Projeto idealizado por servidora de Jardim já foi premiado em 1º lugar na categoria Coletivos LGBTQIAP+
Formado por estudantes, egressos e comunidade externa, o coletivo de dança ‘Em Que Dança nos Metemos?’, idealizado no IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul) pela servidora Aurora Silva, no Campus Jardim, promove a inclusão e celebra a diversidade na sexta arte.
“O coletivo é um espaço onde a diversidade não é apenas respeitada – ela é celebrada, acolhida e potencializada por meio da criação coletiva e do movimento. É uma iniciativa viva que reúne juventudes diversas em torno da dança como linguagem de resistência, afeto e transformação”.
Conforme Aurora, a motivação para a criação do coletivo foi o desejo de construir um espaço artístico seguro e acolhedor para todos, incluindo a comunidade queer, “tantas vezes invisibilizados ou silenciados”, diz a coordenadora. “A dança, para nós, é uma linguagem de expressão, resistência e cura”.
Atualmente, o coletivo conta com seis participantes fixos, que integram a coordenação e as criações principais. O técnico em Informática formado no Campus Jardim do IFMS Eduardo Dutra Vareiro, 19, um dos participantes do coletivo, reforça as palavras de Aurora.
“É um espaço de acolhimento e amizade, todos ali se ajudam, se entendem e se acolhem, e não há qualquer discriminação. Você tem abertura para mostrar quem é, conversar e desabafar”, ressalta o jovem, que ao sair do Instituto Federal ingressou no curso de Letras da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul).
A iniciativa se torna ainda mais significativa por ser desenvolvida em um pequeno município de Mato Grosso do Sul. Jardim tem cerca de 24 mil habitantes, conforme o último censo do IBGE, realizado em 2022.
“Em regiões do interior, criar um coletivo como esse é também um ato político: de ocupação, de afeto e de reconstrução de pertencimento”, frisa Aurora.
“Quando corpos historicamente marginalizados ocupam a cena com suas narrativas e potências, não estão apenas dançando: estão afirmando sua existência, reivindicando espaços, propondo novas formas de ver e sentir o mundo. A arte nos permite imaginar futuros mais justos e humanos e, ao mesmo tempo, transforma o presente ao abrir espaços de escuta, expressão e pertencimento”, analisa a coordenadora do coletivo.

O projeto Coletivo de dança é fruto de projeto de extensão coordenado pela servidora Aurora Silva (blusa branca) – Foto: Arquivo do Projeto
Participação Estudantil
O ‘Em Que Dança Nos Metemos?’ é fruto da atividade de extensão ‘Temporada MMC – Mínimo Movimento Comum’, iniciada em 2024 e voltada à pesquisa e produção em videodança, com fomento de R$ 500 via edital do IFMS. O resultado dessa etapa foi o média-metragem MMC, disponível no YouTube, que circulou pelas escolas de Jardim por meio do projeto Andanças, com aporte municipal de R$ 15 mil (Lei Paulo Gustavo).
A continuidade ocorreu com a ação ‘Em Que Dança Nos Metemos? – A Dança Não Para!’, com foco no ensino de dança contemporânea, iniciativa que também contou com o apoio do IFMS e teve a participação de três estudantes bolsistas, o que é extremamente valioso, na avaliação de Aurora.
“Ter estudantes bolsistas reafirma o êxito e fortalece a permanência desses jovens no ambiente acadêmico e cultural. Além do apoio financeiro, a experiência oferece vivência prática na produção artística e na gestão cultural – algo que amplia as perspectivas profissionais e gera um sentimento de pertencimento aos projetos”, ressalta.
Eduardo foi um dos bolsistas do projeto em 2023. Uma oportunidade para ampliar o conhecimento sobre a dança, até então apenas um hobby. “Estudamos teoria, alguns aspectos da dança, a diferença de videodança e vídeo de dança. Aprendi desde as técnicas de filmagem, até mesmo a forma como os espetáculos são formados, montados, tudo”, elenca.
“Foi nesse contexto que o coletivo nasceu: como resposta à potência criativa que emergiu do projeto, mas também como um gesto político e poético de permanência. Uma relevante iniciativa de formação, criação e difusão cultural no estado, e que hoje caminha com autonomia. Dei a faísca, mas o fogaréu agora são eles”, relembra a servidora do IFMS.

