Na luta contra a violência contra mulheres, Estado aposta na integração, digitalização de processos e inteligência artificial
Mato Grosso do Sul segue investindo em ações para tentar frear os números de casos de violência contra mulheres e feminicídios. Na tarde de ontem (14), o Governo do Estado, junto com a Defensoria Pública, o MPMS (Ministério Público de MS), o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e demais órgãos de Assistência Social e Cidadania, fez um balanço das principais ações desenvolvidas nos últimos seis meses, após a repercussão nacional da morte de Vanessa Ricarte, que mostrou a deficiência no serviço que até então era prestado. Para isso, a DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) ganhará o reforço de uma segunda unidade que será instalada no centro da Capital, na Rua Abrão Júlio Rahe, e promete dar celeridade e acolhimento.
Durante a apresentação, o titular da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul), Antonio Carlos Videira, confirmou que o contrato de locação do imóvel foi assinado nesta quarta-feira (13). A escolha pelo local da nova unidade se deu pela sua acessibilidade e reforçou ainda que a mudança vai proporcionar uma ampliação na infraestrutura já existente na Casa da Mulher Brasileira.
“O projeto de infraestrutura está pronto, queremos começar a executar em 20 dias e, no máximo, em 90 dias, começar a atender as vítimas e testemunhas. Ela vem para potencializar os atendimentos, ampliar a capacidade de investigação dos crimes contra as mulheres e melhorar a investigação que vinha sendo prejudicada, diante do aumento de demanda na 1ª DEAM”, explicou.
Vale destacar que, mesmo com a nova unidade, as situações que envolvam flagrante e prisões seguirão sendo realizadas na unidade instalada na Casa da Mulher Brasileira, do Jardim Imá, onde existe uma unidade do IMOl (Instituto de Medicina e Odontologia Legal), responsável pelos exames de corpo de delito. A unidade 2 vai atuar no após, dando andamento à investigação. Além disso, vale destacar que a retirada dos cartórios da Casa da Mulher será feita sem prejuízo às vítimas.
Após a morte da jornalista, o Estado apostou na criação de um Grupo de Trabalho para agilizar quase 6 mil boletins que estavam represados. Até o momento, já foram analisados 5.330 registros de ocorrência e instaurados 4.952 inquéritos policiais. Também foi realizada a entrega dos protocolos atualizados de atendimento à mulher na Capital e nos municípios do interior.
A reestruturação do atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica incluiu a readequação do setor de atendimento da 1ª DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), em Campo Grande, com a instituição da unidade de investigação. Também foi expandido o atendimento do IMOL na Casa da Mulher Brasileira, que passou a funcionar 24 horas por dia. Desde abril de 2025, foram atendidas 553 vítimas no local — uma média de 138 casos por mês — representando uma ampliação de 97% no serviço.
Os avanços também foram sentidos na Defensoria Pública, que passou a integrar a Casa da Mulher com uma unidade do NUDEM (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher). O defensor-geral, Pedro Paulo Gasparini, comemorou a integração da rede de proteção.
“Os resultados dessa mudança estrutural são concretos e tivemos entre janeiro e julho um aumento de 61% de atendimentos, saltando de 240 diários para quase 390 atendimentos na Casa da Mulher e nas unidades. Nós passamos no nosso núcleo a um aumento de 47,7% na judicialização e levando ao judiciário. São avanços que funcionam de forma integrada com toda a rede”, pontuou.
“O Grito de Vanessa”
Durante a apresentação do balanço de atividades, o promotor Isonildo Gonçalves, do Ministério Público, confirmou que, além de frear o número de violência, existe uma preocupação com o histórico dos agressores. Para isso, surgiu a “Tarja Lilás” na checagem de indivíduos no SIGO e a implementação da “Medida Protetiva Eletrônica”, com 2.673 ajuizamentos realizados pela PCMS (Polícia Civil de Mato Grosso do Sul), 100% deles no ambiente virtual. Os inquéritos policiais também passaram a tramitar virtualmente, com operação digital em nove das 12 Delegacias de Atendimento à Mulher. O mesmo ocorre nas 50 Salas Lilás, sendo que 40 delas já operam integralmente no sistema digital.
