Comprovado por qual (is) Ciência (s)?

Foto: divulgação
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Em 2020, um grupo de acadêmicos do curso de Medicina da Uniderp e eu decidimos criar um grupo de estudo e pesquisa sobre a História da Medicina. Esse grupo não se restringiria aos estudos históricos gerais do campo da Medicina, pois nosso objetivo era propor a construção de uma História da Medicina no estado de Mato Grosso do Sul. Apesar da audácia, iniciamos o trajeto por uma pauta mais local.

A inspiração teórica são as bases epistemológicas de um médico polonês chamado Ludwik Fleck (1896–1961). Em uma breve síntese, Fleck propôs que a construção do conhecimento científico é fundada tanto nas bases lógicas das Ciências quanto no contexto histórico e cultural. Em outras palavras, esse médico polonês defendeu que a produção científica é um construto social.

Atualmente, o grupo assumiu, explicitamente, o interesse não só pela produção da História da Medicina, como também pela investigação, à luz da Epistemologia das Ciências, de como os fatos dessa história são construídos e quais são os seus legados.

Esse interesse epistemológico tornou-se ainda mais evidente durante a conturbada pandemia da COVID-19. O show de horrores que presenciamos durante a chamada CPI da Pandemia, nos levou à reflexão de que a discussão sobre a produção científica, por vezes, constitui-se em um delírio.

Adotemos o assunto específico da CPI: Saúde Pública. Há tempo não se via tanta discussão fora da Universidade sobre a legitimidade dos resultados científicos. Observamos muitas pessoas defenderem a veracidade do uso de dado medicamento e se apropriarem daquele velho argumento de autoridade “foi comprovado cientificamente”. Dado essa “democratização” do interesse coletivo, a pergunta que nos despertou para esse debate foi: comprovado por qual Ciência?

A repercussão desse delírio despertou no GEPHEM (Grupo de Estudo e Pesquisa em História e Epistemologia da Medicina) a possibilidade de intensificar seus interesses na construção da História da Medicina em Campo Grande, fundamentando-se na epistemologia fleckiana e no aporte teórico-metodológico da História Oral.

Como resultado, o grupo pesquisou sobre a abertura do curso de Medicina da Uniderp; a História do Parto Humanizado Institucional; a História das primeiras cirurgias cardíacas pediátricas e o papel da Rede Cegonha.

Além das pesquisas, desde julho de 2024, iniciamos com um PodCast, disponível no canal do grupo pela plataforma Youtube, denominado GEPHEM-CAST: um Raio X da História, que é um espaço para professores, pesquisadores e acadêmicos falarem sobre as suas experiências profissionais e acadêmicas.
A afirmação do GEPHEM como grupo de pesquisa é resultado do engajamento de um coletivo de pessoas que degustam dos desafios epistemológicos contemporâneos, especialmente no que tange à interface entre Ciência, História e Sociedade. Ao adotar a epistemologia de Fleck como referencial e a História Oral como método, o grupo busca romper com narrativas lineares e homogêneas da História da Medicina, assumindo uma postura crítica, que defende o conhecimento como resultado de coletivos de pensamento inseridos em contextos específicos.

Nesse sentido, as atividades desenvolvidas pelo GEPHEM indicam que a História da Medicina pode — e deve — ser compreendida como uma construção coletiva, fundamentada por interesses científicos, sociais e até mesmo políticos. A perspectiva epistemológica adotada pelo grupo permite desmistificar discursos “científicos” e desnudar os contextos em que foram produzidos.

Em tempos de crise com a legitimidade do conhecimento, iniciativas como essas podem reafirmar as contribuições de uma Ciência comprometida com a crítica, com a memória e com a democracia do saber.
Eliéverson Guerchi Gonzales é Doutor em Educação para a Ciência e Professor nos cursos de Medicina, Engenharias e Mestrado em Ensino de Ciências da Uniderp. E-mail: [email protected]

Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.

 

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