Morte de Ísis Ojeda escancara negligência familiar e omissão da rede de proteção em Mato Grosso do Sul

Foto: Google Maps
Foto: Google Maps

O pai segue preso em uma cela isolada no interior e a mãe, investigada por omissão, permanece em liberdade

 

A morte da pequena Ísis Ojeda da Silva, de apenas 1 ano e 9 meses, ocorrida em 9 de julho de 2025 em Camapuã (MS), não foi uma fatalidade. Foi o desfecho brutal de uma sequência de avisos ignorados, denúncias engavetadas e uma atuação falha da rede de proteção em Mato Grosso do Sul.

Levada já sem vida ao hospital do município, a bebê apresentava sinais claros de violência e negligência extrema. Usuária de traqueostomia desde os dois meses de vida, Ísis precisava de cuidados rigorosos e constantes, que nunca chegaram. Em vez disso, conviveu com sujeira, abandono e sofrimento.

Laudos médicos apontaram não apenas o descuido com sua saúde, mas também possíveis abusos sexuais crônicos. O caso mobilizou o Ministério Público, que pediu a suspensão do poder familiar da mãe e do pai e o acolhimento imediato do irmão mais novo, de 3 anos, também vítima de maus-tratos.

A mãe das crianças, Simiona Ojeda, não está presa. A Polícia Civil investiga sua possível omissão diante dos abusos e da negligência já denunciados anteriormente por familiares e profissionais de saúde. Até o momento, porém, não há indícios de participação direta no crime. Ela segue em liberdade, enquanto o caso é investigado como estupro de vulnerável com resultado morte.

Uma infância vulnerável desde o início

O primeiro grande alerta surgiu ainda em 2024, quando Ísis, com apenas dois meses, enfrentou uma grave pneumonia e passou por uma traqueostomia no Hospital Regional. A alta veio acompanhada de recomendações expressas de acompanhamento semanal.

A mãe, Simiona Ojeda, não seguiu o plano de cuidados. Por quatro meses, a bebê ficou sem retorno médico, sem vacinas e sem a higiene necessária para quem vive com um tubo no pescoço.

Já naquela época, profissionais de saúde notaram sinais de negligência. O irmão da menina, I.H.O.S., com pouco mais de 2 anos, apresentava hematomas. Em uma das ocasiões, chegou a dizer que “o pai tinha batido”.

Mesmo com denúncias de familiares e anotações em prontuários, a rede de proteção social não agiu de forma eficaz.

Descuido persistente, mesmo com novos alertas

Em junho de 2025, a família havia retornado a Camapuã e vivia em uma casa emprestada por parentes, em situação de extrema precariedade. No dia 18 daquele mês, uma denúncia anônima ao Conselho Tutelar apontou risco iminente à vida de Ísis. Um relatório confirmou que a traqueostomia da bebê estava mal cuidada e que a família vivia em vulnerabilidade social

A mãe alegava que estava tentando se reerguer: recebia pensão, tinha Bolsa Família e já havia buscado atendimento médico na Unidade de Saúde da Vila Industrial. Mas os registros contradiziam esse discurso.

Não havia visitas frequentes ao posto de saúde, a vacinação da bebê estava incompleta, e os cuidados básicos não eram cumpridos.

O caso ganhou gravidade incontestável no dia 4 de julho, quando o Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian enviou um ofício formal ao Conselho Tutelar de Camapuã. No documento, relatava-se que Ísis havia sido atendida com larvas na traqueostomia. O hospital pedia ação imediata da rede de proteção.

Mesmo assim, apenas no dia 7 de julho foi oficializado o pedido de acompanhamento pelo Conselho. Dois dias depois, Ísis estava morta.

Morte e mobilização tardia

O óbito da bebê ocorreu em 9 de julho. A mãe a levou ao hospital já sem sinais vitais. O prontuário médico e o laudo inicial levantaram suspeitas gravíssimas de abuso sexual contínuo.

Diante da brutalidade do caso, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul ajuizou, no dia seguinte, pedido de medida protetiva para o irmão da vítima, então com três anos. O menino foi acolhido emergencialmente e está sob cuidado de uma família assistida pelo programa de acolhimento familiar do município.

A promotoria também solicitou a abertura de inquérito criminal e a suspensão do poder familiar dos pais.

