No último 8 de janeiro foi publicada no Diário Oficial da União, a Resolução n. 258/2024, aprovada pelo Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) sobre o atendimento de crianças e adolescentes vítimas da violência sexual e a garantia de seus direitos, incluindo o aborto legal em casos de gestação resultante de estupro. É importante ressaltar que, conforme a legislação brasileira, a interrupção da gravidez é um direito garantido desde 1940 para mulheres que se encontram em situações de violência sexual, e esse direito se estende a meninas menores de idade. No caso de crianças e adolescentes, sexo com menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável, artigo 217-A do Código Penal, assim como também em situações que não é possível expressar consentimento, casos de vítima com alguma enfermidade ou incapacidade.
A preocupação com o número de nascimentos de mães tão jovens é alarmante, especialmente em um contexto em que a violência sexual contra meninas e adolescentes é uma realidade preocupante mesmo se considerar a subnotificação de ocorrências. Os dados disponíveis evidenciam a urgência de políticas públicas eficazes de prevenção e proteção de crianças e adolescentes, bem como de atendimento às vítimas de violência sexual. De acordo com o DATASUS, em 2023 ocorreram 13.939 nascimentos com mães de 10 a 14 anos de idade. É nessa faixa etária que os maiores índices de violência são de violência sexual, cometida por pais e padrastos, de acordo com o Atlas da Violência 2024 e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São mais de 56 mil denúncias registradas por ano. O Estado de Mato Grosso do Sul acompanha esses índices nacionais.
A disseminação de informações equivocadas sobre a resolução, como a ideia de que ela “legaliza” o aborto, demonstra a necessidade de maior esclarecimento sobre a legislação existente e os direitos das vítimas. A resolução, na verdade, busca garantir que os direitos já estabelecidos sejam respeitados e efetivamente acessíveis a todas as crianças e adolescentes que necessitam de apoio e atendimento em situações tão delicadas. Esse foi o entendimento do desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional da Primeira Região (TRF-1), que suspendeu a decisão que havia impedido a publicação da resolução, por meio de mandado de segurança impetrado pela Senadora Damares Alves, logo após a decisão do Conanda em 23 de dezembro de 2024.
A Resolução n. 258/2024 destaca a importância de garantir os direitos das crianças e adolescentes, especialmente em situações de vulnerabilidade como a gestação resultante de violência sexual. O acesso a informações sobre o próprio corpo e a possibilidade de denúncia de situações de abuso são fundamentais para a proteção dessa população. O respeito à vontade das crianças e adolescentes em relação ao aborto legal é um ponto importante porque prioriza a autonomia e a dignidade dessas meninas. O sigilo em relação à identidade da menor é igualmente essencial, garantindo que ela não seja exposta a mais traumas ou violência.
A necessidade de diretrizes sobre o atendimento de meninas se dá em face das dificuldades de efetivar a prioridade absoluta da infância após a descoberta da gestação. Por vezes, meninas de 10 e 12 anos não encontram apoio nos serviços de saúde disponíveis em suas cidades ou encontram a violência institucional. São impostas barreiras à realização do aborto legal, o que acaba por obrigar o prosseguimento de uma gestação indesejada na infância, configurando uma segunda violência com consequências para saúde física e mental. A gravidez forçada é considerada uma forma de tortura. Um caso emblemático foi o da menina de 10 anos no Espírito Santo, em 2020, que precisou se deslocar até Recife e ainda foi assediada de tal forma que foi necessário incluí-la no Programa de Proteção às Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas (Provita).
É crucial que o debate sobre aborto legal seja conduzido de forma informada e sensível, levando em consideração os direitos humanos e a proteção das crianças e adolescentes, promovendo um ambiente seguro e acolhedor. A erradicação da violência sexual e o fortalecimento de políticas públicas que garantam a proteção integral das crianças e adolescentes são essenciais para que se possa construir uma sociedade mais justa e respeitosa com os direitos de todos.
Ingrid Leão é docente na UEMS. Coordenadora da Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos na U.U Paranaíba. E-mail: [email protected].
Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.
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