Se hoje, nós, universitários das mais diversas áreas do conhecimento, pesquisadores, docentes, discentes, nos identificamos como “acadêmicos”, é porque há 23 séculos, nos jardins de Akademus, em Atenas, o filósofo grego Platão fundou sua escola de estudos filosóficos, a Academia. O objetivo de Platão era criar um centro de formação do cidadão ateniense, no sentido mais profundo e elevado: Ali deveriam ser espiritualmente formados livres pensadores, que buscassem a verdade, praticassem o bem e contemplassem a beleza. Os “reis-filósofos”, a classe de pensadores dedicados ao conhecimento e à virtude, que deveriam governar a Polis grega. A grande proto-universidade do mundo ocidental nasce como parte de um projeto que é, ao mesmo tempo e em igual medida, epistemológico e político. No ideal acadêmico original, as questões relativas ao “poder”, ao “conhecer”, ao “ser’ e ao “dever”, eram indissociáveis. Platão apregoou com clareza que a ciência deveria estar no centro da organização social do Estado. Enquanto Ciência e Virtude não se reunissem no centro da vida social e no exercício do poder, a sociedade sofreria males sucessivos.
Mais de dois mil anos depois ainda nos perguntamos: “O que é ciência e qual é o seu valor?” Não é possível compreender a pesquisa científica – e seu locus majoritário, a Universidade – sem pensar o lugar que a ciência ocupa – ou deveria ocupar – em um projeto de sociedade. Ainda que de forma indireta, as sociedades modernas têm se organizado em torno da ciência, e quase tudo que faz parte de nosso cotidiano, depende de algum modo do grau de desenvolvimento da pesquisa científica da sociedade em que vivemos. Desta feita, a Universidade é uma instituição nuclear, pois nela se preservam e disseminam as ciências, artes, letras e ofícios, e formam-se profissionais das mais diversas áreas do conhecimento. Sem Universidade forte, uma sociedade está terrivelmente condenada à pobreza, espiritual e material, e à precariedade. Se a Universidade não pode resolver tudo, tampouco é possível resolver os grandes problemas sociais, econômicos, ambientais, etc., sem ela.
Nenhuma sociedade moderna prosperou sem um projeto radical de valorização da pesquisa científica. Para tanto, a Universidade é estratégica, pois é nela que se formam os mestres e doutores, os professores, os variados profissionais que promoverão o avanço das ciências físicas, formais, humanas, em sua rica diversidade. Se a Universidade deve estar no centro de qualquer projeto de Nação que seja lúcido, viável e positivamente ambicioso, então devemos discutir que modelo de Universidade devemos promover.
Nas últimas décadas a Universidade tem sido capturada pela ideologia produtivista e utilitária, que valoriza resultados imediatos e defende grandes interesses financeiros, de corporações e Estados. A vida acadêmica foi “empresalizada”, ao passo que o valor da ciência passou a ser cada vez mais avaliado a partir de critérios sumamente econômicos e políticos. Será essa a universidade ideal? Qual deve ser nosso ideal de Universidade?
Nos encontramos em uma bifurcação. Um caminho, o do produtivismo utilitário, pode gerar muitos recursos imediatos, mas a médio e longo prazo, nos empobrecer espiritual e materialmente. O outro caminho, pensa a Universidade como casa da pesquisa básica, fundamental, do cultivo das ciências, artes e letras, uma instituição que sem se desconectar da dimensão pragmática do mundo contemporâneo, não abre mão dos valores platônicos de busca da verdade, do bem, da justiça, da beleza. Esse caminho, ao ter ambição política e autêntico interesse filosófico na expansão das fronteiras do conhecimento, valorizando a ciência básica, pode tornar viável a prosperidade social de modo sustentável. Até porque nenhum avanço tecnológico inovador e nenhuma riqueza material pode ser produzida sem o desenvolvimento do conhecimento científico no nível dos fundamentos.
É nesse sentido que o economista Carlos Lessa, ex Reitor da UFRJ, dizia que a Universidade não deveria se apequenar a ponto de se tornar uma “Casa de Máquinas” da sociedade, pois sua verdadeira vocação é a de ser a “Cidade do Espírito”. Eis um belo Ideal de Universidade!
Vinícius Carvalho da Silva é Doutor em Filosofia pela UERJ, professor do Curso de Filosofia da UFMS. Coordenador do Grupo de Pesquisa Physikós. Email [email protected]
Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.
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