Acesso à políticas públicas e melhor renda é uma das principais reivindicações
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025 mostra que em Mato Grosso do Sul os crimes de injúria racial e racismo tiveram queda nos dois últimos anos. De acordo com os dados, em 2023 foram registrados 485 crimes de injúria racial e, em 2024, a quantidade de registros deste crime foi 380, representando uma queda de 22,3%.
Os índices apresentados pelo Anuário ainda apontam que neste mesmo período a prática de racismo caiu 6,5%. Enquanto em 2023, foram registrados 208 crimes deste tipo, em 2024, a quantidade foi de 196 registros.
Para a professora Bartolina Ramalho Catanante, docente sênior da Profeduc da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), os números não refletem a realidade. De acordo com ela, a redução do racismo mostrada pelos números do Anuário ainda não é perceptível e o racismo ainda faz parte da vida das pessoas negras, tendo reflexos em diversas áreas, como pessoal, social, emocional e financeira.
“As pessoas negras ganham menos do que as pessoas brancas e isso é altamente prejudicial, porque as pessoas ainda ficam sem acesso à educação, à cultura, à moradia. É preciso que as pessoas negras tenham melhores condições financeiras, poeque o racismo também está presente nessa diferença”, disse.
A professora e presidente do Grupo Trabalho e Estudos Zumbi reforça que a situação das pessoas negras tende a mudar conforme forem aplicadas e ampliadas as políticas públicas afirmativas.
“Hoje a gente percebe que as políticas públicas específicas ou as políticas afirmativas conseguem dar uma guinada na vida da pessoa. Então, a gente precisa ainda de políticas públicas contundentes que visem a comunidade negra e que possam mudar a vida delas”, pontuou.
Para além de outras questões, o racismo ainda atinge de forma diferente diversos grupos, especialmente se levar em conta os recortes de classes sociais. Para Letícia Polidorio, vice-presidente da Associação das Mulheres das Favelas de MS, a discriminação em razão da cor da pele atinge sobremaneira quem vive nas periferias, locais onde, historicamente, se concentram as populações negras e pardas.
“O racismo cria um lugar de poder que não é acessado pelas pessoas da periferia. Ele perpetua um estado de poder nas desigualdades e quem vive nessa desigualdade sofre mais racismo, porque ele opera especialmente nas questões das classes sociais”, afirmou, reforçando que todas as pessoas negras sofrem racismo, embora isso esteja mais presente na vida das pessoas que moram nas favelas.
Quanto à redução nas taxas registradas, Polidorio afirma que essa queda está mais ligada ao fato das pessoas não denunciarem quando crimes assim acontecem do que à uma diminuição real.
“Eu acho que as pessoas deixaram de denunciar. Também tem a questão de até onde chegam essas denúncias. Será que todo mundo que sofre racismo denuncia? Então eu acho que é um equívoco falar que reduziu. Eu acho que as pessoas deixaram de ir nas delegacias fazer registro, porque são desacreditadas ou quem devia fazer o registro tanta remediar a situação”, disse.
Dia 20 de Novembro é para celebrar?
Romilda Pizani, coordenadora do Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro de MS, explica que o dia 20 de novembro — que marca a morte do líder Zumbi dos Palmares e virou feriado nacional em 2023 — é um dia para celebrar, mas sem se esquecer da luta diária contra o racismo. A militante do Movimento Negro, destaca que, apesar de ainda ter muito o que reivindicar, as pessoas negras precisam comemorar as conquistas realizadas até o momento.
“Se nós formos avaliar a nossa resistência, o nosso compromisso para com a pauta, nós temos muito o que comemorar. Mas nós também temos muito o que ainda reivindicar, porque nós entendemos que as políticas públicas precisam ser acessadas. Então essas duas referências, elas estão juntas: que seja uma luta, mas também que seja comemorativo.
Pizani ainda aponta que a transformação da data em um feriado nacional fez com que a data ganhasse mais visibilidade, porque, agora, as pessoas tendem a querer saber e entender porque dia 20 de novembro é feriado e, assim, tem a oportunidade de entender melhor a história e reivindicações do povo negro.
“Primeiro que ter esse dia reconhecido nacionalmente como sendo um dia tanto para refletir sobre as conquistas como também para refletir sobre o que precisamos avançar é importantíssimo. Esse dia não passa mais despercebido, é feriado da Consciência Negra e isso muda muita coisa, com certeza.”, destacou.
Ainda sobre ter um reconhecimento melhor da data pelas demais pessoas, a Professora Bartolina reforça que ter esse dia como feriado, reforça a importância das lutas por políticas afirmativas e pode fazer com que a sociedade repense sobre sua relação com o racismo e com as pessoas negras.