“O grito da Vanessa atingiu todos nós e é o grito das 22 mulheres assassinadas neste ano. Dentre essas vítimas, temos uma criança queimada. Reincidência de casos existe porque a nossa preocupação é nesse antecedente dele, de vida criminosa, às vezes, guarda relação com o comportamento dele. Vimos ontem o caso do empresário que matou um gari e é casado com uma delegada de polícia, tinha histórico de violência, essa é uma preocupação do Ministério Público. No caso da Vanessa, ele tinha várias passagens e é um fato que deveria ter sido visto lá atrás, quando pede medida protetiva, ele imediatamente, ou por email, em busca de uma prisão preventiva”.
Tecnologia e proteção
Todo o serviço prestado pela Polícia Civil de Mato Grosso do Sul passou por modernização. Em fase final de testes, está um sistema que promete gravar as oitivas em áudio e vídeo e a implementação de ferramenta de inteligência artificial para transcrição, contribuindo para melhor atendimento às mulheres, que já deve começar a funcionar no final do mês de agosto, tanto na Capital quanto no interior do Estado.
“Agora, com áudio e vídeo, vai ser possível ver como essa mulher está sendo tratada e, se tiver alguma questão, podemos ver no áudio e vídeo, que vai ser gravado”, enfatizou o vice-governador Barbosinha, que acompanhou o desenvolvimento do grupo.
Recomeço
Outra proposta inovadora aplicada em Mato Grosso do Sul e que já tem surtido efeitos positivos é o PROTEGE (Programa de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres), que estabelece ações de curto prazo, como atendimento imediato, ampliação e qualificação da rede de acolhimento e apoio psicossocial. O objetivo do programa é oferecer atendimento humanizado, rápido e efetivo, capaz de interromper ciclos de violência e assegurar a integridade física e emocional das vítimas e de seus filhos. Foi municipalizado o CEAMCA (Centro Especializado de Atendimento à Mulher, à Criança e ao Adolescente em Situação de Violência) e dada atenção especial ao programa “Recomeços”, que fortalece a autonomia econômica das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Essas ações, segundo Patrícia Elias Cozzolino, Secretária de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos do Estado de Mato Grosso do Sul, têm beneficiado, principalmente, os órfãos do feminicídio e reduzido as chances de que no futuro se tornem possíveis agressores.
“No Programa Recomeços, existe a necessidade de quem esteja com a criança ter a guarda legal. Para isso, pode recorrer à Defensoria Pública e procurar a inclusão pelo CRAS. As equipes se deslocam até a residência para aferir a vulnerabilidade e para checar se as crianças estão na escola. A transferência é bancária via Pix na conta do titular, o maior de idade, guardião das crianças. O valor precisa ser usado em benefício da criança e, para isso, os comprovantes de compras devem ser guardados pelo período mínimo previsto de 1 ano. Nós sabemos que isso possibilitará ter um acompanhamento psicológico de qualidade, estudos, evitando a replicação do ato de violência quando adulto, ou se tornar alguém que se automutila ou pode acabar tirando a própria vida”, explicou.
Conforme a secretária da Cidadania, Viviane Luiza da Silva, o Estado tem buscado quebrar as barreiras da dependência econômica e emocional das vítimas. “Estamos atuando na prevenção e na união, pensando no pilar da violência que pode ser a dependência econômica e emocional. Estamos trabalhando na integração com a prefeitura, junto com a coordenadora estadual, por uma política pública, porque só vamos conseguir mudar essa realidade com a mudança de comportamento”, disse.
Por fim, o secretário Videira reforça que os números de Mato Grosso do Sul refletem uma política de ampliação nos canais de comunicação e de denúncia. “Não se enfrenta feminicídio sem combater a violência doméstica e nem todas as vítimas terão acesso a esses canais disponibilizados ou terão a oportunidade de ir até uma delegacia. Então, estamos indo até as vítimas por meio dos conselhos comunitários nas aldeias, onde são os maiores volumes de crimes de violência doméstica e feminicídios devido ao alto consumo de bebidas alcoólicas. É muito importante estabelecer canais de comunicação”, finaliza.
Por Michelly Perez e Ana Clara Julião
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