Les Garçons

Foto: Carol Simurro/Divulgação
Foto: Carol Simurro/Divulgação

Gravado em Corumbá e inspirado em peça teatral, obra une cinema, teatro e artes visuais para contar história sobre ausência, memória e amores não vividos, com estética da pintura francesa do século XIX

O cinema tem o poder de reunir diversas linguagens artísticas em uma só experiência. Muitas vezes, histórias, ficções e realidades se misturam à poesia visual, à dramaturgia e às emoções humanas, criando narrativas que se assemelham a pinturas sobre uma tela em branco, onde cada elemento é fruto de referências, inspirações e aprendizados.

É nesse encontro entre as artes que nasce “Les Garçons”, curta-metragem de ficção que será lançado no dia 16 de junho, às 19h, no IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul), Campus Corumbá. A produção é dirigida por Bruno Nishino e Marco Calábria, com roteiro de Breno Moroni e direção de fotografia de Deivison Pedrê, e propõe uma reflexão delicada e potente sobre temas como solidão, memória e os amores que não se viveram.

O filme se passa em um restaurante francês em decadência, onde o tempo parece ter parado. A mesa está posta para um jantar que nunca acontece. O maître, um homem já idoso, continua à espera de um amor que não veio. Ao seu lado, um jovem garçom com pressa, que enxerga o trabalho apenas como uma forma de ganhar dinheiro e seguir adiante. Nesse cenário suspenso entre o passado e o presente, os personagens revelam camadas de sentimentos e ausências, compondo uma atmosfera melancólica e profundamente humana. O roteiro, inspirado em uma peça teatral homônima, transita entre a estética teatral e a linguagem cinematográfica, criando uma obra que é, ao mesmo tempo, introspectiva e visualmente expressiva.

Além da estreia no IFMS, o curta será exibido também no dia 17 de junho no Moinho Cultural, e no dia 18 no Espaço Cultural Bar da Kah, sempre às 19h. Todas as sessões são gratuitas e abertas ao público. Les Garçons é uma experiência sensível que convida o espectador a refletir sobre as relações interrompidas pelo tempo, sobre o que deixamos de viver e sobre o poder das lembranças. A produção se destaca por sua atmosfera intimista, por sua composição estética refinada e pela forma com que aproxima o público de questões universais por meio de uma narrativa silenciosa, porém profundamente tocante.

A última refeição

A pré-produção do filme teve início de forma íntima e colaborativa, com foco na adaptação sensível da peça teatral homônima escrita por Breno Moroni em 2004, em Portugal. A obra original, marcada por uma carga emocional intensa, ganhou destaque com a atuação do ator português Francisco Adam, conhecido por seu papel na série “Morangos com Açúcar”, que faleceu após a estreia. Essa história, já carregada de significados, serviu como ponto de partida para a equipe do filme, que buscou preservar sua essência teatral ao mesmo tempo em que a reimaginava dentro da linguagem cinematográfica.

A memória do ator Francisco Adam, que integrou a montagem original da peça Les Garçons em 2004, em Portugal, pulsa no coração do filme, segundo o roteirista Breno Moroni. Com mais de 50 anos de carreira dedicada às artes, transitando entre televisão, teatro e cinema, Moroni revela que a ideia da personagem ausente, a paciente terminal que nunca chega para o jantar, nasceu de uma vivência pessoal marcante.

“Foi a única peça de teatro que ele fez. Montar esse filme é também uma homenagem, uma dívida afetiva com a trajetória dele”, afirma. 

A ausência, elemento central da trama, também é um tributo à mãe do autor: “Minha mãe, em estado terminal, me disse que queria uma última refeição. Eu comprei o vinho que ela gostava, fui à churrascaria que ela mais amava, mas jantei sozinho. Essa peça também é para ela.” No filme, essa ausência ganha força simbólica, se entrelaçando com os sonhos não realizados, o tempo que não retorna e os arrependimentos que a velhice carrega, compondo uma narrativa profundamente emocional e sensível. 

A transposição da peça para o cinema exigiu mudanças significativas. “O texto original tinha elementos circenses, malabarismo, acrobacias. No curta, tudo isso foi retirado. A comédia deu lugar a um drama mais profundo, e o conteúdo se aprofundou nas feridas: guerra, fome, conflito geracional”, explica o roteirista. Ainda assim, Breno mantém sua assinatura: “Uso o humor sutil para abrir espaço à reflexão. Quando o espectador relaxa, é o momento de enviar a mensagem direto. É um estilo meu: a comédia como porta, o drama como travessia”.

Silêncios e produções  

Para o jornal O Estado, o diretor do media-metragem Bruno Nishino, afirmou que o diretor de fotografia, Deividson Pedrê, e o colorista Cauê Gutierrez foram fundamentais nesse processo. “A gente decidiu homenagear o teatro por meio da fotografia, quase todos os planos são pensados como se estivéssemos no ponto de vista de um espectador na plateia. Trabalhamos com uma equipe enxuta, mas extremamente dedicada. Os atores, inclusive, estão quase sempre voltados para o mesmo eixo, como se o palco ainda estivesse ali. Foi um trabalho de adaptação que exigiu respeito à origem e ousadia na forma”, destaca o diretor

A linguagem visual do filme surgiu de um processo coletivo de pesquisa e sensibilidade, com forte inspiração na pintura francesa do século XIX, cuja luz poética e melancólica dialoga com o tom emocional da narrativa. A estética do filme não segue um movimento cinematográfico específico, mas se construiu como uma extensão natural da história, com referências que vieram tanto da peça original quanto de um cuidadoso trabalho de ambientação, que incluiu garimpos, doações e adaptações feitas pela própria equipe.

“A imagem é quase um personagem no filme. A história se passa num contexto silencioso, mas carregado; fome, guerra, revoluções… Nada disso é mostrado diretamente, mas tudo está presente ali, nas entrelinhas. A luz, os enquadramentos, os espaços vazios… tudo isso ajuda a construir uma sensação de ausência, de tensão suspensa”, conta Bruno. 

Cinema sul-mato-grossense

Quem divide a cena no filme são os atores Fábio Arruda e Salim Haqzan, este último também responsável pela direção de arte. Natural de Corumbá, Salim fala com entusiasmo do trabalho da dupla de diretores.

“O Bruno e o Marco têm um olhar muito apurado, são ousados, premiados na Europa, e trabalham com um comprometimento raro. Eu não conseguia imaginar esse filme sem eles”. Ele também destaca a construção minuciosa do cenário: “Passei seis meses pesquisando objetos. Muitos foram emprestados por famílias corumbaenses. Cada detalhe foi pensado – os relógios, as velas, os candelabros – tudo carrega o histórico do personagem, suas fobias, seus traumas de guerra, sua espera infinita”.

Gravar Les Garçons em Corumbá foi uma escolha que uniu identidade, simbolismo e estética, segundo os realizadores. A cidade, com sua forte carga histórica e visual, serviu como cenário natural para o primeiro média-metragem da dupla Bruno e Marco, que também assina a co-direção e montagem do filme.

“O cinema sul-mato-grossense carrega o frescor de quem está descobrindo suas próprias vozes. Nosso filme quer sim dialogar com esse movimento, mas sem tentar representar nada além do que é genuíno pra gente. É sobre contar uma história universal a partir de um lugar muito particular”, revela Bruno. 

Com trilha sonora original do grupo Flor de Pequi, Les Garçons busca conectar o cinema sul-mato-grossense ao mundo. “O cinema é uma máquina do tempo e deve servir à transformação da consciência e da empatia. Essa é a função da arte”, conclui o roteirista Breno

Amanda Ferreira

 

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