“Ao saber que é a morte de Zumbi dos Palmares, talvez as pessoas repensem um pouco sobre tudo isso. Acho que é um avanço muito significativo, porque, também, marca um mês de reflexão e a gente tem que celebrar os avanços que tivemos”, reforça.
Letícia Polidoro concorda com o avanço da pauta com o decreto de feriado para o dia 20 de Novembro. “É uma reparação histórica”, conclui.
Injúria em posto de combustível reacende debate na Capital
Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, mais um episódio de violência racial reacende o debate sobre o racismo estrutural em Campo Grande. Mesmo com avanços legais e campanhas de conscientização, casos de discriminação continuam a ocorrer em locais públicos e ambientes de trabalho – mostrando que, no Brasil, a cor da pele ainda determina como uma pessoa é tratada. Desta vez, um técnico de enfermagem foi agredido e alvo de injúria racial dentro de um posto de combustível da Capital, após uma tentativa frustrada de pagamento.
A injúria racial, equiparada ao crime de racismo desde a Lei nº 14.532/2023, é considerada prática grave e imprescritível. Em entrevista exclusiva ao Jornal O Estado, o técnico de enfermagem Ruan Carlos Pereira, de 27 anos, relembrou com calma os momentos de tensão vividos em 30 de outubro, quando foi alvo de injúria racial e agredido fisicamente durante o abastecimento de sua motocicleta em um posto localizado na Avenida Vitorio Zeolla, no bairro Carandá Bosque. O caso foi registrado na Depac-Centro (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) e motivou uma ação judicial por danos morais contra o estabelecimento e o frentista.
“Eu trabalho como técnico de enfermagem e atendo muitos pacientes, tanto nervosos quanto calmos. Por isso, aprendi que, na área da saúde, a serenidade é essencial. Mesmo em meio ao caos do hospital ou da clínica, a gente precisa manter o equilíbrio”, afirmou.
Ruan conta que naquele dia havia encerrado um plantão cansativo e decidiu abastecer a moto antes de buscar a esposa no trabalho. “Eu tinha trabalhado muito e estava realmente exausto. Quando cheguei ao posto e fui atendido de forma grosseira, ainda pedi para falar com o gerente, de maneira educada. Mesmo assim, acabei sendo agredido. Fiquei sem reação, sem chão. Nunca imaginei passar por uma situação dessas. Sou um homem de quase dois metros de altura e 120 quilos, e ainda assim fui agredido, humilhado. Foi algo muito inesperado”, relatou.
De acordo com o boletim de ocorrência nº 15919/2025, o episódio começou quando o pagamento de R$ 28,75 com o cartão Ticket Veloe, fornecido pela empresa onde Ruan trabalha, foi negado pela máquina. Ele explicou que sempre abastecia naquele mesmo local com o mesmo cartão e nunca havia enfrentado problema.
Ao insistir no uso do benefício, ouviu do atendente que “não havia ninguém responsável no posto” e, em seguida, uma ofensa de cunho racial: “Um negro desse tamanho falando manso, eu não falo assim não.”
“Quando ouvi aquilo, pedi calma, pedi respeito, só queria resolver. Mas ele perdeu completamente o controle. Bateu na bomba, gritou e ainda me mandou embora dizendo palavrões. Depois, me deu um tapa na nuca. Fiquei paralisado, sem acreditar no que tinha acontecido. Pensei: se eu reagisse, aquilo poderia virar uma confusão muito maior. Então preferi sair e manter a calma”, lembrou Ruan.
Ainda abalado, ele seguiu para buscar a esposa. “Quando contei o que tinha acontecido, ela ficou chocada. Disse que não acreditava, porque eu sou grande, forte, e mesmo assim não reagi. Eu respondi que não, que mantive a calma. No meu trabalho, todo mundo me deu parabéns por ter sido sereno. Muita gente disse que, no meu lugar, teria revidado. Mas eu sabia que isso só pioraria tudo”, contou.
No dia seguinte, 31 de outubro, Ruan retornou ao posto, quitou o valor do abastecimento com o mesmo cartão e pediu para conversar com o gerente. O responsável reconheceu o problema e pediu desculpas, mas negou o acesso às imagens das câmeras de segurança, sob o argumento de preservar a privacidade dos funcionários.
Na ação movida na Justiça, Ruan pede a condenação do estabelecimento por danos morais, com base na responsabilidade civil objetiva do empregador e no Código de Defesa do Consumidor. O processo também requer a preservação das gravações de segurança e a inversão do ônus da prova para que o posto apresente os registros do dia do ocorrido.
