A Hora da Estrela: espetáculo baseado em obra de Clarice Lispector está em cartaz no Teatro Allan Kardec até amanhã

A Hora da Estrela - Foto: Vaca Azul/divulgação
A Hora da Estrela - Foto: Vaca Azul/divulgação

A frase final de ‘A Hora da Estrela’, “Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos”, ganha vida nos palcos até amanhã, no Teatro Allan Kardec apresentando a adaptação teatral do último livro de Clarice Lispector, que mistura tristeza e doçura com a sensibilidade única, que só a dama da literatura brasileira poderia proporcionar. A produção é uma colaboração da equipe do Arrebol Cultural da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

A Hora da Estrela – Foto: Vaca Azul/divulgação

O Arrebol Cultural da UEMS apresenta no palco quatro atores e seis personagens na adaptação de “A Hora da Estrela”. Lançado pouco antes da morte de Clarice Lispector, em 1977, o livro também serve como uma despedida da autora. A trama acompanha Macabéa, uma jovem alagoana órfã, virgem e solitária, criada por uma tia autoritária que a leva para o Rio de Janeiro. Vivendo reclusa e buscando consolo na Rádio Relógio, Macabéa reflete a solidão e a infância no Nordeste, espelhando as experiências pessoais de Clarice Lispector.

O livro já conta com uma adaptação cinematográfica lançada em abril de 1986. A comédia dramática, foi dirigido e roteirizado por Suzana Amaral, e tem no elenco Marcelia Cartaxo, José Dumont e Tamara Taxman. Considerado um dos clássicos do cinema nacional, “A Hora da Estrela” foi nomeado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

Do Livro para o Palco

Na transposição do livro para o teatro, a adaptação de “A Hora da Estrela” optou por manter o narrador, diferentemente de um texto dramático tradicional. O romance não é extenso, e foram priorizados os momentos de tensão, mas toda a trajetória de Macabéa foi cuidadosamente trazida para o palco, especialmente com o suporte do narrador.

Essa decisão visa preservar a importância do narrador na narrativa e trazer a própria Clarice Lispector para o palco, conferindo à produção uma qualidade única ao mesclar o relato com a autorreflexão do narrador.

Coordenador do projeto Arrebol Cultural e diretor do espetáculo, Fernandes F, explica que o cenário e a direção de arte foram cuidadosamente elaborados para capturar o contraste entre a vida de Macabéa no Nordeste e sua experiência no Rio de Janeiro. “Utilizamos várias marcações com objetos de cena e contamos com o apoio da iluminação. No entanto, o desempenho dos atores também é fundamental para transmitir essas transições”, afirma Fernandes.

A presença de quatro atores e seis personagens no palco é essencial para dar vida à história de “A Hora da Estrela”. Fernandes explica que são utilizadas estratégias específicas para representar os diversos personagens e suas interações no formato teatral. “Alguns atores interpretarão mais de um papel, o que aumenta o desafio, mas também oferece uma oportunidade para a criatividade”.

O diretor ressalva que a protagonista, Rafaela de Oliveira, mergulhou tão profundamente na personagem que, durante os ensaios, passou a incorporar Macabéa de maneira notável, refletindo sua doçura e tristeza em seu corpo, voz e olhar. “Buscamos uma trilha sonora que capture a solidão da protagonista. Em particular, nas cenas com Olímpico, tentamos enfatizar a profundidade da solidão que Macabéa experimenta”, detalhou Fernandes.

O espetáculo visa criar uma conexão emocional profunda com o público através da história de Macabéa, apresentando momentos projetados para provocar reflexões ao longo da peça. Cada diálogo é projetado para ser ouvido com “os ouvidos da alma”, dado que é a própria Clarice Lispector quem fala através deles.

A Hora da Estrela – Foto: Vaca Azul/divulgação

Fernandes explica que, ao manter a presença do narrador, muitas das narrativas que originalmente estavam no discurso indireto foram transformadas em diretas. “Priorizamos os confrontos com Olímpico e Glória, a colega de trabalho. Esses diálogos são essenciais para refletir a introspecção da obra. A montagem oferece várias pistas sobre essa transição, especialmente através dos diálogos, minimizando a dependência de cenários. A partir dessa escuta silenciosa, é impossível não se envolver e não se apaixonar por Macabéa”, detalha Fernandes.

