O Som do Vinil

Fotos: Reprodução
Fotos: Reprodução

Projeto de discotecagem com vinil atrai pessoas de todas as idades para pontos culturais de Campo Grande, celebrando nostalgia, música, troca e o amor pelos bolachões

 

Do fonógrafo a cilindros à goma-laca, dos bolachões aos vinis: muitos nomes, uma mesma paixão. Desde sua criação em 1887, o disco de vinil atravessou gerações e se firmou como um símbolo cultural que vai muito além da música. Em tempos passados, era o único meio de se ouvir sons com profundidade, em uma experiência que envolvia sentir, aprender e até tocar a música. Resgatando essa nostalgia e celebrando a conexão entre pessoas por meio do som, o projeto Salve o Vinil realiza mais uma edição do seu tradicional rolê gratuito neste domingo (18).

A partir das 14h deste domingo (18), o Ramita Café será palco de mais uma edição do Salve o Vinil, reunindo música, arte, literatura e cultura urbana em um só rolê gratuito. Com sets cuidadosamente selecionados pelos DJs Julio Prody e Chico, o evento celebra o charme atemporal dos discos de vinil e a conexão que eles ainda despertam entre gerações.

Mais do que ouvir música, a proposta é viver a cultura do vinil em sua essência. O público poderá curtir artistas locais, explorar exposições, saborear cafés especiais e drinks autorais, além de participar de atividades que vão da troca e venda de vinis à leitura de obras selecionadas da livraria Hamurabi, que levará ao local seu acervo de livros e LPs.

Quem ainda não tem um disco para chamar de seu — ou quer ampliar a coleção — encontrará boas oportunidades entre as bancas de expositores. A programação segue até as 18h e também inclui a Batalha Delax #6, com duelos de rima entre MCs, além de performances de dança e a presença de marcas regionais com vestuário e acessórios exclusivos.

Enquanto os toca-discos giram, Julio Prody e DJ Chico transformam o espaço em um verdadeiro santuário sonoro, fazendo de cada bolachão não apenas uma lembrança, mas uma experiência viva. É som, cultura e resistência em forma de vinil.

Amizade além da música

Colecionadores DJ Julio Prodigy (à esquerda), Júlio e DJ Chico em ação na discotecagem com vinil – Foto: Erick Shimoya/Divulgaçã

A história do Salve o Vinil é, antes de tudo, uma história de amizade construída com base na música. Criado em 2021 pelos DJs Julio Prody e Chico, o Salve o Vinil já realizou mais de 30 edições, reunindo parcerias diversas e artistas locais em encontros movidos a música, memória e paixão pelos discos. DJ Chico relembra para o Jornal O Estado, como conheceu Julio Prody, ainda nos primórdios da internet brasileira, na época do Mirc, um dos chats mais populares durante a transição da conexão discada para a banda larga.

“Eu usava o nick de um integrante de um grupo de rap chamado Tenklem. Um dia, o Julio me abordou no chat, já meio ‘dando carteirada’, perguntando o que eu sabia sobre o grupo. Começamos a trocar ideia e eu comentei de um rapper que curtia, mas não tinha quase nada dele. O Julio falou: ‘Eu tenho o EP’. Era algo impensável de conseguir na época”, lembra Chico.
O encontro para a venda do CD foi o início de uma amizade duradoura. A partir daí, os dois passaram a se encontrar esporadicamente, até que Julio abriu uma loja de skate no centro de Campo Grande, onde também vendia CDs raros e peças de streetwear, algo bem à frente do que se encontrava na cidade.

“A gente começou a se ver mais, conversar sobre música, especialmente sobre o rap underground, que vivia um momento muito especial no Brasil. Ele chegava com revistas importadas de rap, tipo a The Source, que eu via nas bancas, mas não tinha grana para comprar. A gente folheava junto, lia, trocava ideia”.

A conexão musical entre Julio e Chico se fortaleceu durante sessões de discotecagem improvisadas na gráfica de Julio, que depois ganhou até uma sala dedicada aos toca-discos. Foi nesse ambiente que Chico também se aproximou de outros DJs da cena local, como Magão e Gil. Antes do Salve o Vinil, eles chegaram a realizar o Save the Vine, evento que funcionava no esquema de revezamento entre DJs, uma experiência breve, mas que plantou a semente do projeto que, anos depois, ganharia nome em português “Salve o Vinil” e se tornaria referência cultural em Campo Grande.

