O teatro de Mato Grosso do Sul perdeu na manhã de sexta-feira (20), a atriz e diretora Elisabeth Cristina Chiesi Terras, conhecida como Beth Terras, aos 65 anos. Dona de uma carreira consolidada tanto nos tablados do teatro, quanto na televisão e cinema, Beth deixa um legado para a cultura do Estado e para a classe artística.
Nascida no Rio de Janeiro, em 3 de maio de 1959, mas de MS no coração, Beth era formada em Educação Física, Letras e Direito, tendo começado no mundo das artes desde cedo.
“Comecei na TV, depois que fui para o teatro e depois cinema. Então tenho uma bagagem. Na televisão, eu entrei para fazer figuração, aos 15 anos, meu avô já era ator, fez vários filmes de ‘Mazaroppi’. Fiquei oito anos na TV Tupi, aí o Gianfrancesco Guarnieri me tirou da tv para levar para o teatro, e eu falava que não queria, que estava acostumada com televisão. Mas ele insistiu, disse que eu era boa nisso. Tremia como uma vara verde, morria de medo, porque era diferente. Só que começou a entrar o vírus do teatro nas minhas veias, fui a única neta que puxou isso do meu avô Domingos Terras. Fui me aperfeiçoando e estudando”, disse a atriz em entrevista ao jornal O Estado, concedida em julho deste ano.
Entre seus diversos trabalhos, Beth chegou a fazer a novela ‘O Espantalho’, de Ivan Ribeiro’, em 1979, com grandes nomes da dramaturgia brasileira como Nathalia Timber, Eva Wima e Carlos Alberto Ricelly.
Ao lado de Ângela Rodrigues Alves, a atriz passou por um período como apresentadora, no programa ‘Mulheres’, ainda na TV Tupi. Como ela relata, após o convite de Guarnieri, Beth estreia no teatro com a peça ‘Cama Molhada de Paixão Calada’, de Leilah Assunção, sendo um sucesso de público na época.
Em 1995, a atriz deixou a capital paulista e se radicou em Campo Grande (MS), onde passou a integrar o Grupo Teatral Unicórnio, de Jair Oliveira. Durante os oito anos que permaneceu no grupo, recebeu grande prêmios, como de atriz revelação com o espetáculo “A Vassoura da Bruxa”.
Beth ainda realizou diversos trabalhos no cinema, entre eles, o longa-metragem “Carmo”, com Marcio Garcia rodado em Corumbá (MS). O último trabalho realizado foi o longa “Cabeça a Prêmio”, com direção de Marco Ricca, também rodado em MS.
Mas, Beth não se contentou em apenas subir aos palcos, ela também queria jogar luz a outros talentos e ensinar as futuras gerações de atores e atrizes. Em 2002 ela fundou a Cia Teatral Ator Domingos Terras, a Adote, para ensino de teatro de jovens e adultos, onde ganhou diversos prêmios como melhor direção, atriz, roteiro, além de outras categorias.
Complicações
Em agosto, a atriz sentiu fortes dores na perna, sem uma causa definida. Ela procurou uma Unidade de Pronto Atendimento mais de uma vez, onde foram prescritos antibióticos e pomadas, mas sem melhora. Ainda com dores, ela acionou o Samu e foi encaminhada para o Hospital Regional, devido a uma infecção na perna, que se espalhou, tornando-se generalizada.
No início de setembro, ainda internada, Beth passou por avaliação médica e precisou amputar a perna, por conta da infecção bacteriana. No feriado do dia sete de setembro, a atriz ainda postou em suas redes sociais sobre sua recuperação, e que estava respondendo bem a medicação. “Peço que vocês me coloquem em suas orações e não quero que tenham pena ou dó quando me verem, quero boas energias e palavras de positividade”, disse na publicação. Além da infecção, Beth também apresentava um quadro de diabetes em alta, o que pode ter comprometido o quadro de saúde.
A atriz e produtora Fernanda Kunzler acompanhou o caso desde o início e participou da campanha de arrecadação de doações em prol de Beth. Ao jornal O Estado, ela recorda de como conheceu uma das pioneiras do teatro no MS. “A Beth sempre foi uma mulher forte, aguerrida e a frente de seu tempo. A conheci assim, de batom vermelho, fala potente, com tom de ‘besteira’, dúbio, um cigarro entre os dedos. Falando alto num intervalo de oficina teatral no Centro Cultural José Octávio Guizzo”.