Conheça Macabéa

A atriz Rafaela Oliveira dará vida à triste e ingênua alagoana Macabéa. Sua preparação para o papel envolveu uma profunda imersão, refletindo sobre muitas facetas da personagem que encontrou ao longo de sua vida. A atriz assistiu ao filme e leu o livro para captar as nuances necessárias para construir a personagem.

Oliveira explica que, para criar sua versão de Macabéa, ampliou a expressão corporal, o gestual e a movimentação da personagem em cena. A direção de Fernandes F. também contribuiu para esse processo criativo, orientando-a a explorar um espaço interpretativo único. Segundo Oliveira, a interpretação não visa uma comparação direta com a Macabéa do cinema, que possui outras camadas e caminhos para alcançar o público.

“A Macabéa no palco revela novas nuances, pois o texto é tão forte e, podemos dizer, até atemporal, refletindo muitas Macabéas que existem por aí. Em alguns momentos, vejo camadas da personagem que ressoam com minha própria experiência. Ela é uma figura muito genuína, que carrega um grande sonho, apesar de todas as adversidades e oposições que enfrentou desde o nascimento”, relatou Rafaela à reportagem.

Adaptar um texto literário para o teatro oferece a flexibilidade de adicionar ou remover passagens, conforme as perspectivas dos envolvidos e a direção do espetáculo. No teatro, a vida de Macabéa é externalizada, com os personagens materializados no palco, enquanto no livro, Macabéa é interpretada de forma mais pessoal e subjetiva pelo leitor.

Isso significa que aqueles que já leram o livro ou assistiram ao filme “A Hora da Estrela” podem ter uma narrativa pré-concebida em mente. No entanto, no palco, há a liberdade de criar e reinterpretar, utilizando referências enquanto se evita simplesmente reproduzir o que já foi feito.

“Macabéa, nas mãos de Clarice Lispector, nos transporta para uma narrativa que combina a leveza da literatura de cordel com a dureza das histórias de quem nasce no sertão. O maior desafio para mim é representar a vida de Macabéa de forma autêntica e séria, mesmo diante das situações que podem parecer engraçadas. É crucial manter a concentração para que nem o elenco, nem eu sejamos desviados do tom de seriedade necessário para a peça”, explicou Rafaela.

Quando Macabéa se muda para o Rio de Janeiro e começa a trabalhar como datilógrafa em um escritório, ela inicia a descoberta do mundo ao seu redor. Passa a frequentar o cinema, explorar a cidade em sua solidão e observar o que está à sua volta. Apesar de sua ingenuidade, ela mantém uma crença genuína nas pessoas.

“Atualizando Macabéa para os dias de hoje, sua ingenuidade e curiosidade, exemplificadas por sua atenção à Rádio Relógio e seu olhar atento ao mundo, são características que muitas vezes nos faltam. A esperteza é geralmente valorizada, e a falta de conhecimento pode levar à dúvida sobre a capacidade de alguém”, destacou.

Ainda sobre a personagem, Rafaela complementa, “Macabéa possui paciência e um tempo próprio, algo que é raro e admirável. Apesar de ter enfrentado inúmeras negações e de sua própria existência ser frequentemente desconsiderada, ela continua buscando descobertas e, surpreendentemente, sonhando, mesmo sem ter sido ensinada a sonhar”.

Todos os envolvidos no projeto esperam que o público perceba a existência de Macabéa e das outras cinco personagens que dão vida à narrativa. Macabéa, que desde a infância enfrentou constantes apagamentos, agarrou-se à sua própria existência para conseguir viver. O desejo é que o público tenha um olhar afetuoso para ela e para suas escolhas, mesmo que, em alguns momentos, não compreenda por que ela não se afastou de certas situações.

“Estamos realizando este projeto para o público, dedicando-nos integralmente a “A Hora da Estrela” para que chegue de maneira impactante às pessoas. Queremos que o público vivencie o espetáculo da mesma forma intensa e gratificante que nós vivemos durante sua criação. O elenco está altamente sintonizado e comprometido em trazer essa narrativa à vida, proporcionando uma experiência enriquecedora para todos”, finalizou Rafaela.

Serviço: O espetáculo será realizado até amanhã, às 20h, com duração de 60 minutos e classificação etária de 10 anos. A direção é de Fernandes F. Os ingressos podem ser adquiridos através do link: https://linktr.ee/arrebolcultural_uems. Mais informações estão disponíveis no perfil do Arrebol Cultural UEMS no Instagram.

 

Por Amanda Ferreira

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