A manifestação da classe artística ocorreu no plenário, durante audiência na Câmara, e acusa a prefeita de ‘calote’ com verba destinada aos editais municipais
Artistas, coordenadores e agentes culturais reivindicaram a defasagem de R$ 8 milhões, que a cultura campo-grandense sofre desde 2022. A manisfestação denominada de “Terceiro Ato!” aconteceu no plenário durante audiência, na Câmara Municipal de Campo Grande, ontem (14). A classe artística, desde segunda-feira (11), já vem ocupando a frente da Prefeitura em manifestação contra o “calote”, segundo eles, sofrido durante o mandato da prefeita Adriane Lopes.
O imbróglio iniciou no começo de outubro, quando artistas e agentes culturais se reuniram no plenário da Câmara para cobrar os pagamentos derivados dos únicos editais municipais destinados à cultura da Capital: Fomteatro (Fomento ao Teatro) e Fmic (Fundo de Investimentos Culturais). Desde 2022, contando com os dois editais, estava previsto, na lei orçamentária, um recurso de R$ 4 milhões, tanto para o ano de 2022 como para 2023. No entanto, ambos os editais foram anulados pela Prefeitura. A única justificativa para a defasagem, segundo o vice-presidente do Conselho Municipal da Cultura, Walber Noleto, em conversa com o jornal O Estado, durante a manifestação, é o desvio do dinheiro.
“Muito provavelmente, esse dinheiro foi para pagar folha secreta, para remunerar cabo eleitoral disfarçado de assessor, o que é muito comum na Prefeitura. Na segunda-feira (11), pela manhã, nossa comissão – composta por mim, Romilda Piazani e Fernanda Keunzler, representando a cultura – foi recebida pela prefeita Adriane Lopes. Ela fez uma mea culpa, admitindo que ignorou, não dialogou com a cultura, atribuindo isso como um problema de sua assessoria. Pediu desculpas e prometeu apresentar uma proposta na quarta-feira. Retornamos lá anteontem (13), e ela nos propôs publicar um edital de R$ 4 milhões para o FMIC e Fomteatro em 22 de janeiro. Contudo, isso não satisfaz a classe artística. O Conselho Municipal ficou dois anos inativo, sendo reativado este ano, mas ela nunca se dignou a aparecer, para expressar sua visão sobre a cultura. Poderia usar adjetivos como pífio, irresponsável, descaso – todos aplicáveis para caracterizar seu completo desconhecimento e descaso em relação à cultura. Em resumo, a prefeita representa um completo atraso, sendo um retrocesso para a cultura de Campo Grande”, enfatiza o vice-presidente.
Fotos: Cayo Cruz
Conforme a organizadora da mobilização e coordenadora do Fórum Municipal de Cultura, Romilda Piazani, é inaceitável a proposta, tendo em vista que são dois anos sem investimento no setor cultural. A coordenadora ainda destaca que a justificativa da prefeita foi a falta de recursos, uma devolutiva que, para a classe artística, é totalmente incoerente.
“Nós temos aí uma defasagem de dois editais, cada um de R$ 4 milhões, referentes aos anos de 2022 e 2023, nos quais não houve a publicação dos editais. Além disso, foi aprovado, pela Câmara Municipal, um acréscimo de dois milhões para os dois editais, que não foram incluídos nesta proposta de quatro milhões. Agora, como pode o município de Campo Grande, que possui uma folha com tantos funcionários, não ter recurso? Tantos funcionários comissionados. Enquanto setorial de cultura, consideramos inaceitável discutir uma política pública municipal sem incluir a cultura. Além disso, a cultura não está apenas relacionada ao período natalino ou à 14 de Julho. Estamos falando de uma cultura contínua, que as pessoas possam ter acesso. A gestão municipal precisa compreender o que é cultura, entretenimento e lazer. Estamos falando de fomento, de proporcionar o acesso do público à arte, fazendo com que o público entenda que a cultura não se limita a entretenimento pontual, mas é um elemento que, por meio de seus projetos sociais e ações, desperta o cidadão como sujeito, na sociedade. O prejuízo é significativo, pois, sem fomento, como formaremos novos artistas e públicos? Nosso objetivo é que a Câmara dos Vereadores vete a proposta da gestão municipal, em relação ao repasse dos 4 milhões. Queremos 8 milhões, ou, no mínimo, 6 milhões, que é o nosso direito”, salienta a coordenadora Romilda.
‘Caloteira’
“É caloteira, é bolsonazi, é bolsonazi caloteira, é evangélica, mas é caloteira”, cantou o coordenador da Associação de Advogados pela Democracia em Mato Grosso do Sul, La írson Palermo, à reportagem. Revoltado com o calote, o advogado afirmou que o último repasse realizado aos artistas foi em 2021. Além disso, destaca que a política municipal de Campo Grande não existe, no atual mandato. “Não há nada que justifique isso. A meu ver, é o comprometimento do orçamento do município para questões que não dizem respeito aos interesses da sociedade de Campo Grande. Quer dizer, há o problema localizado da cultura, que é a manutenção da política pública, mas existe um problema maior, que é a falta de transparência na gestão financeira do município de Campo Grande. O município não possui uma política de cultura. O plano municipal de cultura está defasado, desatualizado e esquecido; ressalto: não há política de cultura. Isso é uma lacuna. Absolutamente nada foi feito. Deveríamos discutir e auxiliar o poder público municipal na formulação do plano municipal de cultura, na definição de uma política de cultura, mas para isso é preciso que o poder público tome a iniciativa de propor essa política. No entanto, esse diálogo simplesmente não existe”, frisou o coordenador Laírson.
Durante a reunião no plenário, a equipe do jornal O Estado tentou conversar com o único representante da prefeitura, o vereador Beto Avelar. Todavia, o político argumentou não ter participado do encontro que aconteceu nessa quarta (13), entre a classe artística e a prefeita Adriane Lopes, por isso não poderia falar sobre o assunto. No entanto, enquanto acontecia a reunião no plenário, o site da prefeitura publicou uma matéria, anunciando um investimento de mais de nove milhões para a cultura da Capital.
“A Prefeitura de Campo Grande anunciou, nessa quarta-feira (13), que para 2024 estão previstos investimentos na ordem de R$ 9,727 milhões para a cultura da Capital. A previsão é de novo edital do Fmic e Fomteatro, no valor de R$ 4 milhões do tesouro municipal e também o lançamento do edital Aldir Blanc, no valor de R$ 5,527 milhões, onde a Capital já foi contemplada pelo seu plano de ação. Esses valores somados chegam a R$ 9,727 milhões”, diz trecho da matéria publicada no site.
Por – Ana Cavalcante
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