Olhos Fechados

Leandro Marques como o protagonista Guto - Foto: Jaime Herman
Leandro Marques como o protagonista Guto - Foto: Jaime Herman

Curta-metragem narra a jornada de Guto, um jovem artista de Corumbá que, ao perder a visão, busca reencontrar seu caminho artístico, explorando as vivências de pessoas com deficiência visual nas artes

 

O cinema sul-mato-grossense segue em plena ascensão, e uma nova produção promete emocionar o público: o curta-metragem Olhos Fechados. Com roteiro e direção de Roberto Leite, o filme reúne um elenco composto por Leandro Marques, Tháis Umar, Breno Moroni, Bianca Machado e Maria Leite. A obra aborda, de forma artística e sensível, questões sociais relacionadas à cegueira, propondo um novo olhar sobre o mundo por meio daqueles que o enxergam de outra maneira.

A trama de Olhos Fechados acompanha a trajetória de Guto, um jovem pintor pantaneiro cuja carreira promissora é abruptamente ameaçada por uma inesperada cegueira. Abandonado pelos pais aos seis anos e criado por uma vizinha, Guto cresceu como um homem sonhador. Determinado a conquistar seu espaço no mundo das artes, ele se muda para Campo Grande contra a vontade da mãe adotiva, com o objetivo de realizar sua primeira exposição.

Tudo muda quando, no mesmo dia, sua vida muda drasticamente com a perda da visão. A partir daí, sua obsessão pelo sucesso o impulsiona a encontrar novas formas de se reconectar com sua arte, agora guiado não mais pelos olhos, mas pelo imaginário.

A produção foi contemplada pela Lei Paulo Gustavo por meio da Fundação de Cultura e contou com apoio da Secretaria de Estado de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania, além de investimentos da PNAB (Política Nacional Aldir Blanc). O projeto é realizado pela Zion Filmes, com coprodução da Chalan Filmes e Guaraicurus Filmes.

Construindo olhos

Foto: Jaime Herman

As filmagens ocorreram ao longo de quatro dias, com uma equipe de cerca de 23 pessoas, incluindo técnicos, elenco e apoio. Com duração total de 20 minutos, o filme foi gravado em locações na Avenida 14 de Julho, o que apresentou desafios logísticos, mas também conferiu uma rica estética à produção. Um dos maiores desafios enfrentados pela equipe foi transformar um apartamento em um espaço que transcendesse o ambiente comum, refletindo a essência das artes. Isso se tornou ainda mais significativo pelo vínculo histórico do local com Sara Figueiró, uma figura icônica da cultura e da arte local, cuja presença foi sentida em cada canto daquele ambiente artístico.

O processo de criação do curta Olhos Fechados foi marcado por uma construção intensa e profundamente colaborativa. Durante os ensaios, a equipe não se concentrou apenas na interpretação textual, mas também desenvolveu o trabalho corporal e sensorial dos atores. Em entrevista ao jornal O Estado, o roteirista e produtor Roberto Leite destacou que, para se aprofundarem nos papéis, os atores participaram de encontros com pessoas cegas experiência fundamental para que pudessem compreender e incorporar, de forma mais autêntica, as vivências retratadas no filme.

“O desenvolvimento do roteiro foi muito sensível e cuidadoso. A ideia sempre foi construir personagens que não estivessem presos à condição da deficiência, mas que tivessem sonhos, desejos e complexidades como qualquer pessoa”, afirma.

Cada escolha técnica em Olhos Fechados foi pensada para proporcionar uma experiência sensorial única. Na fotografia, Kinho Guedes e Carlos Wagner exploraram o desfoque seletivo, o uso de luz que estoura ou desaparece, criando uma metáfora visual para a percepção de Guto. Segundo Roberto, a trilha sonora se torna quase um personagem por si só, preenchendo os silêncios e guiando emocionalmente o espectador, tal como os sons orientam uma pessoa com deficiência visual.

Na direção de arte, cada detalhe foi projetado para estimular os sentidos do tato e do som, desde os objetos nas cenas até as texturas dos figurinos e cenários. O filme, assim, convida o público a sentir profundamente, em vez de simplesmente olhar.

“O Pantanal, por si só, é poesia visual e sonora. Buscamos traduzir isso em planos contemplativos, nos sons da natureza, no ritmo da montagem. Há silêncio, há tempo para observar, para ouvir. A fotografia aposta na luz natural, nos contrastes de sombra e claridade, remetendo à própria metáfora da cegueira. A trilha sonora também carrega elementos da musicalidade pantaneira, mas sempre dialogando com a sensibilidade dos personagens. O Pantanal não é apenas cenário, ele é personagem, é extensão da alma do protagonista”, explica.

 

Muito além de cenários

Durante a trama, Guto conhece Helena, 28 anos, cega de nascença. Sem saber disso, o protagonista abre espaço para que ela possa lhe ajudar. Essa relação cresce e Guto começa sua jornada em busca de se reencontrar.

“A Helena surge como um espelho emocional do Guto. Ela carrega um segredo que não revela para ele a sua própria cegueira, e isso cria uma tensão poética muito interessante. Enquanto Guto busca se reconectar com a vida através da arte, Helena, silenciosamente, guia esse processo, mostrando que, às vezes, a força está em aceitar e abraçar nossas vulnerabilidades”.

A participação da ADVMS (Associação dos Deficientes Visuais de Mato Grosso do Sul) foi essencial durante o processo criativo e de produção de Olhos Fechados. Desde o início, os membros da entidade acolheram a equipe, compartilharam experiências e contribuíram ativamente para garantir uma representação autêntica da vivência com deficiência visual. Foram realizados encontros, conversas e oficinas com integrantes da associação, o que permitiu uma imersão mais profunda no universo da cegueira.

Conforme a equipe, o principal desafio foi evitar estereótipos e escapar da visão romantizada da deficiência. A proposta sempre foi construir personagens reais, com virtudes, falhas, senso de humor e humanidade. Esse compromisso com a autenticidade também se refletiu na linguagem visual do filme, desde os enquadramentos e gestos dos atores até a ambientação e construção estética, tudo foi pensado para transmitir a percepção sensorial de quem enxerga o mundo através de outros sentidos.

 

“O filme nasceu de um desejo genuíno de explorar como percebemos o mundo além da visão física. A inspiração veio de uma experiência pessoal, quando minha irmã teve um problema de visão, o que me fez refletir sobre o tema. O roteiro também se baseia em histórias reais de pessoas da ADVMS, que compartilharam suas vivências. O projeto foi aprovado pela Ancine para desenvolvimento de um longa, com gravações previstas para 2026. Durante o processo, me encantei pela história de John Bramblitt, um artista cego que transforma música em pintura. Para as telas do filme, escolhi o artista D’Bravo, que criou obras maravilhosas”.

Roberto Leite finaliza revelando que Olhos Fechados já se prepara para circular em festivais nacionais e internacionais, com estreia marcada para a terceira semana de junho. Também estão previstas exibições comunitárias em escolas e espaços culturais. O diretor destaca que o filme é mais que arte: é ferramenta de transformação. “Mostrem que não somos super-heróis, somos pessoas comuns”, reforça, citando um pedido dos colaboradores com deficiência visual.

 

Amanda Ferreira

 

Confira as redes sociais do O Estado Online no  Facebook e Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *