Escritora da Capital ganha prêmio nacional

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Fotos: Arquivo pessoal

Com ‘Mulheres Estendidas ao Sol’, Lucilene Machado é a única do Estado reconhecida no Prêmio Carolina Maria de Jesus de 2023, do MinC

“Mulheres Estendidas ao Sol”, livro de crônicas da escritora campo-grandense Lucilene Machado, foi a obra vencedora do Prêmio Carolina Maria de Jesus, de 2023. Entre as 2.619 inscrições recebidas, apenas 61 obras foram selecionadas, e Lucilene destacou-se como a única sul-mato- -grossense a conquistar esse prestigioso prêmio. 

O Prêmio Carolina Maria de Jesus visa premiar obras literárias inéditas produzidas por mulheres brasileiras. Na busca por incentivar e propagar a produção literária feminina, a primeira edição do edital contempla mais de 60 escritoras, concedendo, a cada uma delas, R$ 50 mil. A premiação é dividida em seis categorias, sendo que das 61 obras selecionadas, 24 são romances, 15 são contos, 14 são poesias, quatro são crônicas e uma é quadrinho. 

A professora universitária e doutora em teoria da literatura pela Unesp, Lucilene Machado, escritora, foi selecionada por seu mais novo livro de crônicas, intitulado “Mulheres Estendidas ao Sol”, que ainda será lançado. A obra, caracterizada por uma abordagem sensível, reflete vivências femininas por meio de uma escrita poética e comovente, conforme relata a escritora. Além disso, Lucilene destaca a relevância de ser uma das premiadas em um prêmio nacional, representando Mato Grosso do Sul. 

“É um livro de crônicas, é um conjunto de crônicas com uma perspectiva bastante feminina. Não está disponível ainda. Em breve será publicado. Um dos critérios do concurso é o de ser um livro inédito. Mas posso dizer que é um livro que aborda uma ampla variedade de assuntos e reflete a diversidade das experiências femininas por meio de uma abordagem sensível e poética, que tenta capturar as nossas nuances, oferecendo uma visão mais profunda e emocional”, descreve a autora. “Quanto ao fato de ser premiada, eu, que venho da periferia, moro num Estado periférico, como é o nosso, que muitas vezes as pessoas nem sabem que existe, então o prêmio passa a ser uma via fundamental para publicar em editoras com distribuição nacional, para fazer parte de feiras literárias, para ser convidada para palestras… Creio que conceder visibilidade ao escritor é a principal função dos prêmios literários, e é a partir dessa visibilidade que surgem propostas para nós, os que estão fora dos circuitos”, ressalta. 

Literatura é a representação da vida’ 

Presidente da UBE/MS (União Brasileira de Escritores do Mato Grosso do Sul) e colunista do jornal O Estado, Lucilene compartilha que sua relação com a escrita vem desde a infância. Ainda criança, ela não possuía a liberdade de escolher ser escritora, pois ser “escrevinhadora” e ser caminho para palavras já era sua brincadeira favorita. Sua literata de inspiração não foi nada menos que Clarice Lispector, que fincou seus textos em Lucilene e a conduziu à trajetória de sucesso que a escritora possui. Segundo ela mesma, a linguagem poética é o seu modo de ser e estar no mundo. 

“A grande leitura da minha vida foi Clarice Lispector. Lembro-me que quando tive os filhos (tenho dois), preocupei-me com a educação deles e procurei um livro que tratasse do assunto. Eu era muito jovem e fiquei bastante preocupada com a responsabilidade de educá-los. Em uma livraria encontrei um livro chamado ‘Laços de Família’ e o comprei. Na verdade, tratava-se de uma leitura literária e densa que não apresentava nenhuma relação com a criação de filhos, ou apresentava, porque tudo está conectado, a literatura é a representação da vida. Comecei a ler aquela mulher que falava de mim, que penetrava em minhas veias, minhas células, que me conduzia por lugares desconhecidos e eu aceitei o pacto de cruzar aqueles abismos e ir sempre um pouco mais além. Resumindo, eu acabei lendo boa parte dos livros de Lispector e me transformei em uma estudiosa de sua obra em nível de mestrado e doutorado. Julgo que seja a minha grande inspiração. Mas escrever, eu já escrevia antes. Desde sempre. Não me lembro quando comecei. A escrita já estava impregnada em mim e eu nela. Escrevia diários, cartas, poesias… quando criança, eu era a ‘escrevinhadora’ da minha casa, tinha cadernos de poesia, escrevia textos a quem solicitasse. Mas publicar, creio que comecei tardiamente, com 30 anos, ainda utilizando a máquina de escrever. Minha primeira intenção era escrever poemas, mas com a crônica eu teria os espaços dos jornais, de modo que me lancei a uma narrativa reflexiva que fui adequando à medida pré-atribuída ao gênero. No entanto, a poesia esteve sempre nas minhas frases. A linguagem poética é o meu modo de ser e de estar no mundo; por isso, atravessa minha narrativa e estreita os limites cabíveis entre os gêneros crônica, conto e poesia”, compartilha a escritora.