O Julio tem uma visão de negócio muito forte. Ele planeja cada edição com cuidado: tem vídeo, divulgação, conceito. Não é só tocar disco. É criar uma experiência. E hoje as pessoas dizem: ‘vou no Salve o Vinil porque é o rolê que mais gosto, o mais legal em termos de música’.Tocar vinil é diferente. Não tem mashup, não tem o hit do momento. A gente é forçado a ir por outros caminhos, e isso é muito mais interessante.”

Mais discos que amigos

Foto: Erick Shimoya/Divulgação

Segundo o DJ Julio Prodygy, fundador do coletivo Salve o Vinil e dono de um acervo com mais de mil discos, o evento vai além da música, é uma verdadeira manifestação cultural. Para ele, a proposta é criar um espaço onde pessoas de todas as idades possam se reunir para ouvir, trocar e conversar sobre discos, em uma grande “troca de receitas musicais”. Atuante na cena noturna de Campo Grande há mais de 10 anos, Julio acredita que o projeto reacende a paixão pelo vinil, especialmente entre os mais jovens, e destaca que colecionar é também uma forma de preservar e reviver memórias afetivas.

“Eu sempre digo que a nossa proposta é acender essa chama do vinil nas pessoas, porque ela existe. Botar o disco para tocar. Na época de vovô, dos nossos pais, a meta era acumular, ter mais e mais vinis. Hoje, tem gente nova aí, pessoal de 20, 30 anos, comprando o seu primeiro disco, e eu vejo a alegria dessa conquista e do querer compartilhar. E colecionar é isso, salvar e resgatar memórias afetivas”, coemnta o DJ.

Para o DJ Julio Prodygy, em meio ao caos do mundo atual repleto de informações, tecnologia e estímulos constantes , ouvir vinil é um ato de desaceleração. Ele vê o Salve o Vinil como parte do movimento slow, que convida à calma e à presença.

“A mágica já está no nome LP, de long play. Quando você adquire um vinil, você dá continuidade ao trabalho de quem o concebeu, sua expressão artística. Ao mesmo tempo em que você o possui, tocando a capa, sentindo a agulha nas ranhuras, com o seu som característico, e ouvindo a música, você também colabora com uma nova história associada. E esse elo é duradouro” destaca o DJ.

O Vinil nunca morreu

Foto: Erick Shimoya/Divulgação

Nos últimos anos, os discos de vinil passaram por um notável ressurgimento, conquistando ouvintes de diferentes gerações e regiões. Em contraste com a praticidade do streaming, a experiência sensorial proporcionada pelo vinil desde o manuseio do disco até a contemplação das capas e encartes oferece uma conexão mais profunda com a música.

As vendas de vinil nos Estados Unidos aumentaram consideravelmente durante o período de 2020 a 2023, segundo a Associação Americana da Indústria de Gravação. Relatórios da Federação Internacional da Indústria Fonográfica revelaram um aumento de 23,5% no faturamento com vendas de vinil em 2020, enquanto as vendas de CDs caíram 11,9% no mesmo período.
Artistas como Billie Eilish, Taylor Swift e Olivia Rodrigo têm utilizado o vinil estrategicamente para lançar produtos em edições limitadas, atraindo não somente colecionadores, mas também um público de todas as idades, resgatando o ritual de ouvir música nas vitrolas.

Eventos como o Record Store Day, celebrado em 20 de abril e comemorado também no Brasil em homenagem ao sambista Ataulfo Alves, ajudaram a consolidar essa retomada, estimulando artistas renomados a lançarem edições exclusivas em vinil. O formato, mesmo que longe de retomar o domínio de mercado, se firmou como símbolo de resistência cultural e objeto de desejo entre colecionadores. Em Campo Grande, por exemplo, o crescente interesse pelo vinil tem inspirado projetos culturais e acadêmicos que buscam entender os valores e significados por trás dessa paixão duradoura.

“O vinil não perde a validade, ele passa de mão em mão, carrega história, roda. Já ganhei discos de amigos que nunca vou esquecer e até recebi coleções com a assinatura de outras pessoas. São anônimos totalmente musicais. E isso é afetividade, né? Afinal, um pouco de nostalgia nos mantém vivos, e reviver o passado é saber de onde viemos e pensar para onde vamos”, finaliza Júlio.

 

Amanda Ferreira

 

Confira as redes sociais do Estado Online no Facebook Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *