Baby Baby I Love You: Gal Costa, um ícone da música popular brasileira

Foto: Reprodução
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“Uma voz única, como se Miles Davis pudesse cantar as notas que ele executava lindamente em seu trompete”, Maurício Kemp, músico
e professor de música

Uma das maiores vozes da música popular brasileira, Gal Costa nos deixou na manhã de ontem (9), aos 77 anos. A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa da artista e a causa da morte não foi informada. Uma das atrações do festival Primavera Sound, que foi realizado em São Paulo no último fim de semana, Gal teve sua participação cancelada de última hora. De acordo com sua equipe, ela precisava se recuperar após a retirada de um nódulo na fossa nasal direita e ficaria fora dos palcos até o fim de novembro, por recomendações médicas.

A cirurgia ocorreu em setembro, pouco após sua apresentação em outro festival de música em São Paulo, o Coala. De lá para cá, ela não havia voltado aos shows, mas já tinha datas da turnê “As Várias Pontas de uma Estrela”, marcadas para dezembro e janeiro. Em Campo Grande, Gal Costa se apresentou pela última vez no dia 16 de outubro do ano passado, no Ondara Palace.

O promotor de eventos Clebson, o “Jamelão”, fala sobre a última vinda da cantora à Capital. “É uma artista que a gente sempre quis trazer, havíamos trazido nos anos 90, e procuramos novamente, diante da boa cotação do nome dela, na MPB. Procuramos em 2019, mas tivemos que adiar o evento por cinco vezes, por causa da pandemia, porque ela mesma ficou bastante receosa, os artistas ficaram muito reclusos, e o show acabou sendo realizado somente em 16 de outubro de 2021, em uma noite inesquecível, espetacular, numa apresentação perfeita da parte dela, que é, por si só, uma artista inesquecível”, concluiu o empresário.

A médica Lillian Maksoud conta que a voz de Gal era companhia certa desde a juventude. “Sua voz maravilhosa, suas músicas, eu e meu marido adoramos sua voz afinada! Ela cantando ‘Meu nome é Gal’, e sua voz acompanhando o tom do instrumento é um show à parte! Nosso namoro, carnaval, era com a música ‘Festa do Interior’. ‘Brasil (mostra a sua cara)’, foi um embalo para minha época de universidade! ‘Chuva de Prata’, ‘Um Dia de Domingo’!”

A fã relembra como foi assistir ao último show de Gal Costa em Campo Grande, em outubro de 2021. “Eu e meu marido pareciamos dois adolescentes cantando e dançando! Sua polidez me impressionou nesse show, alguns tentaram gritar frases políticas, ela não se manifestou em nenhum momento, continuou a cantar! Afinal, para que estragar um momento mágico de música na voz de um rouxinol! Hoje é um dia triste, o Brasil perde seu rouxinol!”

Perda

O jornalista Alex Fraga conta que conheceu a artista há muito tempo e já teve a oportunidade de entrevistá-la várias vezes. “Conheci ela faz uns 35 anos, em Salvador. Fiz pelo menos umas 10 entrevistas com ela. O país perdeu uma das mais importantes vozes da música brasileira, e estou chocado e triste. A última vez que falei com ela foi em Bonito. Ela me olhou e disse: ‘Olha, o jornalista que me chama sempre pelo meu nome, Maria das Graças’”, relembra saudoso.

Como alguém atuante na cena cultural campo-grandense, Alex se diz chocado. “Choca sempre a nossa alma, nós que divulgamos a cultura, quando perdemos um grande talento nas artes. Sem palavras. Oremos, e que ela cante no céu com tantas outras belas vozes, como Elis Regina, Clara Nunes, Elza Soares… Tristeza profunda!”

Para o músico Maurício Kemp, a importância e influência de Gal na música brasileira era enorme, e vinha também de suas leves “transgressões”. Nos anos 60, a Gal foi uma das primeiras mulheres a usar calças compridas no centro de São Paulo, quando isso era considerado um escândalo. Ela namorava o Tom Zé na época”, conta.

Ele ainda explica que o segundo álbum solo, lançado em 1969, que tinha a música “Meu nome é Gal”, é considerado psicodélico e uma das obras mais radicais já gravadas na MPB. “Tive a oportunidade de assistir a uma filmagem desse show e é realmente impressionante. Na minha opinião, não fica devendo nada em comparação às apresentações da Janis Joplin. Energia pura, visceral demais! Lembrando que, nessa época, ela já tinha participado de vários festivais e gravações com composições do Caetano, Tom Zé, Jorge Ben, entre outros”, pontua Maurício.

Biografia

Nascida Maria da Graça Costa Penna Burgos em Salvador, na Bahia, em 1945, Gal Costa sempre foi incentivada pela mãe a seguir carreira na música. Já o pai, morto em sua adolescência, foi uma figura ausente.

No começo da vida adulta, ela trabalhou como balconista de uma loja de discos na capital baiana, a Roni Discos, uma das principais da cidade. No início dos anos de 1960, foi apresentada a Caetano Veloso, encontro a partir do qual foi criado um vínculo pessoal e artístico que perduraria até sua morte.

Gal foi uma revolução das vozes e dos costumes na música brasileira desde seu surgimento na cena nacional, nessa mesma década. Aproximou-se ainda adolescente aos também baianos Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil, com quem integraria o grupo conhecido como Doces Bárbaros, responsável mais tarde por um disco definidor da década de 1970.

Tinha ainda pouco mais de 20 anos quando participou do álbum “Tropicália ou Panis et Circencis”, pedra fundamental do movimento tropicalista. Logo depois, em 1971, fez um dos espetáculos de maior repercussão da história da MPB, “Fa-Tal”, que viraria também um álbum cultuado.

Doces Bárbaros

O músico segue seu relato: “Em 1975, 1976, fez parte do grupo Doces Bárbaros, ao lado de Caetano, Gil e Bethânia. O disco resultante disso é considerado uma obra-prima e gerou um documentário, que considero um registro histórico da música na época da ditadura. Uma curiosidade é que, 20 anos depois, os Doces Bárbaros chegaram a se apresentar pra rainha da Inglaterra. Essa postura mais agressiva era emblemática durante o Tropicalismo, e em 74, Gal era considerada a musa do movimento Pós-Tropicalista, já com uma postura mais sóbria e canções mais suaves”.

O professor de música conta sobre algumas alternâncias na carreira de Gal. “A partir da década de 80, Gal direciona sua carreira para um lado mais ‘mainstream’, gravando vários sucessos radiofônicos e temas de novela – que nos anos 70 já tinha sido consagrada com sua versão de ‘Modinha para Gabriela’–, sendo reconhecida como um ícone da MPB, ao lado de Elis Regina, entre outros. Em 2012, Gal Costa foi eleita a sétima maior voz da música brasileira de todos os tempos, pela revista ‘Rolling Stone’”, conclui.

Explicadas todas as tecnicalidades próprias de músicos – que passam a vida estudando [muito] para o exercício de seu ofício –, pergunto a Maurício o que a Gal representa para ele, e a resposta é cheia de admiração: “Toda vez que ouço a Gal, tenho a impressão da personificação de um trompete. Uma voz única, como se Miles Davis pudesse cantar as notas que ele executava lindamente em seu trompete”, dispara o músico-fã.

Kemp ainda “aproveitou” para fazer uma sugestão. “Se eu puder sugerir uma audição, ‘Um Gosto de Sol’, do álbum do ‘Milton Nascimento ao Vivo’, é uma das coisas mais lindas que ela já gravou.” Algo que esta repórter que vos escreve pôde constatar enquanto escrevia esta matéria, ao ouvir a canção. É uma obra tão linda, mas tão linda, que mexe o coração, embarga a voz e faz, ainda, com que lamentemos ainda mais uma perda tão significativa da nossa música. É dessa canção a frase que ajuda a dar título a esta matéria: “Alguém sorriu de passagem / Numa cidade estrangeira / Lembrou o riso que eu tinha / E esqueci entre os dentes”.

O regente Eduardo Martinelli ressalta a importância da cantora. “Gal Costa é, sem dúvida, uma das vozes marcantes da música brasileira. Além da força da sua interpretação, pelo que foi mais conhecida, a artista compunha e era também instrumentista.”

Por Méri Oliveira – Jornal O Estado do MS.

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