Kunzler ainda destaca que o jeito intenso e cheio de humores deixarão marca e saudade em quem a conheceu. “Ela arrasta um público jovem! Todos ficam encantados com ela. Porque ela promove o sonho de ser artista! Ator e atriz! Sempre na labuta do trabalho de base artística, formando elencos e levando-os/as para testes em SP e RJ, acredito que uma entrada que só ela tem por aqui… (No teatro). Ela consegue a proeza de apresentar aos artistas que estão sendo formados/as por ela a possibilidade de sonhar mais! São muitos anos de sua história!”.
Nas redes sociais, a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul publicou nota de pesar, com texto sobre a trajetória e prêmios. “Seu legado artístico e humano ficará marcado para sempre. Neste momento de dor, expressamos nossa solidariedade aos amigos, familiares e a todos que tiveram o privilégio de conhecer e trabalhar com essa grande artista”.
“São muitos anos e muitas risadas que ela despertou… Sempre irreverente! Participou de muitas manifestações, atos pela cultura, abriu sua casa para várias reuniões do Colegiado de Teatro! Com certeza temos muitas memórias boas com Beth…. As mais inesperadas! Ela foi homenageada pelo teatro já, temos a felicidade de ter feito esse reconhecimento merecido ainda em vida! Ela deixa sua marca e contribuição na história do teatro sul-mato-grossense. Mesmo internada, e já com a perna amputada, ela mandou um áudio cheio de humor e desejo pela vida. Embora seja uma situação triste, e sentiremos sua passagem. Ela não gostaria de tristeza!”, finalizou Kunzler.
In memorian
O grupo de teatro Senta que o Leão é Manso, um dos mais antigos de Mato Grosso do Sul, realizou ontem (20) a encenação da peça de comédia ‘A Revolução das Mulheres’, no Teatro Aracy Balabanian, em homenagem a Beth Terras. Inicialmente, a apresentação seria para captar recursos e doações.
Neste sábado (21), o grupo realiza a segunda apresentação do espetáculo, in memorian e para arrecadar fundos para o funeral. O espetáculo será às 19h30, com entrada gratuita, e é uma adaptação da peça do grego Aristófanes, do século V a.C.
A nova peça do grupo teatral da UCDB foi adaptada por Marcelo Piccolli a partir de um texto de Aristófanes, em que as mulheres, cansadas da guerra entre Atenas e Esparta, decidem fazer uma greve e se isolam em uma área, gerando situações divertidas. A direção geral é de Roberto Figueiredo, com assistência de direção de Thiago Medina.
“Recebemos com tristeza a notícia do falecimento da atriz, diretora e grande parceira Beth Terras. Uma mulher a frente do seu tempo e sempre um exemplo pela luta e valorização da arte em Mato Grosso do Sul”, pontuou Figueiredo..
Até o fechamento desta matéria não foram repassadas informações sobre o velório e sepultamento.
Esperança
Beth Terras falou mais uma vez para o jornal O Estado para o especial de aniversário de Campo Grande. Questionada sobre o que ela esperava do futuro na cultura do município, ela desejou um olhar mais cuidadoso no segmento das artes cênicas, com mais incentivos ao teatro e espaços para apresentações.
“Como artista percebi que é possível ter melhorias na minha área. O artista fica muito decepcionado com a estagnação do setor cultural como um todo […] É fato, sem cultura e sem educação não existe nada, cultura é essencial para a vida das pessoas inclusive se o futuro prefeito e vereadores derem mais importância e mais atenção à cultura em todas suas vertentes da arte, seja artes cênicas, música, artes plásticas entre outras, a vida das pessoas passaria uma mudança positiva em todos os aspectos”, finalizou a artista.
Agora, a atriz e diretora deixa um legado inestimável para toda a cultura do Estado, e será lembrada pela voz ativa, talento e promoção da arte. Até o fechamento desta edição não recebemos informações sobre o horário e o local do funeral.
Por Carolina Rampi
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