Medo de comunismo e ‘insegurança’ facilitaram plano golpista, avaliam cientistas

Invasão às sedes dos três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023 — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/08-01-2023
Invasão às sedes dos três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023 — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/08-01-2023

Democracia brasileira ainda é jovem e precisa galgar muitos passos, avalia especialista

Com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), removendo o sigilo do relatório da PF (Polícia Federal), foi dado luz sobre as articulações da organização criminosa que planejava manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder através de um Golpe de Estado, após as eleições de 2022. As principais estratégias utilizadas, eram a descredibilização do processo eleitoral e propagação de fake news sobre o Poder Judiciário nacional.

O Jornal o Estado conversou com especialistas em comportamentos dos sistemas políticos, que entre suas análises, apontaram medo da população de uma “volta do comunismo, que nunca houve” e instabilidade institucional com relação ao Poder Executivo da gestão anterior, comandada por Jair Bolsonaro.

O professor, doutor de ciência política da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), Ailton Souza, lembrou que os envolvidos utilizavam estímulo de suas mensagens, especialmente pelas redes sociais, como WhatsApp, o X (antigo Twitter), Youtube, inclusive com apoio de youtubers, para criar um cenário de que haveria ilegalidade no processo eleitoral, “portando, poderia ser derrubado e as forças militares foram as escolhidas para legitimar a democracia no nosso país”.

Ele evidenciou a fata de regulação sobre fake news, que facilitou a manipulação de parte da população na narrativa golpista. “Nós não tivemos no Brasil a proibição de fake news, que foi associada a liberdade de expressão, especialmente pela extrema direita, mas são coisas antagônicas. É uma questão que não passou pelo nosso Congresso Nacional, e se tornou um grande problema. Essas pessoas já sabem que há uma massa de manobra, uma manipulação mais fácil de grupos sociais, que não têm um maior tempo de assimilar o conteúdo de informação que recebem todos os dias, e isso independe de classe social”, explicou. “Ameaça comunista e eleição ilegítima estavam nesse pacote de desinformação. Nessa eleição de 2022, tivemos um receio de comunismo crescendo”.

Ainda segundo o professor, essa instabilidade e a não punibilidade, “mostra um perigo latente de que amanhã, qualquer pessoa inconformada com a situação do país, pode se organizar para tentar um golpe”. “A Justiça tem que deixar muito claro, como consta na Constituição, que essas ações são crimes, e vão ser punidos toda vez que ocorrerem”.

Apesar de ter seu pico em 2022 com a manifestação nas ruas, em frente aos quartéis e em 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação dos Três Poderes em Brasília, o estratagema golpista começou em 2019. “O cenário de insegurança foi trabalhado longo do governo Bolsonaro, criou-se um panorama, agora muito mais abrangente do que em 1994/1998, do fantasma do comunismo, que sempre era pauta. Logo essas estratégias adotadas por grupos na disputa política foi mais psicológica através das redes sociais utilizando dos algoritmos, não é a toa o total de valores investidos nestes canais”.

Estabilidade da democracia
O advogado, jornalista e cientista político, Tércio Albuquerque apontou que apesar da instabilidade do Executivo no mandato de Jair Bolsonaro de 2018 a 2022, as demais instituições se mostraram sólidas. “O Brasil demonstrou que o Congresso Nacional, Poder Judiciário e até o próprio Executivo têm sua estabilidade, o que houve foi uma instabilidade institucional com relação ao Poder Executivo anterior que tinha uma dificuldade em aceitar o resultado das urnas, então planejou isso tudo para se manter no poder e transformar o país em uma ditadura, isso era a pretensão”.

Tércio lembra que a estratégia golpista falhou, principalmente, porque o ex-presidente deixou o país no final de 2022, para evitar a prisão, conforme entendimento da Polícia Federal, em relatório. “Caso contrário, poderia sim ter havido uma ruptura democrática, mas ele não se sentiu seguro e abandonou o país e todos aqueles que o acompanhavam”.

Para o cientista, a democracia brasileira, ainda precisa galgar muitos passos. “Ela está estável, mas é muito jovem, precisa amadurecer, se fortalecer, para se transformar efetivamente numa democracia que não sofra diante desses reveses eventuais. Não é de se aceitar nunca que haja manipulação por parte dos detentores do poder político”, concluiu.

O relatório de 884 páginas da Polícia Federal foi enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), e pode virar denúncia ou ser arquivado. Em caso de denúncia, o processo será encaminhado para instrução ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Por Carol Chaves

 

Confira as redes sociais do O Estado Online no Facebook e Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *