Campão Preto promove representatividade no cinema

Foto: Leo Sale/Divulgação
Foto: Leo Sale/Divulgação

Projeto será laboratório experimental para jovens negros desenvolverem suas ideias de filmes e contarem suas histórias

 

Em um contexto onde o acesso ao cinema e ao audiovisual é limitado para muitos, surge um projeto pioneiro, liderado por Raylson Chaves, que busca transformar essa realidade. O Campão Preto, iniciativa que visa promover a representatividade e dar voz à comunidade negra, traz luaz a falta de diversidade no cenário cinematográfico local. O Campão Preto inaugura o 1° Laboratório de Roteiros de Curtas com o intuito de capacitar cineastas negros na arte da escrita cinematográfica para curtas-metragens. O objetivo principal é apoiar roteiristas na materialização de suas ideias e fomentar a produção cinematográfica de artistas negros em Campo Grande.

Jovens negros, com idades entre os 16 e os 30 anos e que residem em Campo Grande, terão a chance única de participar de uma oficina presencial, distribuída ao longo de dois dias, totalizando 12 horas de formação, incluindo um intervalo de uma hora para almoço. Neste período, os participantes serão iniciados nos conceitos elementares de elaboração de roteiros e envolvidos em atividades tanto individuais quanto coletivas, com o intuito de desenvolverem seus próprios projetos de filmes curtos.

O projeto cultural “Campão Preto” é uma iniciativa conjunta do Coletivo Aiê de Cinema Negro e da produtora ORUM Estúdio. Movido pelo profundo desejo de exercer o direito à própria narrativa, o projeto busca capacitar jovens negros residentes em Campo Grande. Seu financiamento provém da Lei Paulo Gustavo, através da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (SECTUR), em sua edição de 2023.

No Brasil, existe uma taxa de 20,7 milhões, pessoas que se declaram pretas em 2022. Um crescimento de 42,3%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em Grosso do Sul, o censo demográfico revelou que 9,1% da população no Centro-Oeste se declaram pretas. Em Mato Grosso do Sul, sendo constituída por 4,6% de pessoas negras.

No panorama brasileiro, a indústria audiovisual se destaca não só pela sua relevância cultural, mas também pelo impacto econômico considerável que exerce. Segundo uma pesquisa comissionada pela Netflix, cada R$10 milhões investidos diretamente no setor resultam em um retorno indireto de R$29 milhões para toda a cadeia produtiva. Adicionalmente, a criação de empregos é notável: a cada 100 vagas preenchidas na indústria, outras 54 posições são geradas em diferentes segmentos da economia.

Apesar dos indicadores promissores, o setor enfrenta desafios significativos em termos de representatividade. Levantamentos conduzidos pela Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (APAN) apontam para uma evidente sub-representação de diretores negros no cinema brasileiro. De acordo com a Carta do Audiovisual Negro às Candidaturas Antirracistas da APAN, menos de 3% dos diretores de longas-metragens registrados na ANCINE em 2016 eram negros, e nenhuma mulher negra estava incluída nesse grupo. Embora não haja dados oficiais sobre curtas-metragens em nível nacional, a Mostra de Cinema de Tiradentes revela que, entre 2019 e 2021, apenas cerca de 40% dos 613 curtas-metragens recebidos foram dirigidos por pessoas autodeclaradas negras.

Diante desses fatores, Raylson Chaves, idealizador do projeto, relatou que O Campão Preto não nasceu por acaso. Em 2021, com a promulgação da Lei Aldir Blanc, Chaves e seu coletivo vislumbraram uma oportunidade única para fomentar a produção audiovisual local. “Quando saiu a Lei Aldir Blanc, a gente viu essa oportunidade de que a gente pode fazer e deve fazer, e contar as nossas histórias”, explicou Chaves.

O cineasta compartilha sua visão e os objetivos do Campão Preto, visando a produção dessas obras para pessoas pretas, haja vista que o audiovisual é uma realidade muito distante para muitas pessoas. O acesso ao cinema na região de Campo Grande, sendo escasso, se construindo improvisadamente. “Costumamos dizer que o audiovisual, em particular o cinema, é uma realidade muito distante para muitas pessoas. Fazer cinema requer investimento, e é preciso muito dinheiro para produzi-lo. Quando pensamos na representatividade no audiovisual, especialmente em nosso contexto, é importante dar voz às pessoas negras e contar suas próprias histórias”, afirmou Chaves.

Atividades diversas

As atividades do Campão Preto serão diversas, abordando desde técnicas de escrita de roteiro até a formatação para editais públicos. “Vamos focar em mostrar para as pessoas que estão começando as ferramentas que elas podem usar e também para aquela galera que já está há um tempo no exercício prático de roteiro”, disse Chaves sobre o programa de formação.

