Durante o processo, os magistrados ficam afastados com subsídio integral, até a decisão final; Soncini Pimentel já é aposentado voluntário
Os desembargadores Sideni Soncini Pimentel (aposentado) e Marcos José de Brito Rodrigues, ambos do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), devem ser ouvidos até o fim deste ano em processos administrativos disciplinares instaurados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). As apurações tratam de suposto envolvimento dos magistrados em um esquema de venda de decisões judiciais, no qual negociações de cabeças de gado teriam servido para mascarar o recebimento de vantagens ilícitas.
O PAD (Processo Administrativo Disciplinar) no CNJ segue um rito dividido em quatro etapas: instauração, instrução, manifestação e julgamento. Após a aprovação do Plenário, o caso é distribuído a um conselheiro relator, que conduz a colheita de provas e depoimentos, etapa que deve incluir, até dezembro, as oitivas de Sideni Pimentel e Marcos Brito.
O prazo para conclusão do PAD é de 140 dias, podendo ser prorrogado, mediante justificativa, se a complexidade da instrução exigir mais tempo. Durante o andamento do processo, o magistrado pode permanecer afastado do cargo, com subsídio integral, até a decisão final.
Concluída a instrução, o Ministério Público e a defesa apresentam alegações finais, e o processo segue para julgamento público pelo Plenário do CNJ. As possíveis sanções incluem advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória ou até demissão.
A decisão de abrir os procedimentos foi tomada por unanimidade pelo plenário do CNJ, a partir do voto do ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça. Mesmo após a aposentadoria voluntária de Pimentel, o processo contra ele foi mantido. Ambos já haviam sido afastados do TJMS desde a Operação Última Ratio, deflagrada pela Polícia Federal em outubro do ano passado, que apura um esquema de corrupção ativa e passiva dentro do tribunal.
Em seu voto, Campbell apontou indícios de que Marcos Brito teria proferido decisões mediante recebimento de vantagem indevida e atuado no patrocínio de interesses de terceiros, valendo-se do cargo de ouvidor. Segundo o corregedor, o desembargador movimentava valores em espécie sem indícios bancários, realizava aquisições de gado e insumos agropecuários e efetuava pagamentos de arrendamentos em dinheiro vivo, o que levantou suspeitas de dissimulação de recursos ilícitos.
Em relação a Sideni Pimentel, a investigação indica operações de compra e venda de bovinos em circunstâncias duvidosas, com movimentações financeiras incompatíveis com a renda declarada. Há também menções à multiplicação do patrimônio dos filhos do magistrado e à interlocução com um advogado apontado como operador do esquema de comercialização de sentenças.
Cabeças de boi
Um dos pontos que entrelaçam as suspeitas de corrupção judicial é a venda de 102 cabeças de gado feita por Sideni Soncini Pimentel a Marcus Vinícius Machado Abreu da Silva e Ana Carolina Abreu, filhos do também desembargador Vladimir Abreu da Silva. A transação, realizada em 2018 e fracionada em cinco notas fiscais, foi registrada como um negócio rural legítimo, mas acabou citada no relatório da Polícia Federal como um possível disfarce para o pagamento de propina.
Segundo a investigação, Marcus Abreu atuou posteriormente como advogado, entre 2019 e 2020, em processos relatados ou julgados por Pimentel, o que levantou suspeitas sobre a natureza da transação pecuária.