No fim de julho, um grupo de criminosos levou 770 quilos de ouro de um terminal de cargas do aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos(SP). Os integrantes chegaram disfarçados de policias federais, ameaçaram os trabalhadores do terminal com armas e concluíram o assalto em dois minutos e meio.
Filmadas pelas câmeras de segurança, as cenas da carga empilhada numa camionete com emblema falso da Polícia Federal chamaram a atenção da opinião pública: ninguém imaginava que passava tanto ouro assim pelo principal aeroporto do país.
Na realidade, cargas como essa são cada vez mais comuns por lá, porque as exportações brasileira de ouro vêm batendo recorde, na esteira do aumento dos preços internacionais provocado pelo temor de que o mundo está à beira de uma recessão. Para proteger o patrimônio, as pessoas estão comprando e guardando o precioso metal.
Em 2018, o Brasil enviou 95 toneladas de ouro para o exterior – um crescimento de 150% em dez anos, conforme estatísticas do Ministério da Economia. Até julho deste ano, já foram exportados outras 51 toneladas.
O ouro brasileiro sai do aeroporto de Cumbica e segue para diferentes destinos, principalmente Canadá, Reino Unido, Suíça e Índia.
As exportações absorvem atualmente a maior parte da produção brasileira estimada em 971 toneladas.
Esse volume corresponde apenas à produção formal, feita a muitos metros de profundidade por empresas multinacionais especializadas, como a AngloGold Ashanti, que explora ouro no Brasil há 185 anos, ou a canadense Kinross.
Mas existe um mercado informal, não contabilizado, no qual o ouro é extraído manualmente pelos garimpeiros nas beiras dos rios ou em minas próximas à superfície.
A percepção no setor é que esse segmento também vem crescendo, estimulado pelas declarações favoráveis de Jair Bolsonaro (PSL).
O presidente já disse mais de uma vez que “tem o garimpo no sangue”, porque seu pai chegou a atuar como garimpeiro, e que pretende legalizar a atividade na Amazônia, criando “mini-Serras Peladas” – uma referência à região farta em ouro e garimpeiros que ficou famosa nos anos 1980.
O avanço do garimpo ilegal, particularmente em terras indígenas e reservas ambientais, colocou em alerta os órgãos de fiscalização e também as empresas produtoras de ouro.
“O Brasil deveria estimular o geólogo, e não o garimpeiro”, diz Wilson Brumer, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), ressaltando que a pesquisa em geologia recebe pouco investimento no país.
Esse renascimento da produção brasileira de ouro ocorre em um momento de preços favoráveis – os maiores patamares dos últimos seis anos. Na sexta-feira (16), o ouro fechou a US$ 1.513 por onça (medida tradicional desse metal), impulsionado pelas incertezas geradas pela guerra comercial entre China e Estados Unidos.
Conforme o World Gold Council (Conselho Mundial de Ouro), uma organização global voltada para o desenvolvimento do mercado de ouro, a demanda está batendo recorde no mundo, puxada pelo consumo de joias na Índia, pelas compras feitas por bancos e corretoras, para respaldar a venda de contratos lastreados em ouro, e, principalmente, pelas aquisições dos Bancos Centrais.
No primeiro semestre deste ano, os Bancos Centrais adquiriram 374,1 mil toneladas do metal – o maior aumento líquido das reservas globais de ouro dos últimos 19 anos.
Os temores de uma nova recessão mundial, provocada pela guerra comercial iniciada por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, levaram as autoridades monetárias a incrementar a compra de ouro a fim de garantir o valor de sua moeda.
Segundo os especialistas do setor, as empresas instaladas no Brasil vêm aproveitando as oportunidades geradas pelo mercado favorável, porque estão maturando agora os investimentos feitos no início da década. A extração de ouro, explicam, exige alta tecnologia, porque as minas são cada vez mais profundas.
Mas ainda existiria um longo caminho a percorrer. Em termos globais, o Brasil é um concorrente marginal. Segundo o World Gold Council, o país ocupa a 11ª posição no ranking de produção de ouro, muito atrás de países como China, Austrália, Rússia e Estados Unidos. (Folha de S. Paulo)