Relato da tia revela descaso

A tia materna das crianças relatou ao Conselho Tutelar que cuidava do irmão de Ísis como se fosse seu próprio filho, e que sempre ajudava nos cuidados da bebê sempre que possível. No entanto, as constantes mudanças de endereço da mãe — entre Campo Grande, Jardim e Camapuã — dificultaram o acompanhamento mais próximo da situação.

“A traqueostomia da Ísis vivia suja. Eu dizia que precisava limpar, mas a Simone nem ligava. Tinha vezes que eu mesma fazia a limpeza, porque não aguentava ver a bebê daquele jeito.”

Luiza também denunciou que uma tia paterna das crianças tinha conhecimento dos maus-tratos e suspeitas de abuso, mas nunca compartilhou essas informações com ela.

O vínculo com o pequeno sempre foi forte. “Ele me chama de mãe. Desde pequeno ficou comigo. Quando voltava para a mãe, só chorava. Não queria ir.”

Durante uma das internações de Ísis, Luiza e o marido cuidaram do menino por 60 dias consecutivos. Desde então, ele passou a vê-los como seus verdadeiros cuidadores. Agora, a tia manifesta o desejo de ficar com a guarda definitiva do sobrinho e dar a ele um lar seguro e estável.

Omissão da rede de proteção em Mato Grosso do Sul

Apesar de todas as denúncias e registros formais desde 2024 , nos prontuários médicos, nenhuma medida efetiva foi tomada até junho de 2025. E mesmo após os alertas do hospital sobre larvas na traqueostomia e sinais de violência, o acompanhamento só foi formalizado dois dias antes da morte da bebê.

O caso segue sendo apurado pela Polícia Civil e o Ministério Público informou que outras frentes de investigação serão abertas para apurar responsabilidades.

Clamor por justiça e memória de Sophia

A morte de Ísis trouxe novamente à tona a fragilidade da rede de proteção em Mato Grosso do Sul — e relembra outros casos que também poderiam ter sido evitados, como o da menina Sophia, morta em janeiro de 2023, aos dois anos de idade, após meses de agressões cometidas pela mãe e o padrasto, em Campo Grande.

No julgamento, ocorrido em 2024, veio à tona uma sequência semelhante de falhas institucionais: denúncias ignoradas, ausência de fiscalização e inação do Conselho Tutelar.

Assim como Ísis, Sophia morreu dentro de casa, em um ambiente de medo e violência, sob o olhar de quem deveria protegê-las. Ambos os casos são gritos de alerta.

Coronel David – Foto: Alems

Cadastro permitirá que população saiba quem são os condenados por crimes sexuais em MS

O Estado está próximo de incorporar mais uma medida contra crimes sexuais, com a provação do Projeto de Lei nº 305/2023 do deputado estadual Coronel David (PL) que também foi o responsável pelo Cadastro Estadual de Pedófilos criado em 2017. Desta vez a proposta prevê a criação do Cadastro Estadual de Pessoas Condenadas por Crimes Sexuais. A proposta deve passar por uma segunda rodada de votações na ALEMS (Assembleia Legislativa de MS), e se não receber emendas, segue para sanção do governador Eduardo Riedel.

Como forma de ampliar a prevenção a esse tipo de crime, a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), disponibilizará a identificação dos criminosos, respeitando o sigilo das vítimas e das investigações em curso. “Trata-se de uma ferramenta de proteção à sociedade. A população tem o direito de saber se há um estuprador condenado vivendo nas redondezas. O estado precisa atuar não apenas na repressão, mas principalmente na prevenção”, justificou Coronel David.

O banco de dados estadual será de acesso público trazendo informações detalhadas sobre os condenados, incluindo nome completo, fotografia frontal, características físicas, idade e histórico criminal. Esses dados serão disponibilizados no site da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), com acesso aberto à identificação dos criminosos, respeitando o sigilo das vítimas e das investigações em curso.

De acordo com o deputado, o projeto foi elaborado com base em estudos legais e dados preocupantes sobre a reincidência de criminosos sexuais. A proposta segue o modelo do Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, instituído pela Lei Federal nº 14.069/2020.

O mesmo cadastro permitirá o acesso irrestrito de autoridades como policiais civis e militares, conselheiros tutelares, membros do Ministério Público e do Judiciário.

O condenado poderá ter o nome retirado do cadastro ao comprovar o cumprimento integral da pena e solicitar a exclusão à Secretaria de Justiça, que terá até 60 dias para análise do pedido. “A medida representa um avanço concreto no enfrentamento aos crimes sexuais e na garantia do direito à informação e à prevenção”, finaliza o parlamentar.

 

Por Suelen Morales

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