Desde a Declaração de Assunção de 2015, a construção de uma conexão viária entre os oceanos Atlântico e Pacífico foi anunciada como uma das prioridades do Mercosul para os anos seguintes. Dez anos depois, este Corredor Bioceânico, também conhecido como Rota Bioceânica, vem sendo implementado a partir de diversos projetos e obras de infraestrutura, entre as quais se destaca a construção da Ponte Bioceânica sobre o Rio Paraguai, conectando as cidades de Porto Murtinho (MS) e Carmelo Peralta (Paraguai).
Mais do que uma integração física entre dois municípios de Estados distintos, a iniciativa representa uma conexão viária entre o Porto de Santos e os portos chilenos, com destaque para o Porto de Iquique. Do ponto de vista econômico, a principal expectativa é de que o acesso aos portos chilenos representaria uma redução de distância, tempo e custos logísticos para as exportações de “commodities” para a China, principal mercado consumidor, fomentando o agronegócio e a cadeia produtiva de grãos do Mato Grosso do Sul, do Chaco Paraguaio e do norte argentino.
Para além de seu viés agroexportador, a Rota também pode ser aproveitada para fomentar o desenvolvimento econômico e territorial, através da geração de emprego e renda, dessa região conhecida como “Mercosul Periférico”. Longe dos grandes centros políticos e econômicos – como Brasília, São Paulo, Buenos Aires e Assunção – o Mato Grosso do Sul, o Chaco paraguaio e as províncias do norte argentino possuem tradicionalmente pouquíssimo poder de influência sobre os rumos do processo de integração regional no Mercosul. Essa “exclusão” é reforçada pelo caráter intergovernamental do bloco, cujas decisões são concentradas nos poderes executivos dos governos nacionais. Além dos objetivos econômicos e logísticos pretendidos pela Rota, o projeto pode impulsionar o desenvolvimento de áreas desfavorecidas durante os processos de integração regional e fortalecer a coordenação política no centro-oeste da América do Sul.
Todavia, iniciativas como o Foro dos Territórios Subnacionais do Corredor Bioceânico de Capricórnio, atualmente em sua sétima edição, vêm se consolidando como espaços institucionais para a discussão de projetos de integração e desenvolvimento regional com base nos interesses locais dessas regiões mais diretamente afetadas pela construção da Rota Bioceânica.
Através da criação de Comissões Temáticas – Educação, Comércio, Logística, Participação Cidadã, Saúde e Sustentabilidade, Municípios, Turismo e Cultura – e da possibilidade de financiamento de projetos por instituições financeiras como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul), observa-se um aumento significativo da participação dos governos locais na busca pelo aprofundamento da integração fronteiriça.
Inclusive, na última Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, ocorrida em julho de 2025 em Buenos Aires, foram anunciados a aprovação de três projetos propostos por municípios fronteiriços do MS, que serão financiados pelo FOCEM: Projeto de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira em Ponta Porã-MS; Contorno Viário do Município de Amambai-MS e Programa de Redução nos Níveis de Perda de Água em Corumbá-MS.
Nesse sentido, destaca-se a realização de uma audiência pública da Comissão Temporária de Integração Fronteiriça do Parlamento do Mercosul (Parlasul), nas cidades gêmeas de Ponta-Porã/Pedro Juan Caballero, em outubro de 2025. O evento trouxe a discussão sobre a integração regional para a fronteira, entendida como um laboratório para soluções conjuntas de problemas sociais compartilhados, além de mobilizar o centro do poder político para as dinâmicas fronteiriças. A vinda do Parlasul para a fronteira fortalece também o Parlamento Intermunicipal Internacional (Parlim), criado em 1999 para fomentar a integração entre Ponta-Porã/Pedro Juan. Apesar de momentos de maior destaque, o Parlim segue como uma iniciativa paradiplomática (que articula politicamente os governos subnacionais de diferentes países) que carece de maior continuidade e relevância na vida decisória da fronteira.
Apesar de tais pioneiras iniciativas, pensar rotas de integração física para nossa região implica em tornar as decisões mais próximas das coletividades por elas afetadas. Nesse sentido, são necessários espaços permanentes de interlocução entre o governo e a sociedade civil para garantir legitimidade democrática às ações de integração regional. A Universidade segue atenta, propositiva e participativa em tais fóruns e iniciativas para garantir que o conhecimento seja aplicado para o desenvolvimento sustentável, humano e atento às demandas e necessidades dos cidadãos.
Dr. Arthur Banzatto, Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD. E-mail: [email protected]
Dra. Déborah Monte – Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD. E-mail: [email protected]
Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.
Confira as redes sociais do Estado Online no Facebook e Instagram
Leia mais