‘Caído do Céu’ narra a luta de um indígena Terena para a preservação das tradições do seu povo
Durante seis dias, a comunidade Aldeia Urbana Água Bonita, em Campo Grande, será cenário para as gravações do curta-metragem ‘Caído do Céu’. O projeto foi idealizado pelo indígena Terena, Anderson Terena, produzido por Bianca Machado e direção de Dannon Lacerda, e narra a luta de Ailton, jovem Terena, para preservar as tradições do seu povo em uma aldeia urbana na Capital de Mato Grosso do Sul. As filmagens começaram na última quinta-feira (11), e devem continuar até a terça-feira (16).
Anderson Terena, que protagoniza o curta e que ajudou a construir o roteiro por meio de relatos e experiencias pessoas, descreve Ailton como um jovem que se preocupara com a cultura ancestral da sua comunidade e com a ameça da especulação imobiliária.
“Ele percebe que os indígenas da sua aldeia estão deixando de lado os trajes, danças, rituais de pajelança e comidas típicas, além da questão religiosa, pela intolerância de alguns com os costumes, danças e grafismos dos povos indígenas, dizendo que isso não provém de Deus”.
Além de Anderson, todo o elenco é indígena, com diversos atores das aldeias Água Bonita, Tarsila do Amaral e Marçal de Souza, de Campo Grande, além de um ator de uma aldeia de Dois Irmãos do Buriti.
“Conseguimos reunir a melhor equipe possível com um elenco incrível e inédito para uma produção sul-mato-grossense. É um filme que surge em um momento de retomada da minha identidade e resgate da minha ancestralidade. Coincidentemente, conversando com a Sônia, moradora da aldeia urbana e tia do Anderson, percebi que poderia contribuir para contar essa história”, detalha, Dannon Lacerda, diretor de Caído do Céu.
Nascimento
Em entrevista ao jornal O Estado, Dannon Lacerda contou que a ideia para o curta começou com o próprio Anderson, com a sua história de lutas como líder da aldeia. “Quando ele me contou toda a luta dele, fui entendendo melhor as complexidades deste lugar. As questões de tradições e preservação da cultura ancestral é um desafio, porque eles não vivem isolados, trabalham na cidade, interagem com a sociedade, e acho que o grande desafio era entender como eles tem lutado para essa preservação e quais os desafios que eles têm nesse sentido”, explicou.
“Essa luta é contínua, então, é entender quais as ferramentas cada liderança e aldeia utilizam para manter essas tradições e cultura. Caído do Céu é um recorte ficcional inspirado na história do Anderson, através do personagem Ailton, buscando uma reflexão sobre o contexto dos povos indígenas que vivem em comunidades urbanas”, reforçou.
Entretanto, para o diretor, ao longo da produção do roteiro, ele percebeu que o curta não estava se direcionando apenas para a questão da luta da preservação cultural. “Hoje, o filme tem também o questionamento sobre a questão da regularização dos territórios tradicionais. O que a gente precisa entender é que os indígenas que migraram para a cidade, em busca de emprego e melhores condições de vida, ficaram espalhados, e não tiveram força, sendo alvos de preconceito. As aldeias nasceram dessa necessidade de terem mais força nas suas lutas, e de se protegerem também. Ao longo do tempo, essas áreas não foram legitimadas, e é muito grave, é preciso que elas sejam reconhecidas como aldeias urbanas. Esse foi um assunto que surgiu durante o processo de trabalho com o Anderson”.
Processo
Com uma parceria com Dannon de trabalhos anteriores, a produtora Bianca Machado relatou ao jornal O Estado que o processo de produção na aldeia é um dos mais diferenciados que já realizou.
“Estou amando fazer esse trabalho, porque produzir em uma aldeia indígena é completamente diferente de tudo o que a gente conhece. O acolhimento da comunidade é outra coisa”, relembrou,
Para ela, a mensagem do filme é a possibilidade dos espectadores desenvolverem um olhar, principalmente crítico, ao que está ao ser redor.
“Acho que a grande mensagem de um filme como esse é o olhar: olhar para dentro da sua cidade, olhar para fora, as pessoas que estão dentro e fora, olhar o próximo mesmo. Você estar dentro de Campo Grande e não saber que há uma aldeia urbana é muito mais comum do que se parece. A mensagem é para as pessoas conhecerem esse lugar, essa comunidade, o que tem no entorno dela, e o que acontece com essa comunidade indígena dentro da cidade. Estou muito tocada de estar nesse lugar, com a receptividade dessas pessoas, e acho que isso vai ficar impresso no filme”.
A possibilidade de lançar considerações sobre os temas do curta, é reforçado pelo diretor. “Eu penso que o cinema, assim como a arte, tem o compromisso de lançar reflexões sobre o mundo em que a gente vive. Não tem que dar respostas, mas sim lançar perguntas, para que as pessoas passem a pensar no assunto, que às vezes são invisibilizados por outras pautas. Se conseguir com esse filme que as pessoas reflitam sobre a situação das aldeias urbanas e se juntem a elas na luta pelos seus direitos, certamente estarei cumprindo a função mais nobre da arte, como diria Brecht, que é de acordar as pessoas”, finaliza Dannon, diretor e produtor de sete curtas e um longa-metragem, selecionados e premiados em diversos festivais no Brasil e no exterior.
Por Carolina Rampi
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