Mãe, ex-escrava, fundadora de um povoado, parteira, benzedeira, mulher forte e guerreira. Esses são só alguns adjetivos dados a vida e trajetória de Eva Maria de Jesus, que será narrada no espetáculo ‘Tia Eva, o Musical’, com apresentações nos dias 3, 4 e 5 de julho, no Sesc Teatro Prosa, com realização pelo Arrebol Cultural, da UEMS (Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul).
Atualmente, há uma discussão sobre a chegada de Eva Maria de Jesus e sua família em Campo Grande, onde seus descendentes lutam pelo reconhecimento de que ela foi a primeira habitante do local, estando aqui antes do mineiro José Antônio Pereira, creditado como fundador. Nascida escrava, no interior de Goiás, teve sua alforria entre 40 ou 50 anos, mas continuou a trabalhar na fazenda por alguns anos, juntando dinheiro de doações oferecidas por aqueles que a procuravam em busca do seu dom de cura. Com a reserva, Tia Eva e seus familiares formaram uma comitiva, com outros ex-escravizados e partiram para o sul de Mato Grosso – hoje Mato Grosso do Sul – onde adquiriu as terras onde atualmente está a comunidade quilombola Tia Eva, construiu uma igreja para São Benedito e trabalhou como curandeira, cozinheira, parteira e benzedeira.
Foram seis meses de ensaio, com pré-produção intensa desde o roteiro até a pesquisa de figurinos, com tecidos vindos direto da África. O elenco é encabeçado por Jailda Farias, como Tia Eva, em sua estreia nos palcos, Juliê Kethlyn como Lázara, filha mais nova de Eva, Debora Januário como Joana, também filha, Auriellen Leonel, como Sebastiana, fechando a tríade de filhas, responsáveis por continuar o legado da mãe, e o cantor Alex Silveira, que interpretará três papéis distintos, sendo um deles São Benedito.
A concepção e idealização é de Fernandes Ferrira, texto dramático de Mauro Mathias, coreografia de Flávia Laís Alarcon, Maria Clara Lanzoni e Bruno Pissurno. A equipe ainda integra quatro bailarinos (João Gussi, Marlon Brito, João Henrique e Marcelus) e banda ao vivo com quatro músicos (Bibi do Cavaco, Jhemerson Alonso, Thiago Eto e Nathan Jesus).
Recontar para lembrar
Conforme o produtor teatral e professor de teatro e dança da UEMS, Fernandes Ferreira, a ideia para o musical veio da relevância da personalidade e pela dramaticidade em sua biografia. “O Arrebol já tem contribuído bastante para o enriquecimento cultural de Mato Grosso do Sul e esperamos que isso continue com mais essa produção. Esperamos que a comunidade se sinta representada e, sobretudo, que a história de Tia Eva seja conhecida por muitas outras pessoas, contribuindo assim para a manutenção de sua memória”, disse o produtor.
Recontar histórias de personalidades do Estado é um dos trunfos do grupo. Após o sucesso de ‘Delinha: o Musical’, eles estavam em busca de uma história que merecesse ser contada. “Foi então que nos deparamos com a sensível e dramática trajetória de Tia Eva. A liderança de Tia Eva como professora, parteira, benzedeira e mulher de negócios precisa ser relembrada”, destaca Ferreira.
O processo de produção começou com muita pesquisa oficial e oral. “Começamos por meio da leitura de diversas dissertações de mestrado e teses de doutorado, além de contato com a comunidade, especialmente através da descendente Vânia Lúcia”, explicou o diretor.
A história de Tia Eva carrega elementos de religiosidade, ancestralidade, resistência e identidade negra, que também será trazido para o musical. “A religiosidade está presente quando transformamos são Benedito em um dos narradores, assim como a ancestralidade é mostrada na abertura do espetáculo, mostrando cenas na África”, complementa Ferreira.

Foto: Vaca Azul/Divulgação
Com o pé direito
Oriunda da música, principalmente na cena gospel, Jailda Farias fará a sua estreia na atuação com um papel de peso, interpretando a própria Tia Eva. “Me senti muito honrada em ser escolhida para esse papel. Será a minha estreia como atriz, e com muita responsabilidade, por ser uma figura histórica e de muito peso”, disse a reportagem do jornal O Estado.
“Recebi o desafio do Diretor Fernandes, comecei a estudar a vida dela e me apaixonei. E me identifiquei muito, por também ser descendentes de ex-escravos e indígenas”, revelou a atriz.
Durante os ensaios, a força da personagem também ressoou em Jailda. “A vida dessa mulher guerreira foi de muita batalha. Me emociono em várias cenas, me emociono, mas tem uma em específico que tenho que me segurar muito. Também me identifico com ela pelo fato dela batalhar muito pelas filhas dela”, observa.
“Espero de verdade, que o público sinta o que senti e sinto cada vez que me visto dessa gigante, que desceu de Goiás para a terra de Mato Grosso na época, sonhou, lutou e deixou o seu legado, que teremos a honra de contar e que cada um seja inspirado a sonhar e lutar pelos seus sonhos que vale muito a pena”, finalizou a atriz.
“Viver o musical Tia Eva tem sido uma das experiências mais incríveis e desafiadoras da minha carreira. Estamos quase no dia da estreia e o coração está a mil para entregarmos um lindo espetáculo”, comentou o ator e cantor Silveira, que também fará a sua estreia no teatro musical.
A estreia, marcada para o dia 3 de julho, ainda simboliza uma data de extrema importância: o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, que relembra a aprovação da Lei Afonso Arinos, em 1951, que tornou a discriminação racial uma contravenção penal no Brasil.
Arrebol Cultural
O Projeto de Extensão Arrebol Cultural UEMS teve sua origem já no início do curso de Artes Cênicas, em 2010 e desde então tem reunido membros da comunidade interna, externa e especialmente egressos para juntos pesquisar, analisar e montar textos dramáticos com ênfase no teatro musical.
Serviço: O espetáculo ‘Tia Eva, o Musical’ será encenado nos dias 3, 4 e 5 de julho, às 19h, no Sesc Teatro Prosa (Rua Anhanduí, 200). Ingressos e informações pela plataforma Sympla, ou redes sociais do grupo.
Por Carolina Rampi