A literatura indígena em Mato Grosso do Sul

Foto: reprodução
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O Estado de Mato Grosso do Sul, segundo dados do Censo Demográfico 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresenta a terceira maior população de indígenas do Brasil, somando 116,3 mil habitantes, representados por 08 etnias: Guarani, Kaiowá, Terena, Kadiwéu, Kinikinau, Atikun, Ofaié e Guató. Nessa diversidade étnica, as manifestações artísticas e culturais, tais como a cerâmica, a cestaria, a dança, o canto, o grafismo, a narrativa, a reza, entre outras, sempre fizeram parte de suas vivências, em especial a literatura oral. Registra-se que as narrativas orais, transmitidas pelas vozes dos mais velhos das comunidades indígenas, portadores das memórias de seus ancestrais e da tradição, atravessaram séculos até serem impressas e começarem a circular nas escolas, para romper o silenciamento e invisibilidade dos povos indígenas.

A literatura escrita de autoria indígena no Brasil surge na década de 1990, resultado de muitas lutas dos movimentos dos povos indígenas, demarcadas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, expandindo-se a partir de leis que lhes garantem uma educação diferenciada. Essa produção literária se amplia no século XXI com alguns avanços no Brasil, mas ainda com muitos desafios para seu reconhecimento e crescimento. Destaca-se como uma conquista relevante a lei 11.645, aprovada em 2008, que estabeleceu a obrigatoriedade de se tratar a temática indígena na escola básica, fomentando a produção e o surgimento de novos escritores. Hoje temos várias obras de autoria indígena circulando nas escolas, compradas por meio de programas governamentais de incentivo à leitura.

Assim, a escrita que antes estava a serviço da classe dominante, é apropriada pelos indígenas e transformada em instrumento de luta. Literatura indígena escrita é uma maneira de registrar e preservar a memória dos povos indígenas, conectando o passado com o presente, contando as histórias antigas e atuais. Nessa perspectiva, as vozes indígenas partilham saberes coletivos de suas diversas etnias para um bem viver, além de combater preconceito e estereótipos de como muitas pessoas ainda veem os indígenas.

Em mapeamento que temos realizado sobre a literatura indígena em Mato Grosso do Sul, observamos uma peculiaridade que é o fato de existir mais publicações coletivas do que individuais, impulsionadas por projetos desenvolvidos por pesquisadores da UFGD, UFMS e UEMS, que registram as vozes indígenas em publicações acadêmicas.

Como autores individuais nas letras sul-mato-grossenses destacam-se Atanásio Teixeira e Izaque João, com a obra “Cantos dos animais primordiais” (2022), selecionada pelo PNLD Literário; Gleycielli Nonato, Benilda Nascimento, Jade Ribeiro e Allan Lopes Ramos. Nas manifestações orais, grupos musicais como Brô MC’s e Anarandà MC se valem do rap para dar visibilidade aos problemas enfrentados pelas suas comunidades.

Como se vê, apesar de os povos indígenas serem protagonistas de suas próprias histórias, ainda há muitos obstáculos a serem superados. O número de obras indígenas impressas em MS ainda é incipiente, mesmo se considerarmos o material produzido pelas universidades. Para expansão de escritores indígenas é necessário que haja incentivo à leitura e à escrita dentro das próprias comunidades, somado a participação em programas federais. Por fim, é urgente que o governo de MS, assim como as prefeituras, cumpra o papel de fomentar políticas públicas para a produção e a circulação da literatura de autoria indígena nas escolas municipais e estaduais.

Célia Regina Delácio Fernandes é Professora titular no curso de Letras da UFGD e Colaboradora na Faculdade Intercultural Indígena – FAIND\UFGD. E-mail: [email protected]

Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.

 

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