Danças e restauração dos murais na aldeia urbana Marçal de Souza são apresentados pela comunidade

mural aldeia
Fotos: Ana Carolina Fonseca/Divulgação

A arte, por meio do grafite, da costura de trajes e oficinas de danças típicas, está sendo usada para valorizar a cultura indígena na aldeia urbana Marçal de Souza, em Campo Grande. Idealizado pela terena Fabriciane Malheiro, em uma roda de conversa com a coordenação do Memorial da Cultura Indígena Cacique Enir Terena, de Campo Grande, representada por Maria Auxiliadora Bezerra, o projeto “Kéxunakoa” está apresentando os resultados das oficinas de restauração do muro, confecção dos trajes e de danças típicas, que contou com a participação de grande parte da comunidade da aldeia.

Kéxunakoa significa “fortalecer a tradição”, e é essa a proposta do projeto. Para a terena Fabriciane, 39 anos, a iniciativa é uma forma de reavivar a memória ancestral entre crianças e jovens, por meio de costumes que precisam ser eternizados. “Envolver nossas crianças e jovens foi um dos desafios que encontramos, por isso, a importância de desenvolver práticas que sejam lúdicas e satisfatórias para ambos”, pontua. 

A pintura retratada em um dos muros da aldeia foi o rosto de Enir da Silva Bezerra, a primeira cacique mulher de uma aldeia indígena, de Mato Grosso do Sul, símbolo de referência para toda a comunidade. “Enir da Silva Bezerra foi mais que cacique, foi um exemplo de luta e empoderamento da mulher indígena”, explica a coordenadora do Memorial da Cultura Indígena. Conforme conta Maria Auxiliadora, o projeto “Kéxunakoa” fortalece as raízes culturais dos indígenas e, com a oficina das danças típicas, o principal feedback dado pelas participantes foi de que querem “fazer a dança terena, independente do local em que estejam”. 

“Foi muito gratificante ver, em cada olhar dos participantes, o aprendizado adquirido, ver a empolgação e a animação em cada um dos dias das oficinas realizadas”, resume Fabriciane, sobre os dias de oficinas de danças típicas, ministradas por ela. 

O artista de grafite, Caio Mendes, que ministrou a oficina de restauração dos murais, explicou a sensação de inspirar as crianças por meio da arte urbana. “Algumas tiveram esse contato pela primeira vez e outras já participaram de outros projetos realizados na comunidade. Faz parte do meu trabalho como artista passar o conhecimento e essas técnicas adiante, e fazer com que, nas próximas vezes, elas comecem a praticar esse trabalho artístico, dentro da comunidade.” 

Luta e exemplo 

Na comunidade há 23 anos, Fabriciane é exemplo de luta e persistência para a comunidade indígena. Ela chegou aos 17 anos, sozinha e sem perspectivas, ainda carregando o filho recém-nascido nos braços, trabalhou de doméstica por muito tempo e conciliava os estudos para conseguir ingressar em uma comunidade. 

Em 2010, por meio do Enem e do acesso ao sistema de cotas, ela foi aprovada no curso de Letras da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), dando início ao seu sonho. Formou-se em 2014, mas ainda assim se sentia desafiada. “No ano seguinte, ainda não tinha trabalhado como professora, pois demorei a perceber que eu poderia ter outra profissão, que não somente a de doméstica”, confessa. As ministrações de oficinas já estão na vida de Fabriciane desde 2016, quando ela começou a desenvolver oficinas interculturais nas escolas municipais da Capital. 

“Neste período que comprovei o quanto as crianças se interessavam pela minha cultura e o que faltava era só mais incentivo”, conta. Hoje, além de ministrar aulas de língua portuguesa, também é responsável por disseminar as danças típicas entre as crianças e jovens da sua comunidade.

Quem foi Enir Bezerra

Mãe de 7 filhos e avó de 11 netos, Enir da Silva Bezerra foi eleita a 1ª cacique mulher de Mato Grosso do Sul, em 2008, com 134 votos. Nascida no dia 8 de março de 1955, na aldeia Limão Verde, em Aquidauana, a cacique mudou-se para Campo Grande com cinco anos de idade e construiu família. Desde jovem, ela unia seu povo para reconstruir uma identidade, conquistar direitos e dignidade, e sempre “quebrou paradigmas” ao lutar pela comunidade indígena. Enir também usava o sobrenome da etnia que sempre a representou: terena. 

O Memorial da Cultura Indígena recebeu o nome de Enir em maio de 2018, por meio da lei 6006/18. Entre as conquistas da cacique destaca-se a luta pela educação de qualidade, a construção da escola na Aldeia Urbana Marçal de Souza e a oca, onde está instalado o Memorial da Cultura Indígena, no mesmo local. Enir Bezerra morreu em junho de 2016, aos 61 anos, devido a um problema de saúde.

Por Livia Bezerra  – Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul

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