47 anos “Do Sul!”

Dia 11 de Outubro de 2024 cumpriram-se quarenta e sete anos de uma efeméride curiosa: às vezes saudamos, por estes dias, o nascimento do novo estado da federação, o Mato Grosso do Sul, e às vezes celebramos a separação do antigo Mato Grosso. Celebramos tanto o surgimento de uma nova perspectiva de territorializações, quanto o aprofundamento de antigos desafios para esta região, seus povos e seus biomas.

Há muito que celebrar e nós registramos alguns desafios. Que eles são presentes e fundamentais, isso já fica claro desde momentos em shows de artistas que vêm ao Estado cantar suas canções, e saúdam o povo “do Mato Grosso”, logo tendo que ouvir a platéia dividida por credos e convicções, unindo-se num uníssono clamor: somos “Do Sul”. Algo nos convoca, a busca de uma identidade. Traços dessa busca merecem ser lembrados. São comuns às Universidades locais, e a UCDB se soma, como comunidade científica atravessada pela provocação universal do Evangelho e dos direitos humanos, e pelo desafio do testemunho eclesial.

Lembramos quarenta e sete anos do desafio da demarcação de terras nativas. Desde quando europeus ocuparam o Brasil no século XVI até hoje, permanece o desafio de convivência entre povos diversos, que experimentam as suas vidas em ritmos e a partir de referências diversas, e os povos nativos. Somos povos indígenas, assegurado pela Constituição Federal o direito às suas terras sagradas, cultivos, costumes, sistemas de vida e trabalho. Somos povos testemunhas de diversas ondas migratórias, trazendo modos de trabalho e ocupação do tempo e do solo. Somos uma grande comunidade utinanchú – assim a população sino-japonesa oriunda de Okinawa se auto-denomina. Palestinos com suas lojas e comidas; judeus sonhando com uma terra prometida hospitaleira. Somos diferentes e de todos os cantos do país. Nossas diferenças podem ser celebradas e podem dar origem a buscas de sobrevivência a partir da estima recíproca.

Lembramos ainda quarenta e sete anos da provocação da luta contra o racismo, chaga que fere o país inteiro e que nos convida, como comunidade de comunidades, a olhar para as populações presentes nas cidades do Mato Grosso do Sul desde antes delas serem conhecidas como cidades. Eram quilombos, lugares de fuga e de busca de esperança por parte de escravizadas e escravizados que tentavam viver suas vidas e preservar sua cultura, da mesma forma que hoje, mas desta vez amparadas por uma consciência maior de que um país multicultural, e multicolorido, e que reconhece esse prefixo, “multi-” como uma riqueza, é um país muito mais forte.

Lembramos, enfim que, mesmo não estando nas mesmas canoas, ocupamos as margens e sorvemos as águas dos mesmos rios, que estão sob ameaça pelas nossas pressas e pela intempestividade daquelas e daqueles que, entre nós, ouviram primeiro aos falsos messias da competição, esquecendo-se que competir sem cuidar da casa comum, é destruí-la, o que ninguém deseja. A UCDB, desde os seus primórdios, unida às outras casas de conhecimento que atravessam e amam estes territórios, desafiada por estas questões, resume-as em uma só, que vem da sua escuta incessante dos Livros Sagrados: “onde está o teu irmão?”.

Celebramos, como Universidade, um desafio comum. Cada dia fica patente que este clamor “do sul!”, que nos irmana, precisa ser cada dia mais que um adjetivo, uma conclamação à busca de pontos de enraizamento em projetos comuns, e perspectivas compartilhadas.

 

Pe. Márcio Bogaz Trevizan é Doutor em Filosofia (Universidad Católica Argentina) e professor dos cursos de Filosofia e Teologia da UCDB. Email: [email protected]

Josemar de Campos Maciel é Doutor em Psicologia (PUC-Campinas) e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local da UCDB. Email: [email protected]

Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.

 

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