Duo sul-mato-grossense BLX une música eletrônica e raízes regionais em uma proposta autoral, madura e livre de clichês em novo EP

Foto: Charlene Bitencourt/Divulgação
Foto: Charlene Bitencourt/Divulgação

Assim como os sons transitam entre gêneros, batidas e ritmos, certos encontros humanos seguem esse mesmo compasso: vão, voltam e se reinventam. Foi nesse fluxo que o duo BLX, formado por André X e Leca Harper, também conhecido como Dark Blue, se reconectou. Amigos de longa data, retomaram a parceria após os silêncios e distâncias impostos pela pandemia. E desse reencontro, brotou o desejo de criar uma música eletrônica com identidade própria, uma sonoridade enraizada na cultura de Mato Grosso do Sul, mas livre dos lugares-comuns.

Neste domingo, 29 de junho, o BLX lança oficialmente seu novo EP, Electrosounds, nas principais plataformas digitais, como Spotify, Deezer e Amazon Music. Mais do que um conjunto de faixas para as pistas, o trabalho se apresenta como uma experiência sensorial e quase ritualística. Composto por quatro músicas, Águas do Pantanal, Terrário, Fogo e Desejo e Pôr do Sol, o EP propõe um mergulho sonoro nas paisagens físicas, afetivas e simbólicas do Mato Grosso do Sul.

Para dar vida a essa paisagem musical, o duo convocou artistas que são verdadeiros guardiões dos saberes sonoros da região. Adilson “Big” Fernandes sopra o berrante como quem invoca o tempo; Ossuna Braza dedilha a harpa com a delicadeza de quem conhece o silêncio entre as notas; Renã Nonnato transforma sua gaita em vento da fronteira; e Sérgio Dorneles borda melodias com os dedos na viola. Kinho Guedes, no contrabaixo, ancora tudo com densidade e precisão, criando uma base firme para que passado e futuro dancem juntos.

Antes mesmo do lançamento oficial, Electrosounds começou a ganhar o mundo em forma de partilha: o duo apresentou um set autoral com suas novas músicas em escolas de Campo Grande, levando arte, identidade e experimentação para dentro da sala de aula onde o futuro também aprende a ouvir.

Processo Criativo

Em entrevista ao Jornal O Estado, Leca Harper destacou que o processo criativo do EP Electrosounds foi marcado por liberdade e colaboração.Segundo ela, o duo atuou como uma espécie de bússola estética, guiando a intenção e o clima musical de cada faixa, mas deixando os convidados livres para experimentar.

“Trabalhar com músicos do nível que tivemos neste projeto permitiu que cada um trouxesse sua própria leitura das faixas, o que resultou em arranjos fluidos e cheios de entrega. A partir de múltiplos takes, escolhemos o que melhor se conectava com a proposta. O resultado é um trabalho que carrega não só o nosso coração, mas também a alma de cada participante”, conta.

Já André X, durante o processo de criação do EP, chamou atenção para a escassez de produções de música eletrônica com identidade regional em Mato Grosso do Sul. A partir dessa inquietação, ele e Leca iniciaram um processo criativo baseado em temas cotidianos e símbolos do território sul-mato-grossense.

“Raramente encontro algo que traduza nossas raízes sonoras. Fizemos um brainstorm com palavras e imagens que nos representam: o pôr do sol, as águas do Pantanal, o fogo das queimadas, a fauna. Daí nasceram as faixas do EP. Em ‘Terrário’ falei para Leca que a gente tinha que colocar um berrante em alguma faixa. É um som tão nosso, e eu nunca vi ser usado na música eletrônica. Ver isso se concretizar foi muito especial”, explica.

Traduzindo tradições

Leca explica que lançar o Electrosounds é mais do que apresentar novas faixas é afirmar uma trajetória autoral atravessada por identidade, amadurecimento e autoaceitação. Segundo ela, o EP marca uma nova fase, em que se permite cantar, compor e transformar ideias e ideais em música.

“A pandemia me mostrou que trabalhar minhas verdades é questão de sanidade.Esse trabalho é reflexo de uma mulher parda, artista, que se moldou e segue se moldando em Campo Grande. É minha visão crítica do mundo traduzida em loops, grooves e letras. É um marco no meu processo de autodescoberta, e isso imprime a identidade do BLX”, revela.

Os títulos das faixas do EP Electrosounds carregam significados profundos e evocam elementos simbólicos da região. Já Fogo e Desejo aborda a ambiguidade entre beleza e destruição, uma referência direta às queimadas que assolam o bioma.

“É tão abundante que às vezes esquecemos o quanto é valiosa. Na minha infância, passei muito tempo no Pantanal, as cheias sempre me pareceram uma espécie de limpeza espiritual da terra. É como algo belo e sagrado sendo consumido ano após ano. Buscamos traduzir isso em som com intensidade, paixão e um senso de urgência”, afirma André.

 

Sonoridade única

Leca também vê no Electrosounds um reflexo direto de seu momento artístico e da forma como enxerga o papel da música hoje. Para ela, a arte sonora pode — e deve — oferecer leveza, mesmo quando atravessa temas delicados.

“Gosto de pensar que a música desenha pequenas paisagens na mente, cenas do cotidiano que nos transportam para estados emocionais diversos.A vida já nos dá motivos suficientes para desânimo. Minha missão com a música é suavizar o trato das emoções, dar cor às experiências e expressar minhas verdades com simplicidade e afeto. A arte pode ser leve para quem a recebe”, destaca Leca.

Sobre o equilíbrio entre tradição e vanguarda, André X destacou que a intenção desde o início foi evitar os estereótipos comuns em produções que buscam “representar” o regional.

“Quando produzo, a primeira coisa que observo é não cair em clichês. Música autoral é expressão artística, não reprodução de fórmulas.Eles devolveram essas bases com performances únicas, e a partir disso moldamos as faixas com elementos que dialogam tanto com a identidade sul-mato-grossense quanto com a linguagem da música eletrônica. Buscamos uma sinergia real, não uma colagem forçada”, afirma André.

Para André X, o EP Electrosounds representa uma volta ao ciclo da carreira, mesclando continuidade e reinvenção. “O BLX eleva minha produção, mas traz referências nostálgicas do passado, como em Terrário, que carrega um feeling electro dos anos 2000”, explicou. Leca complementa: “Nosso reencontro pós-pandemia reflete a maturidade conquistada. O BLX é um som mais vivido, que valoriza nosso lugar,,Campo Grande e Mato Grosso do Sul e expressa uma visão crítica e afetiva do mundo.” Juntos, eles criam uma música eletrônica que transcende a pista, para ser ouvida e sentida em qualquer cenário.

Serviço: O EP “Electrosounds” estará disponível neste domingo (29) nas principais plataformas digitais, como Spotify, Deezer e Amazon Music.

Por Amanda Ferreira

 

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