Espetáculo une música, dança e artes visuais inspirada nos povos originários
O Instituto Moinho Cultural Sul-Americano dá a largada à criação do Moinho in Concert 2025, espetáculo que celebrará em dezembro, o encerramento do ano das atividades culturais do Instituto. Com direção geral e artística de Márcia Rolon, o evento mergulhará nos caminhos ancestrais do Peabirú em um processo colaborativo com artistas convidados.
Com Leoni Antequera, Fernando Martins, Beatriz Almeida, Arce Correia, Celina Charlier e participação do Coral de Santa Cruz/ da Bolívia, espetáculo une música, dança e artes visuais em criação coletiva. A montagem propõe uma travessia poética, sensorial e espiritual pelos Peabirus, antigos caminhos sagrados dos povos originários em busca da ‘Terra Sem Mal’, conectando essa jornada aos jogos de amarelinha, numa metáfora sobre autoconhecimento, pertencimento e superação.
Traduzir o universo simbólico e espiritual do Peabirú para o palco é um dos grandes desafios do Moinho in Concert 2025. A proposta, segundo a diretora artística Márcia Rolon, é que a arte seja a ponte para tornar esse caminho ancestral acessível e envolvente ao público contemporâneo. “A arte sempre traz as questões espirituais, esse universo simbólico dentro da nossa linguagem.
A música toca muitas pessoas espiritualmente, emocionalmente, psicologicamente. Quando falamos que todos estão buscando o céu, o caminho que leva ao céu, já colocamos o público dentro de um lugar, numa caminhada em que cada quadro se torna um passo a mais”, explica.

Foto: Divulgação/Assessoria
A construção estética também aposta em experimentações sonoras e visuais inéditas, capazes de atravessar fronteiras. “Estamos trabalhando neste espetáculo com a música barroca sul-africana, que quase ninguém conhece, além de instrumentos de percussão que enraízam e de sopros que elevam. Também vamos cruzar a orquestra com sons eletrônicos e criar dois palcos, um físico e outro virtual, considerado espiritual. Em determinados momentos, os personagens atravessam de um para o outro, transformando a cena”, detalha.
Esse percurso artístico se conecta à metáfora da amarelinha, que simboliza a travessia da terra ao céu. “O Caminho do Peabirú é, para nós, a base deste espetáculo. Ele fala da busca de cada um por seu próprio caminho, em direção a um mundo sem mal. É aí que está a graça da arte: ela não nasceu para ser totalmente explícita, mas para mexer com as pessoas e provocar que cada um encontre o seu próprio céu”, resume.
Entre as contribuições para essa narrativa está a do artista visual boliviano Leoni Antequera, que trouxe o conceito da Amarelinha da Vida, conectando seu trabalho plástico ao Caminho de Peabiru e criando a analogia que estrutura toda a construção cênica.
Nesta etapa, o Moinho recebe artistas convidados que somam suas trajetórias ao projeto. O sul-mato-grossense Arce Correia atua como ator, diretor e compositor, agregando experiência em teatro, dança, poesia e música. Formado pela Escola de Arte Dramática da USP, com licenciatura e bacharelado em teatro pela Anhembi Morumbi, Arce atua profissionalmente desde 1998 e é conhecido pela criação da personagem de humor Maria Quitéria e pelo espetáculo musical Alinhavo, baseado em seus textos poéticos.
No campo da dança, o coreógrafo Fernando Martins descreve o processo como “uma travessia poética, sensorial e espiritual, inspirada na antiga trilha do Caminho de Peabirú, que convida a refletir sobre a conexão entre povos, culturas e histórias, entre o sagrado e o cotidiano”. Ele destaca o diálogo intenso com a Companhia de Dança do Pantanal, formada por jovens artistas locais, cuja escuta e entrega têm se transformado em movimento e criação.
A coreógrafa e ex-primeira bailarina do Stuttgart Ballet, Beatriz Almeida, referência internacional na dança e madrinha do Moinho Cultural, também integra o time, garantindo excelência artística e potência expressiva nas coreografias. A flautista Celina Charlier soma sua sensibilidade musical à construção de paisagens sonoras que dialogam com a temática do espetáculo.
