Evento celebra tradições folclóricas e religiosas da fronteira entre Brasil e Paraguai
“O Toro Candil é um fogo que não cessa, ele simboliza a nossa resistência”. Essas são as palavras da diretora e produtora cultural Mara Silvestre, responsável por resgatar a cultura fronteiriça ao realizar o Festival do Toro Candil. Neste ano, o evento chega a sua quarta edição nos dias 7 e 8 de dezembro, na cidade de Porto Murtinho, para celebrar as cores, danças e tradições locais.
A manifestação cultural do Toro Candil reúne a brincadeira feita com o boi (touro – em espanhol) feito de arame, pano e ossatura natural do animal, onde duas tochas são acopladas aos chifres do boi candeeiro (candil – em espanhol). Os participantes dessa brincadeira são os mascaritas, homens que usam máscaras para não serem reconhecidos, e realizam uma brincadeira com uma bola de pano embebida em óleo e em chamas, a pelota tatá, onde passam um para o outro, em uma espécie de futebol. Na madrugada do dia 7 para oito de dezembro, entra o Toro Candil, como o auge da festa, e se inicia uma tourada.
Conforme Mara Silvestre, as tradições paraguaias se mesclaram no Brasil oriundas da proximidade entre os dois países e devido às imigrações, que se destacaram após a Guerra do Paraguai, momento em que o país passou por grandes dificuldades econômicas devido à disputa.
“A Festa do Toro Candil é uma festa tradicional e única do município de Porto Murtinho, que faz divisa com o Paraguai e são irmãos por água, que se ladeiam por via fluvial, a qual é o Rio Paraguai. No pós-guerra, as famílias paraguaias, atravessavam para o Brasil por uma questão econômica, em busca de trabalho, estudo, já que o Paraguai, naquela época, foi de uma certa forma, devastado. E com essa vinda para o Brasil, os paraguaios também trouxeram suas crenças, festejos e tradições”, explica.
Uma das tradições transportadas é a fé em Nossa Senhora de Caacupê, padroeira do Paraguai e celebrada no dia 8 de dezembro. Essa fé é exaltada pelas Promesseras, que, devido a uma promessa a Santa, realizam andores que vão do teto ao chão na porta de suas casas, abrem suas salas para visitas no dia 8. Elas são as responsáveis por manter as tradições vivas, por preparar a comunidade para o festejo, e por passarem as comemorações a frente, já que inicialmente, o filho de uma promessera já era introduzido aos mascaritas desde muito novo.
“As senhoras promesseiras eram paraguaias que se transferiram para o Brasil e trouxeram sua fé. A Festa do Toro Candil é um evento junino, realizado na Espanha, Uruguai, Argentina e principalmente Paraguai, para celebrar os grãos. Então significa uma festa dedicada as boas colheitas, a fartura. A celebração utiliza do fogo, que simboliza a resistência. Era uma festa que unia toda a cidade, sem divisões entre classes sociais”, comenta Silvestre.
Nascida em Corumbá e com família em Porto Murtinho, Silvestre conta que a realização do Festival surge pela necessidade de reviver a cultura do Toro Candil. “Em 2015, para que o festejo não ficasse no esquecimento, criei como propriedade intelectual o Festival do Toro Candil, onde levo workshops, oficinas e rememoramos com as famílias tradicionais o festejo. Trouxe ele até a orla do Rio Paraguai para receber o touro que vem flamejante pelo rio, com os Mascaritas. A festa é um dia de muita alegria. A cultura nunca morre, só precisa ser revivida”, destaca.
Resgate audiovisual
A idealização do Festival de Rua do Toro Candil surgiu a partir de pesquisas feitas por Mara Silvestre para documentários sobre o tema. Ela conseguiu alinhar no vídeo uma criativa série de registros, com espetáculos teatralizados de resgate da memória cultural de uma hospitaleira região fronteiriça.
“Sou de Corumbá e de Porto Murtinho, cidades fronteiriças, nas quais o Rio Paraguai não é marco de separação, mas de união”, afirma. “A festa é uma soma de realidades civilizatórias assinaladas por culturas de excepcionais belezas e diversidades”, enfatiza.
A pesquisa rendeu os documentários ‘Las Promesseras’ e ‘Os Mascaritas e Pelota Tatá’. Haverá uma terceira parte, apenas sobre o Touro Candil, completando assim uma trilogia sobre a temática. “Esses são os personagens e atores culturais da festa. Esse é um festejo de 70 anos, e em 2015, quando realizamos o primeiro festival, a cultura se aflorou novamente”.
“O valor do documentário é crucial: ele serve para preservar e manter viva a memória da Festa do Toro Candil e das tradições culturais associadas. O objetivo é garantir que essas tradições não sejam esquecidas, pois, uma vez capturadas pela cinematografia, permanecem eternamente presentes.
O documentário transforma o passado em um legado contínuo, permitindo que as tradições sejam cultivadas e mantidas vivas. É um novo sopro de vida para essas práticas culturais, reafirmando que elas estão longe de acabar; pelo contrário, continuam a pulsar e a enriquecer a cultura local”, detalhou a roteirista.
Além de fortalecer a cultura latina e regional, estreitando mais os laços entre Brasil e Paraguai, o festival é um motivo irresistível para fomentar a economia, especialmente no âmbito do turismo e da economia criativa.
Neste mês de novembro, quando se celebra o Mês Nacional da Cultura e da Ciência, o festival ganha ainda mais relevância ao destacar as manifestações culturais e a convivência entre Brasil e Paraguai.
Recepção
Já em sua quarta edição, Silvestre relata como a população recebeu o festival nos anos anteriores. “É uma energia circular, a população recebe a festa muito bem, por isso o festival chegou em sua quarta edição. É saudosismos, a população tem saudade, todos ficam na orla esperando o toro chegar, fazem seus andores, vão às casas das promesseiras aqueceu completamente a cidade”.
Em dezembro do ano passado, a Festa do Touro Candil foi declarada como patrimonio imaterial e cultural de Mato Grosso do Sul. “O reconhecimento da festa popular do Toro Candil como patrimônio imaterial e cultural do Estado consiste na valorização desta importante prática cultural do povo murtinhense, que ocorre em sinergia com o povo paraguaio, fortalecendo a identidade e os laços sociais e culturais históricos entre os povos irmãos da fronteira sul-mato-grossense com o Paraguai”, justificou o deputado Zeca do PT, autor da normativa.
A lenda
O touro Candil nasceu no Paraguai, onde seu dono, senhor Cáceres, o utilizava nas tarefas diárias do campo, além de castigá-lo e deixá-lo passar fome, frio e sede. Fugindo dos maus tratos, ele atravessou o Rio até o Brasil, onde conheceu a novilha Estrela, na Fazenda Fronteira, que, segundo moradores, era a mais bela novilha da fronteira.
Em uma noite de tempestade, Estrela debandou mata adentro, sendo resgatada por Candil. Semanas se passaram e Estrela pariu um lindo bezerro, batizado pela Sinhazinha da fazenda como Bandido.
Anos depois, Bandido demonstrou sua bravura ao salvar Diego, filho de Sinhazinha, de uma cobra sucuri à beira do rio Paraguai. Após uma luta dramática, Bandido foi salvo por um ritual de promessas e pajés que evocaram Nossa Senhora de Caacupê, considerada a responsável pelo milagre.
Assim, nasceu a festa em Porto Murtinho que é um misto de religiosidade e folclore que envolve a Lenda do Touro Candil.
Por Por Carolina Rampi
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