Foto: Leo Sale

O projeto tem em vista capacitar e formar novos talentos no campo do roteiro cinematográfico. O cineasta Raylson Chaves, afirma que o laboratório é uma oportunidade de retratar as vivências e dilemas que enfrentam os jovens negros sul-mato-grossenses. “É importante questionar quem está contando as histórias e por que algumas vozes são marginalizadas. Queremos garantir que as histórias das pessoas negras sejam contadas por elas mesmas e cheguem ao público”, ressaltou Chaves.

A seleção para participar do projeto será baseada em critérios específicos, principalmente nas cartas de interesse ou motivação dos candidatos. “Queremos conhecer melhor cada pessoa, entender quem elas são e como nosso curso pode ajudá-las em suas carreiras ou na realização de seus sonhos e ideias de roteiro”, explicou Chaves.

No laboratório de roteiro, serão apresentados profissionais amplamente reconhecidos no cenário audiovisual. Dentre eles, destaca-se Francine Barbosa, renomada roteirista que deixou sua marca em produções seriadas de destaque, tais como “A Revolta dos Malês” (SescTV), “Irmandade” (Netflix), “As Five” (Globoplay) e “Sentença” (Prime Video). Sua contribuição como roteirista em “Shine Your Eyes/Cidade Pássaro”, dirigido por Matias Mariani, evidencia seu comprometimento com narrativas autênticas e impactantes.

Para Francine, a realização do projeto em uma região fora do eixo Rio-Sudeste é de significativa importância. Segundo ela, “a maioria das formações em roteiro estão concentradas no Sudeste. Então são importantes iniciativas como a do Campão Preto, na qual jovens realizadores em início de carreira podem, de forma gratuita, aperfeiçoar seus conhecimentos em roteiro e também começar a desenvolver seus primeiros projetos. Estou animada para os dias de Oficina, creio que a troca será muito rica entre os participantes.”

Foto – Divulgação

Outra figura proeminente no laboratório é Maíra Oliveira. Reconhecida como roteirista, diretora e educadora, Maíra acumula em seu portfólio obras de destaque, como o premiado filme “Encruza” (que recebeu o prêmio de melhor filme no Festival Afronte!), “Um Ano Inesquecível”, “Primavera” e “Verão” (produções da Panorâmica/Amazon). Sua mais recente contribuição é a série “A Magia de Aruna”, disponível na plataforma Disney Plus. Com uma vasta bagagem em projetos para diversas plataformas, como Prime Video, Netflix, HBO e Paramount, além de sua experiência anterior como presidente da Associação Brasileira de Autores Roteiristas (ABRA) e como conselheira da Associação dos Profissionais Negros do Audiovisual (APAN), Maíra assumirá o papel de mentora dos participantes, oferecendo suporte próximo e acompanhando de perto o desenvolvimento dos trabalhos durante a oficina.

Além disso, o projeto conta com o apoio de profissionais, como Kaique Andrade, videomaker e fotógrafo, responsável pela captação de imagens. “Dentro do projeto, eu sou responsável pelas captações de imagens, ou seja, vou ficar responsável pelas mídias sociais criadas, fotos e vídeos para mostrar tudo que vai acontecer durante o projeto”, disse Andrade sobre seu papel.

Kaique afirma que projetos como esse, dão visibilidade para a comunidade negra, a qual acaba tendo suas histórias contadas por pessoas não pretas. “A maior parte dos roteiros são criados por pessoas brancas e contam histórias de pessoas pretas. E a partir desse projeto nós, pessoas pretas, podemos contar nossas próprias narrativas”, destacou Andrade sobre a importância do projeto. “A representatividade é essencial porque, até então, muitas narrativas sobre a população negra e indígena foram contadas por pessoas de fora dessas comunidades. As histórias foram ouvidas e reinterpretadas por outras pessoas, muitas vezes distorcidas ou estereotipadas. O Campão Preto está mudando isso, dando voz aos roteiristas e à comunidade preta de Campo Grande e do Mato Grosso do Sul, que geralmente enfrentam baixos investimentos em audiovisual”, complementa Chaves.

A fase inicial do projeto está agendada para os dias 20 e 21 de Abril, a ser realizada no campus do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), com o apoio fundamental da Coordenação de Inclusão e Diversidade (COIDI – IFMS), do Núcleo de Produção Digital (NPD – IFMS) e do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI – IFMS). Além de enfocar o aprimoramento das habilidades de redação de roteiro entre jovens negros, essa etapa busca ativamente fomentar a inclusão, a representatividade e a valorização das narrativas e vivências da comunidade negra local. Das 12 vagas disponíveis, todas serão reservadas para pessoas pretas e pardas, com 3 delas designadas especificamente para estudantes do IFMS.

O programa incentiva os participantes a explorarem suas vivências, a reimaginar e redesenhar narrativas que frequentemente são contadas sem a representação adequada de suas experiências. Propõe-se, assim, um convite para contar histórias sob a perspectiva de sujeitos negros em Mato Grosso do Sul. O Laboratório proporciona um ambiente seguro para o compartilhamento de ideias, discussões e reflexões sobre nossas trajetórias.

Foto: Reprodução

 

Por Amanda Ferreira

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