“Eu poderia ter perdido a cabeça ali, mas não fiz isso. Preferi procurar meus direitos. Fui atrás da Justiça, porque sei que reagir com violência não resolveria nada. No dia seguinte ainda voltei lá para pagar, e o próprio gerente me perguntou como eu não tinha feito nada, considerando meu tamanho e o da pessoa que me agrediu. Mas eu sempre acredito que agir com calma é o melhor caminho”, afirmou.
Após o registro da ocorrência, Ruan recebeu mensagens de um representante da empresa responsável pela rede de postos, que pediu desculpas em nome da companhia e afirmou que a situação “não reflete a conduta da empresa”. O interlocutor também ofereceu um encontro para um pedido de retratação pessoal, mas Ruan explicou que não poderia comparecer por estar em horário de trabalho.
“Eu só quero justiça. Não quero prejudicar ninguém, mas quero que o que aconteceu comigo sirva de exemplo. O que vivi ali não foi apenas desrespeito, foi humilhação. E, como homem negro e profissional da saúde, quero que as pessoas entendam que respeito não tem tamanho nem cor”, concluiu.
A reportagem entrou em contato com a administração do posto de combustível. A empresa informou que não tinha conhecimento do ocorrido e disse que retornaria posteriormente com esclarecimentos. Até o fechamento desta edição, não tivemos o retorno.
Abre e fecha
O feriado do dia 20 de novembro irá alterar o funcionamento de diversos serviços em Campo Grande. Entre repartições públicas, comércios e serviços essenciais, confira abaixo o que abre, fecha ou tem horário de atendimento alterado hoje.
As repartições estaduais, incluindo as secretarias e Governadoria, não terão expediente durante o dia. Além disso, o feriado do Dia do Servidor, antes previsto para outubro, foi transferido para sexta-feira (21), assim, os servidores estaduais retornam ao trabalho apenas na segunda-feira (24). As datas estão no calendário oficial publicado em janeiro.
A Assembleia Legislativa de MS também fecha as portas nesta quinta e retorna ao trabalho apenas na semana que vem, a partir de segunda.
Já os órgãos municipais fecham somente na quinta-feira e não haverá ponto facultativo na sexta-feira (21), conforme decreto publicado em fevereiro. No entanto, a Câmara Municipal retoma o expediente normal na segunda.
Ainda na esfera dos serviços públicos, as agências do INSS não funcionam no feriado e não haverá atendimento humano pelo telefone 135. O atendimento eletrônico segue disponível normalmente. Benefícios e serviços podem ser solicitados pelo aplicativo ou site do Meu INSS.
Por sua vez, o Hemosul Coordenador estará fechado na quinta e funciona das 7h às 12h na sexta e no sábado. O atendimento retorna ao horário normal na segunda.
Os Correios fecham apenas na quinta-feira. A Central de Atendimento segue disponível 24 horas pelos canais digitais, como site, telefone e chat. O atendimento com operadores retorna no dia útil seguinte.
O Detran-MS também não atenderá no feriado. O ponto facultativo foi estendido, e o atendimento presencial retorna apenas na segunda-feira (24). Pelas plataformas digitais, 95% dos serviços continuam disponíveis.
Não haverá expediente no Tribunal de Justiça, mas o plantão judiciário funcionará normalmente para casos urgentes, como habeas corpus, mandados de segurança e corpo de delito. Telefones dos plantonistas estão disponíveis no portal do TJMS.
O Bioparque Pantanal funciona no feriado das 8h30 às 14h30, com check-in até 13h30. A visita requer agendamento prévio no site oficial.
Sem expediente em feriados, os bancos não abrem na quinta-feira. Autoatendimento, internet banking e aplicativos funcionarão normalmente. Contas com vencimento na data podem ser pagas no próximo dia útil sem acréscimos.
Comércio, bares e shoppings
De acordo com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) e com a Amas (Associação Sul-mato-grossenses de Supermercados) bares, restaurantes e hiper e supermercados poderão funcionar normalmente.
O comércio na área central de Campo Grande também abrirá suas portas, no entanto, é preciso seguir as regras da convenção aprovada e observando os direitos trabalhistas que regem o trabalho no feriado.
Todos os shoppings estarão abertos para o público das 10h às 22h, com todas as atrações de compras, entretenimento e alimentação funcionando normalmente. O Pátio – Shopping do Centro abre suas portas das 7h às 12h.
Plantão
Delegacias, UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e CRSs (Centros Regionais de Saúde) estarão abertas em regime de plantão.
Por Ana Clara Julião e Suelen Morales
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