Com a participação de mais de 500 artistas — incluindo orquestra ao vivo, bailarinos, crianças e jovens atendidos pelo Instituto, além do Coral de Santa Cruz/BO —, o Moinho in Concert 2025 estrutura-se a partir da analogia entre a travessia ancestral e os jogos de amarelinha, explorando formas como a caracol e a cruzada, que simbolizam caminhos de autoconhecimento, pertencimento e superação.
A estreia será em dezembro, em Corumbá, como uma celebração da arte, da memória coletiva e da força criativa que conecta gerações e territórios. Uma grande produção colaborativa que resgata e reinventa saberes tradicionais por meio da arte contemporânea, convidando cada espectador a trilhar o seu próprio caminho em direção ao céu.
A força da criação coletiva
O Moinho in Concert 2025 nasce como um processo criativo coletivo, que envolve música, dança, artes visuais e a participação de centenas de pessoas. Um dos desafios é garantir que todos caminhem na mesma direção. “Os desafios são fazer com que todos entrem na mesma página, tenham a mesma harmonia e conheçam a história, que está, principalmente, dentro da cabeça de quem cria. Esse processo exige muita flexibilidade. São várias mãos construindo, e o maior desafio é ceder para a ideia interessante do outro. É um jogo de construção, com muitas mãos, que eu amo”, explica.
Essa multiplicidade de vozes tem garantido um espetáculo que se expande em diferentes camadas criativas. “Foi o artista Leoni Antequera que trouxe o insight do jogo de amarelinha; o Fernando trouxe o caminho dos Chapiris; o Arce trouxe sua poesia; a Beatriz Almeida, a força do ballet clássico. Até as crianças chegam com ideias que completam o nosso pensamento. O desafio é esse: fazer com que todo mundo esteja na mesma página, sem ruídos de comunicação”, destaca.
Mas é justamente nessa troca que surgem as descobertas mais potentes. “A maior descoberta é perceber quantas pessoas lindas estão ao nosso lado, o quanto cada um pode contribuir e o quanto ouvir o outro faz a minha ideia ficar mais completa. Por muitas vezes me senti sozinha na criação do Moinho, mas hoje tenho a segurança de um coletivo. Isso é extremamente importante, bonito, e a união nos fortalece muito”, resume.
Mito e real
O Moinho in Concert deste ano chega para marcar um novo capítulo na trajetória do Instituto, propondo uma experiência distinta das edições anteriores. A grande novidade está no tema central: o Caminho de Peabirú, reinterpretado como metáfora pessoal e coletiva. “A grande novidade do Peabiru é o próprio caminhar do Peabiru. É trazer o nosso Peabiru, que é o Peabiru de cada um. Queremos que o público saia do espetáculo olhando para si e se perguntando: qual é o meu caminho? Será que estou conseguindo chegar até lá ou preciso de uma pausa para enfrentar minhas lutas internas?”, destaca a direção artística.
Diferente da edição de 2024, que homenageou Manoel de Barros, a proposta deste ano aposta em uma estrutura cênica inédita, mesclando linguagens artísticas e tecnologias. “O público já vai chegar ao Moinho e encontrar um palco diferente, uma estrutura física nova, um final inusitado. Trazemos as artes plásticas para dentro da cena, além de recursos tecnológicos. É o que o Peabiru pede: um caminho diferenciado para cada um”, explica.
O espetáculo também provoca reflexões sobre memória, inovação e pertencimento. “Será que hoje estamos realmente criando novas tecnologias ou apenas reencontrando saberes antigos que não conseguimos acessar? Estamos falando de fronteira, de ligação de povos, mas sem olhar com viés europeu, e sim a partir da nossa própria história. Eu mesma estou realizando um novo caminho da minha vida com este Peabiru. É consequência: a arte move a gente o tempo todo”, resume Márcia.
Por Carolina Rampi
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