devem ser protegidas. Práticas agrícolas tradicionais e sustentáveis, redescobertas através da arqueologia, podem ser reintroduzidas, promovendo uma agricultura que respeita o meio ambiente e o patrimônio cultural.

Um exemplo notável é o arqueólogo Eduardo Góes Neves, da USP, conhecido por seu trabalho sobre as sociedades indígenas da Amazônia e suas práticas de uso da terra. Sua pesquisa destaca a complexidade e sofisticação das sociedades pré-coloniais na América do Sul, desafiando narrativas tradicionais que descrevem essas comunidades como simples e primitivas. Um tema central de seu trabalho é a agrofloresta ancestral, um sistema de manejo da terra que combina práticas agrícolas com a conservação da floresta, revelando conhecimentos valiosos para o contexto atual.

As práticas de manejo da terra utilizadas por sociedades indígenas da Amazônia, antes da chegada dos europeus, integravam agricultura com preservação e uso sustentável das florestas, criando paisagens altamente produtivas e biodiversas. Ao contrário da agricultura intensiva moderna, que resulta em desmatamento e degradação do solo, as práticas agroflorestais ancestrais promoviam a regeneração natural e sustentabilidade a longo prazo. Esses sistemas garantiam a segurança alimentar, aumentavam a biodiversidade e a resiliência dos ecossistemas. Sítios arqueológicos como os Geoglifos do Acre e as Terras Pretas de Índio são exemplos dessas práticas sofisticadas de manejo da terra, evidenciando o profundo conhecimento de técnicas agrícolas sustentáveis.

A integração dos princípios da agrofloresta ancestral na agricultura moderna pode resultar em sistemas de produção mais sustentáveis e ambientalmente amigáveis. Técnicas como o uso de espécies nativas, a diversificação de culturas e a gestão integrada da paisagem podem aumentar a resiliência dos sistemas agrícolas, reduzir a necessidade de insumos externos e melhorar a saúde dos ecossistemas. Essas práticas podem ser adaptadas para diferentes contextos ecológicos e culturais, oferecendo soluções flexíveis para agricultores em diversas regiões. Ao aprender com o passado, podemos desenvolver práticas que garantam sustentabilidade e resiliência das paisagens agrícolas, promovendo um futuro mais equilibrado e sustentável. Precisamos mesmo falar sobre isso!

Lia Raquel Toledo Brambilla Gasques é arqueóloga e professora da UFMS. E-mail: [email protected]
Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.

 

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