Foto: Arquivo do Projeto e
Fomento
Um dos grandes propulsores dos projetos e seus desdobramentos é o aporte financeiro proveniente de diferentes esferas do poder público.
“Em 2025, até o momento, já somamos R$ 105 mil em recursos investidos nas atividades que envolvem o coletivo e outros projetos culturais que coordeno. Esse montante reflete não apenas o fortalecimento da rede de apoio, mas também o reconhecimento da relevância das nossas ações para a comunidade local e para o cenário cultural do estado”.
Os planos para 2025 também incluem a próxima edição do ‘Sarau IPÊ – Arte e Cultura LGBTQIAPN+’, evento que celebra a diversidade por meio de performances, poesia, dança, além de troca afetiva e política.
Nome Social
Antes de entrar no IFMS, Aurora já estava envolvida com o universo da arte como conselheira municipal e estadual de cultura, parecerista em editais culturais, gestora e produtora cultural, escritora, professora e artista.
Enquanto mulher trans, tomou posse no cargo de Assistente de Aluno do Campus Jardim em 2023, já utilizando o nome social, direito regulamentado a servidores, estudantes e demais usuários no âmbito da instituição.
“Quando me inscrevi para o concurso, eu já estava em processo de retificação de nome e gênero. Tomei posse utilizando o nome social, o que foi essencial para que eu fosse tratada com respeito e reconhecida da forma como me identifico. No crachá, por exemplo, já veio com o nome correto, o que demonstrou sensibilidade por parte da equipe naquele momento inicial”, relembra.
No entanto, Aurora relata que já enfrentou dificuldades em questões administrativas e episódios de preconceito explícitos e velados.
“Sinto que, embora o nome social seja um direito garantido, a instituição ainda pode avançar muito nesse campo. Não acredito que seja por má fé, mas por falta de formação e preparo. As pessoas precisam aprender, e isso só será possível com capacitações contínuas, campanhas educativas e ações específicas voltadas à diversidade e à inclusão. É necessário transformar a estrutura para que ela abrace todas as identidades com respeito e legitimidade”.

Foto: Arquivo Pessoal do Projeto
Diversidade
No país com o maior número de homicídios e suicídios de pessoas LGBTQIAPN+ (dados do Observatório do Grupo Gay Bahia), e que pelo 16º ano consecutivo foi considerado o lugar em que mais se mata pessoas trans no planeta (só em 2024 foram 122 assassinatos, segundo dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais), é cada vez mais fundamental e urgente promover a diversidade, inclusão e respeito.
Neste ano, pela primeira vez, a Semana da Diversidade LGBTQIAPN+ foi instituída como evento sistêmico institucional no IFMS. Sete campi submeteram propostas no edital de fomento para realização das atividades. Em Ponta Porã, o evento está sendo realizado nesta semana. Em Jardim, ocorrerá no início de setembro, sob coordenação da servidora Aurora. Em Campo Grande, a data prevista para a Semana da Diversidade será de 22 a 27 de setembro; em Corumbá, as atividades devem começar neste mês; já em Coxim, iniciativas para o projeto ‘Além do arco-íris: diversidade e inclusão no contexto educacional’, serão realizadas entre 13 de agosto a 19 de dezembro e em Nova Andradina a partir de cinco de setembro.
Como mensagem final, em alusão ao Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, Aurora deseja semear vivências num mundo sem medo, e o orgulho de ser quem se é, traçando um caminho de autoaceitação e de aceitação social.
“Não há nada mais bonito e libertador do que ser você mesma, em qualquer momento, em todos os lugares. Quanto mais você se ama, mais as pessoas ao seu redor também passam a te respeitar, a te admirar e a reconhecer seu valor. Que a gente confie mais em nós mesmas, na nossa capacidade, na nossa potência. Porque todos os espaços são nossos também. Nós podemos e devemos acessá-los — com orgulho, com coragem e com amor”. (Com informações da assessoria)
Por Carolina Rampi
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