A cartografia literária a e renomada escritora Carolina Maria de Jesus

Ao todo, entre as premiadas, três são do Centro-Oeste, duas do Distrito Federal e Lucilene Machado, do Mato Grosso do Sul. Contudo, Norte, Nordeste, Sudeste e Sul também foram contemplados, apontando, para além da produção de uma cartografia literária potente, a celebração de uma diversidade de formatos da literatura feminina sendo produzida por todo o Brasil. O prêmio, além de trazer um retrato importante da escrita no país, homenageia também a renomada escritora Carolina Maria de Jesus. Conhecida Brasil afora por sua obra “Quarto de Despejo”, Carolina relatava em seu livro-diário o seu dia a dia na favela do Canindé, na cidade de São Paulo. A escritora via a escrita como forma de sair da invisibilidade social em que se encontrava. Lucilene destaca essa homenagem como outro ponto de suma importância da premiação e um passo crucial em direção à justiça e igualdade. 

“O nome do prêmio homenageia uma escritora brasileira que foi praticamente invisibilizada na época, além de ser uma mulher preta, periférica e pobre. Reconhecê-la como nome de um projeto que agrega mulheres invisibilizadas é um passo crucial em direção à justiça e igualdade. Sabemos que, ao longo de nossa história, muitas mulheres negras e pobres foram sistematicamente excluídas de oportunidades e reconhecimento, devido a discriminações baseadas em raça, gênero e classe social. É um prêmio que pretende ter continuidade e reconhecer essas mulheres que escrevem país afora, trazendo ao debate o imaginário cultural de cada lugar, da forma como o herdamos e de como esse espaço condicionou nossa maneira de construir o nosso mundo. Além disso, sinto-me muito honrada por ser vencedora de um prêmio que leva o nome da escritora Maria Carolina de Jesus e por ser reconhecida dentro de um prêmio promovido para as mulheres… para mim, é também importantíssimo ver o gênero crônica sendo reconhecido como literatura em igualdade com o romance, com conto, poesia etc”, acrescenta Lucilene, entusiasmada.

Democratização e inclusão 

Essa é a primeira edição do Prêmio Carolina Maria de Jesus, realizado pelo MinC (Ministério da Cultura), além de promover a produção literária produzida por mulheres, a premiação buscou ser democrática e inclusiva. Entre os critérios reinvindicados, foram aceitas incrições de mulheres cis ou transgênero. Ainda das 61 obras selecionadas, 20 são destinadas às candidaturas autodeclaradas: negras, indígenas, ciganas, quilombolas e PCD (pessoas com deficiência). Iniciativas como essa contribuem para superar desigualdades históricas e criar um ambiente mais inclusivo e representativo no campo da literatura e, por extensão, em outras esferas da sociedade. Ao incluir categorias específicas, de acordo com Lucilene, é também possível garantir uma representação mais fiel da diversidade da sociedade. 

“Isso contribui para que diferentes vozes e perspectivas sejam ouvidas e valorizadas. Muitas vezes, grupos específicos enfrentam marginalização e falta de visibilidade. Criando tais categorias é possível destacar o trabalho e as contribuições dessas escritoras, proporcionando visibilidade a talentos que, de outra forma, poderiam passar despercebidos. Também se pode empoderar grupos historicamente marginalizados, incentivando à participação ativa, destacando a importância de suas vozes na construção cultural e intelectual e promover o enriquecimento da literatura por meio de temas que são partes de um lugar de fala que só quem vivencia tem autoridade para falar”, afirma Lucilene.

Por – Ana Cavalcante

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