O imperativo de falarmos sobre a palestina

Ashjan Sadique Adi e Lucilene Soares da Costa Foto: reprodução
Ashjan Sadique Adi e Lucilene Soares da Costa Foto: reprodução

Mais de 700 dias se passaram sob cerco brutal de Israel à Faixa de Gaza, na Palestina. Até o momento, mais de 100 mil pessoas foram mortas, a maioria mulheres, crianças e idosos. Segundo o jornal israelense Haaretz, pelo menos 17 mil crianças, vítimas dos ataques aéreos, desabamentos, fome extrema e, mais recentemente, como tomamos conhecimento por meio de imagens difundidas mundo afora, foram assassinadas a tiros enquanto buscavam comida nos campos de distribuição de alimentos controlados pelas forças de “defesa” de Israel (IDF), que usam a comida como uma armadilha mortal. Em curto espaço de tempo, talvez demasiadamente longo para quem padece dos horrores de bombardeios sem trégua, a Faixa de Gaza passou de campo de refugiados a campo de concentração e, por fim, a campo de extermínio de seres humanos. Apesar de tudo, Gaza resiste, mesmo em face da indiferença dos governos, da grande mídia e dos organismos internacionais.

Diante da eclosão da barbárie em tal magnitude, é inevitável recolocarmos a pergunta: quais condições históricas, políticas e culturais permitiram que ela ocorresse? Como chegamos a tal ponto? A esta tarefa se propôs a pedagoga israelense Nurith Peled-Elhanan, que em sua tese, “Ideologia e propaganda na educação: a Palestina nos livros didáticos israelenses”, estudou como os livros do país preparam os jovens para entrar no exército e se tornarem “monstros” (palavras da própria pesquisadora). Uma das constatações a que chegou, após análise de um extenso corpus de obras pedagógicas, é a de que os palestinos nunca aparecem como sujeitos nos livros escolares israelenses, não há imagens de pessoas de origem palestina como criança, doutor ou professor.  São sempre representadas como ameaça, inimigo ou problema, a partir de uma construção discursiva da qual a imagem do “árabe terrorista” não está distante.

Ao lado do discurso pedagógico, o aparato político-legal tem atuado fortemente na disseminação do preconceito e da intolerância. Em 2018, o parlamento (Knesset) decidiu que Israel, que é composto por 20% de população árabe, é um estado exclusivamente judeu e com uma única língua nacional, o hebraico, ou seja, um estado teocrático, em que deve imperar uma religião específica. A chancela legal também possibilita que as manifestações mais improváveis se tornem corriqueiras, como relata a escritora Lina Meruane, que em viagem ao país deparou-se com pichações racistas e de ódio nos muros que diziam: “árabes para a câmera de gás”.

Diante desse cenário cotidiano de horror, tornaram-se frequentes os comentários, inclusive de pessoas sensíveis à causa Palestina, de que não há muito o que fazer, uma vez que o poderio militar do exército agressor e seus parceiros é demasiado forte.

“O que podemos fazer”? ecoa a escritora portuguesa Alexandra Pires Coelho, que atuou por anos como correspondente estrangeira na Faixa de Gaza e escreveu obras sobre a região. “O que podemos fazer?”, responde a autora, “continuar envergonhando nossos líderes”, “boicotar Israel”, “ler e escutar quem fala sobre a Palestina”.

A compreensão de que é preciso falar sobre a Palestina em todos os espaços possíveis, de sua história, cultura e resistência ao longo dos últimos 78 anos, moveu a realização do “Ato em Solidariedade ao Povo Palestino”, na UEMS de Campo Grande, em 2 de julho de 2025. Na ocasião, representantes da comunidade palestina em Mato Grosso do Sul, lideranças políticas, professores e alunos da Universidade manifestaram seu apoio incondicional à luta histórica dos palestinos pelo direito de existir e resistir em seu território. Compreendendo o papel político e epistemológico da Universidade no combate à desumanização dos sujeitos, os alunos encenaram a peça dramática “Poemas para a Palestina”, que confrontou o horror da guerra atual à prosperidade da região no início do século XX. Na sequência, os convidados expressaram depoimentos sobre suas experiências e vivências na e com a Causa Palestina, prestando homenagens às milhares de vítimas.

É importante destacar que em Mato Grosso do Sul há uma população considerável de árabes, entre sírios, libaneses e palestinos, que fizeram e fazem história no estado, contribuindo para a economia e para o desenvolvimento, como comprovam os nomes de inúmeras ruas em homenagem a essas pessoas. Corumbá possui uma das maiores comunidades palestinas da diáspora brasileira e seus integrantes exercem especial influência no comércio local, assim como na política e profissões liberais.

Deste modo, apesar da distância geográfica, a Palestina nos é próxima, os palestinos precisaram e ainda precisam migrar e se refugiar pelo mundo, pois foram expulsos de suas terras desde 1948 e seguem sendo; portanto, são nossos irmãos, irmãos de humanidade. E se é direito de todo ser-humano ter uma vida digna, é nosso dever nos solidarizarmos e agirmos para que isto se efetive. Fica o convite para uma atitude ética, humana e necessária.

Ashjan Sadique Adi é Psicóloga, mestre em Educação pela UFMS e Doutora em Psicologia pela USP.  Secretária de Assuntos Acadêmicos da FEPAL – Federação Árabe-Palestina do Brasil. Co-coordenadora do CSPP/MS – Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino no Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]

Lucilene Soares da Costa é Docente da graduação em Letras e do Mestrado Profissional em Letras e do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação da UEMS. E-mail: [email protected]

Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.

 

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