Ao longo do governo Bolsonaro (2019- 2022), diversos foram os episódios em que o Supremo Tribunal Federal (STF) atuou de forma contrária aos interesses do então presidente: invalidou decretos que flexibilizaram a compra e o uso de armas de fogo; garantiu o direito de estados e municípios de adotarem medidas restritivas para conter o avanço do coronavírus; instaurou o “Inquérito das Fake News”, entre outras decisões neste sentido.
Embora tais casos possam ser interpretados como consequências do sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição Federal, no qual caberia ao STF contestar a constitucionalidade de atos ou decretos do presidente da República, Bolsonaro buscou tensionar ao máximo essa relação. Em diversas oportunidades, o ex-presidente atacou publicamente os ministros da Suprema Corte, acusando-os de “esvaziar” o seu poder político. No contexto das eleições de 2022, esses ataques se intensificaram com a insistência de Bolsonaro em questionar o processo eleitoral brasileiro. A escalada das tensões teve seu ápice no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, quando manifestantes bolsonaristas invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF, depredando patrimônio público e pedindo por intervenção militar.
Existe um paralelo inegável entre o 8 de janeiro de 2023 no Brasil e o 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos, quando apoiadores radicais de Donald Trump invadiram o Capitólio para protestar contra o resultado da eleição presidencial de 2020, vencida por Joe Biden. Em ambos os casos, tanto Bolsonaro quanto Trump são acusados de incitarem suas bases a adotarem esse tipo de conduta violenta, principalmente por conta de seus ataques sistemáticos às instituições democráticas e das constantes denúncias de fraudes no processo eleitoral.
Uma parte significativa desses ataques às instituições democráticas é destinada ao Poder Judiciário. Como forma de minimizar esse conflito de interesses entre Executivo e Judiciário, Trump busca indicar juízes alinhados ao seu espectro ideológico para ampliar a maioria conservadora na Suprema Corte. De forma similar, Bolsonaro declarou expressamente que indicaria um nome “terrivelmente evangélico” para o STF. A promessa foi cumprida com a nomeação de André Mendonça em dezembro de 2021. Ao contrário de Trump, porém, Bolsonaro não conseguiu formar maioria conservadora no STF. Além de derrotas importantes durante o seu mandato, Bolsonaro atualmente é réu por seu envolvimento na tentativa de golpe de Estado.
Apesar das similaridades, existem diferenças importantes no histórico democrático de cada país. A democracia estadunidense, mesmo apresentando diversas falhas e limitações, apresenta um longo histórico de estabilidade política, realizando eleições presidenciais consecutivas desde 1789, além de um controle civil eficaz das forças armadas. Muito diferente é o caso do Brasil, cuja história é marcada por diversos golpes de Estado.
Embora a “intentona bolsonarista” tenha fracassado em 2023, as provas apresentadas na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) demonstram que houve uma ameaça real de ruptura institucional e de abolição do Estado Democrático de Direito no país. Todo esse contexto é essencial para compreendermos essa atuação mais incisiva do Supremo na conjuntura atual. Mesmo que algumas críticas sejam válidas, o STF tem exercido um papel importante na defesa da ordem constitucional e da democracia brasileira diante das ameaças golpistas.
Arthur Banzatto
Professor do curso de Relações Internacionais da UFGD e doutor pelo Programa de PósGraduação em Relações Internacionais da UFSC. É autor de “A hegemonia estadunidense e o combate à corrupção no Brasil: o caso da Operação Lava Jato” (Kotter Editorial, 2024). E-mail: [email protected]
Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.