A semana reúne honrarias a lideranças negras e audiência pública sobre ampliação das cotas para populações negras, indígenas e quilombolas em Mato Grosso do Sul
A semana da Consciência Negra na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul tem sido marcada por celebração, reconhecimento e, sobretudo, por debates sobre políticas de reparação e inclusão. Depois de uma intensa sessão de homenagens na noite de terça-feira (18), o plenário Júlio Maia voltou a ser ocupado, na quarta-feira (19), para a audiência pública que discute avanços e desafios das ações afirmativas voltadas às populações negras, indígenas e quilombolas. As duas agendas, conduzidas pela deputada Gleice Jane (PT), reforçam o compromisso político da Casa com o enfrentamento ao racismo estrutural e com a construção de mecanismos concretos para ampliar direitos.
A audiência foi convocada no contexto da atualização da Lei 3.594/2008, que está em tramitação na Assembleia. A proposta amplia o alcance das cotas raciais nos concursos públicos estaduais. “A matéria destina 30% das vagas para pessoas negras, indígenas e quilombolas. É uma ampliação necessária, que moderniza nossa legislação e responde à realidade de exclusão que esses grupos ainda enfrentam”, explicou a deputada.
Ao Jornal O Estado, Gleice Jane destacou que a escuta pública é essencial para que o texto final reflita as necessidades reais das comunidades envolvidas. “Nada deve ser decidido sem diálogo. A participação das representações é fundamental para garantir que a lei seja efetiva.”
O debate ocorreu apenas um dia após o plenário receber 26 personalidades no Troféu do Mérito Legislativo Zumbi dos Palmares e Tia Eva, uma das mais simbólicas homenagens da ALEMS relacionadas ao combate ao racismo. A inclusão do nome de Tia Eva, figura histórica que fundou uma comunidade quilombola em Campo Grande à honraria, por iniciativa de Gleice Jane, reforça a conexão entre passado e presente. “É um evento que marca o primeiro ano em que o Dia da Consciência Negra é feriado nacional. Zumbi e Tia Eva representam luta, identidade e resistência. A escravidão deixou marcas profundas, e precisamos de negros e não negros na construção de uma sociedade antirracista”, afirmou.
A noite foi marcada por fortes depoimentos sobre dor, superação e identidade. Deumeires Morais, presidenta da Fetems (Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul), destacou que o reconhecimento fortalece trajetórias que historicamente precisaram romper barreiras sociais. Já o secretário-executivo de Direitos Humanos, Ben Hur Ferreira, relatou episódios de racismo vividos ainda durante sua formação acadêmica, lembrando que “um povo que resistiu quatro séculos de escravidão está aqui para contar história”.
Representantes do governo também apresentaram ações institucionais, como o Decreto 16.602, que criou o programa MS Sem Racismo, um plano de metas que orientará políticas de governança, educação e prevenção. Para o subsecretário Davidson de Deus Silva, o decreto inaugura um processo de regulamentação que alcança inclusive o funcionamento interno das instituições públicas: “É um instrumento para enfrentar o racismo em todas as esferas, inclusive dentro do próprio Estado”.
A fala em nome dos homenageados coube à professora e pesquisadora Cinthia Santos Diallo, que ressaltou a urgência de políticas estruturais. Para ela, avanços simbólicos devem caminhar ao lado de mecanismos que reduzam desigualdades históricas. “Desafiamos o racismo institucional diariamente, nos olhares de desprezo e na falta de oportunidades. Só nós não damos conta de transformar uma sociedade que ainda é estruturalmente racista. São necessários instrumentos que diminuam disparidades, garantam representatividade e preservem vidas negras”, disse, emocionada.
Para Gleice Jane, discutir políticas afirmativas no mesmo período de homenagear lideranças negras e quilombolas reforça o sentido do Dia da Consciência Negra e amplia o impacto das iniciativas. “É um momento para reconhecer as trajetórias, mas também para cobrar avanços. A luta por justiça social é dever do Estado e responsabilidade da sociedade como um todo.”
A semana da Consciência Negra transformou o plenário em espaço de memória, escuta social e atualização legislativa em torno da mesma causa, a igualdade racial. Leia mais na página A6.
Por Carol Chaves e Brunna Paula
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