Após passar por outras capitais como Manaus e Belém, peça chega a Campo Grande de forma gratuita
O projeto “Escambo: Rede Parente” chega à sua última apresentação em Campo Grande neste sábado (23) e domingo (24), após um mês de espetáculos e oficinas. Para encerrar a temporada na cidade, o ator Alberto Silva Neto, do Grupo Usina (Belém), apresenta o solo ‘MOMO – Um Ato Poético para Testemunhas’, às 20h, no Espaço Fulano di Tal. Depois, o projeto segue para a sua próxima etapa em São Paulo.
A peça é uma mistura de teatro, confissão e poesia, com um mergulho nas camadas da ancestralidade masculina, da memória familiar e do corpo-em-palavra. Ela evoca o riso e a dor de um ‘bobo da corte’, que diverte, mas também expõe verdades. A dramaturgia tem origem em documentos pessoais e cartas trocadas na década de 1960 entre o pai, Eduardo, e o avô, Alberto – do qual o ator herdou o nome.
Sem muitos elementos cênicos, o espetáculo do Grupo Usina, de Belém (PA), se apresenta como um depoimento sincero, feito de carne, silêncio e palavra. “O que me levou a ‘Momo’ foi um momento da vida no qual se tornou inescapável para mim tornar público esse relato íntimo, a partir das minhas relações familiares, sobretudo com meu pai, na perspectiva de uma ausência presente. E isso toca inevitavelmente numa ancestralidade masculina, que acabou se tornando material de construção dramatúrgica”, explica Alberto Silva Neto.
A trajetória do espetáculo também está entrelaçada com o próprio Projeto Escambo: Rede Parente, idealizado pelo Grupo Cisco (SP), que reúne artistas do Norte, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, numa rede de criação e circulação teatral que sai do tradicional eixo Rio-São Paulo.
“Momo foi criado em 2023, é uma criação bastante recente. A primeira fase foram atos poéticos para testemunhas em pequenos grupos, a partir de um trabalho que fiz com Wlad Lima, grande amiga e artista de Belém, que trabalha com as Clínicas do Sensível. Desde o início, Momo nunca foi ensaiado. Era sempre um ato diante de testemunhas. Quando percebi o quanto isso tocava o íntimo das pessoas, compreendi o potencial do espetáculo. Foi isso que despertou o interesse do Edgar Castro, amigo de longa data, em nos incluir no circuito do Escambo”, relata Alberto.
“Um aspecto importante é que ‘MOMO’ é uma criação do norte do Brasil, de um teatro amazônico que não se encaixa no exótico. Cria-se a possibilidade de contato com uma obra que sai do enquadramento regionalista”, complementa.

Foto: Octavio Cardoso
Debates
A peça é atravessada por ecos de autores como Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Nietzsche e Antonin Artaud – este último, inclusive, inspirou o título da obra: “Momo” era o apelido de Artaud na infância, em Marselha (França). É, também, uma metáfora para a figura ridicularizada por dizer o que muitos não ousam.
Segundo o ator, o espetáculo provoca o público a repensar o que se entende por masculinidade e paternidade. “É significativo que o ‘Momo’ traga esse debate sobre uma ancestralidade masculina dentro de uma sociedade patriarcal, machista e misógina. É revelador para mim perceber o que assimilei nesse percurso e também aquilo que me fez insurgir, criticar, e a partir disso tentar reconstruir valores e atitudes éticas como homem”.
Aprendizado
Além das apresentações, a passagem do Grupo Usina por Campo Grande inclui ações formativas gratuitas, realizadas também no Espaço Fulano di Tal. No sábado (24), das 9h às 12h, ocorre a oficina “A Carne da Palavra”. Já no domingo (25), das 10h às 12h, acontece a mesa pública “Pachiculimba: uma encenação contra-hegemônica”. As vagas são limitadas.
“Participar do projeto Escambo está sendo uma experiência extraordinária, e talvez nem imaginávamos o quanto ela poderia nos transformar até começarmos as atividades”, afirma Alberto. “Costumo dizer, e reitero, que o projeto deveria ser um modelo de intercâmbio replicado pelo Brasil, porque coloca no mapa das artes cênicas geografias que muitas vezes são menos favorecidas ou mesmo invisibilizadas. Estar em Campo Grande, uma cidade que ainda não conheço, me deixa curioso e animado para mergulhar na cena local”.
O espetáculo encerra com potência a etapa sul-mato-grossense do Projeto Escambo: Rede Parente, que propõe conexões entre artistas do Norte, Sudeste e Centro-Oeste, a partir de uma perspectiva de parentesco, afeto e resistência criativa.
Projeto
‘Escambo: Rede Parente’ é uma realização da Cia Cisco (SP), idealizada por Edgar Castro e Donizeti Mazonas, com financiamento da Funarte, via Bolsa Myriam Muniz de Teatro.
“Somando as estradas percorridas pelos grupos, já ultrapassamos 10 mil quilômetros entre São Paulo, Belém, Manaus e Mato Grosso do Sul. Mas são as distâncias simbólicas que mais me tocam — essas, creio, são infinitas”, afirma Edgar Castro. “Até agora, realizamos 24 atividades em Belém e Manaus e já ultrapassamos mil pessoas de público. Mas sei que o impacto é muito maior: é o que ecoa depois, nos ensaios, nas salas de aula. Nosso alcance vai além do que a matemática fria pode medir”.
Conforme Castro, o termo ‘rede parente’ busca ativar as semelhanças entre si, mesmo com as diversidades, fortalecendo a colaboração e ampliação dos horizontes.
“O isolamento nos enfraquece. O pacote oferecido pelo mercado cultural é restritivo. Nesse sentido, nossa rede parente deseja ser a semente para a abertura de outras frentes de existência, e a participação propositiva dos coletivos que a formam torna-se um exercício de sociabilidade capaz de materializar alternativas de mundo”.
Serviço
O espetáculo ‘MOMO – Um Ato Poético para Testemunhas’ será realizado no sábado (24) e domingo (25), às 20h, no Espaço Fulano di Tal (Rua Rui Barbosa, 3099). A entrada é gratuita, mas é preciso reservar ingressos por meio do telefone 67 98129-7263. No sábado é realizada a oficina ‘A Carne da Palavra’, das 9h às 12h e no domingo a mesa pública ‘Pachiculimba, uma Encenação Contra-Hegemônica’, das 10h às 12h, também na sede do Fulano di Tal.
Por Carolina Rampi
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