O MIS (Museu da Imagem e do Som), da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, deu início na última terça-feira às comemorações dos cem anos de Helena Meirelles com uma série de eventos, que incluíram exposições artísticas, apresentações musicais e festividades. Se você não teve a oportunidade de participar dessas atividades, ainda pode explorar o legado de Helena Meirelles pelas ruas de Campo Grande.
Como parte das celebrações, o projeto dedicou-se a levar a homenagem aos 100 anos da violeira para o espaço urbano da cidade. Diversos pôsteres no estilo lambe-lambe, criados pelo artista visual Kelton Medeiros, foram espalhados por paredes e postes em diferentes locais de Campo Grande, oferecendo uma nova maneira de apreciar a arte e o legado de Helena Meirelles.
As homenagens à Helena Meirelles começaram em 13 de agosto com uma sessão solene na Assembleia Legislativa, onde foram concedidas comendas a destacados músicos sul-mato-grossenses, em reconhecimento ao legado de Meirelles. No dia 15, as celebrações prosseguiram na Concha Acústica Helena Meirelles com a apresentação do Quarteto Instrumental Prelúdio e a participação da violeira Elizeth Gonçalves.
Também foi inaugurada exposição do artista visual Kelton Medeiros, patrocinada pelo Fundo de Investimentos Culturais (FIC), que celebra a lenda de Meirelles através da arte contemporânea com os cartazes lambe-lambe. As festividades culminarão em 16 de agosto com o III Festival da Canção das Escolas Estaduais, destacando o impacto contínuo de Helena Meirelles na música e na educação musical.
Wanda Brito, coordenadora da Concha Acústica e idealizadora do evento, descreveu a realização do projeto como a concretização de um sonho.“Para nós, é um grande presente realizar este evento. Visitamos museus, incluindo o de Helena em Bataguassu, e organizamos uma exposição no MIS com Bolivar Porto. A colaboração com Kelton Medeiros foi essencial para preservar a memória de Helena Meirelles, cuja obra ainda é pouco conhecida. O projeto evoluiu e resultou nesta homenagem, com a participação especial de Elizeth Gonçalves e Maestro Martinelli”, explicou Wanda.
Arte urbana
O lambe-lambe, também conhecido como cartaz de rua, é uma forma de arte que ganhou relevância nas cidades brasileiras durante a época da ditadura militar nos anos 60 a 70, onde os ativistas usavam o lambe-lambe como forma de expressão a repressão ao regime autoritário. Com origem na França, onde é chamado “de affiche”, essa técnica envolve a criação de cartazes em papel, frequentemente confeccionados à mão e colados com spray. Esses cartazes são então afixados em superfícies públicas como muros, postes e tapumes.
O lambe-lambe é uma técnica versátil utilizada para explorar uma ampla gama de temas, incluindo questões políticas e sociais, arte urbana, poesia, eventos culturais e promoções de serviços. Essa forma de expressão proporciona um panorama vibrante e dinâmico da cultura urbana. A intervenção urbana com lambe-lambe visa integrar a arte ao cotidiano das pessoas, tornando-a mais acessível e encorajando uma maior apreciação e consumo da arte no dia a dia.
A jornalista Juliana Aguiar, que diariamente percorre a Av. Eduardo Elias Zahran a caminho do trabalho e de volta para casa, comentou sobre o impacto dos lambe-lambes dedicados a Helena Meirelles. Ela destacou que a arte provocou um forte sentimento de representação e identidade sul-mato-grossense, refletindo o legado duradouro da artista para o Estado.
“Eu vi os lambe-lambes de Helena Meirelles na Av. Eduardo Elias Zahran e perto do shopping na Av. Afonso Pena. Achei a ideia excelente, pois Helena é um dos ícones culturais de MS. Mesmo após sua morte, o impacto de sua obra continua relevante. Ela foi uma mulher à frente de seu tempo de várias maneiras”, afirmou Juliana.
O artista
Kelton Medeiros é o artista visual por de trás dos lambes espalhados pela cidade. Medeiros escolheu os espaços devido a sua infância e juventude ter sido passada no pantanal do Nabiléqui. Lá, ele se locomovia a pé ou de bicicleta, observando a arte e as expressões naturais nos entalhes de morros e rios, no comportamento dos animais e nos caminhos que percorria até a escola agrícola.
“Quando me mudei para a cidade, continuei andando a pé e de bicicleta. Ao passar pelos locais urbanos, via formas no contorno do concreto, do asfalto e dos postes. Se tenho uma caneta por perto, faço um esboço na mão e depois, com calma, começo a estruturar o trabalho no local. No entanto, nunca sigo o esboço exatamente; sempre faço mudanças enquanto finalizo o trabalho na parede”, refletiu Kelton.
Grande parte das séries de Kelton reflete sua vivência pessoal que veio de uma família da classe operária rural que se mudou para MS no final dos anos 80. Kelton e seus irmãos cresceram imersos na cultura pantaneira, tendo contato com peões de comitiva, cerqueiros braçais e senhoras que trabalhavam em pensões e ouviam fitas K7 e rádios com diversos estilos de música caipira.
Foi durante esse período que Helena Meirelles começou a fazer parte de sua vida. No entanto, Kelton só viu uma imagem dela pela primeira vez na televisão, onde ficou impressionada com a expressão marcante do olhar de Helena.
“Os lambe-Lambes que faço são em sua grande maioria inspirado na tipografia, grande parte da minha produção é feita em máquinas tipográficas do século passado e com fontes usadas na primeira era da impressão industrial, porém uso cores e traços da tipografia sul-americana, para mim as mais belas cores do mundo” explicou o artista.
Kelton afirma que o lambe-lambe é uma das formas mais democráticas de expressão artística, oferecendo acesso a uma ampla gama de técnicas de impressão e a possibilidade de compartilhar o trabalho com diferentes partes do mundo.
“Recebo convites dos mais variados lugares para festivais e oficinas. Os gringos adoram as cores e degrades das impressões sul-americanas e principalmente dos formatos das fontes, que é bem característico da América do Sul. Com o advento de impressões em grandes formatos nos possibilitou criar personas com melhor qualidade e também características que antes dos anos 70,80 era mais restrito”, destacou.
Quem foi Helena Meirelles?
Helena Pereira Meirelles nasceu em Campo Grande no dia 13 de agosto de 1924, mas foi criada em Bataguassu. Desde cedo, desenvolveu uma paixão pela viola caipira, aprendendo a tocar às escondidas, pois sua família não aceitava o instrumento.
Após dois casamentos que não deram certo, Helena dedicou-se completamente à música, deixando seus filhos com os pais para seguir sua carreira musical. Por 30 anos, manteve-se afastada da cena pública até ser redescoberta por sua irmã, momento em que se mudou para São Paulo.
Apesar de sua dedicação à música desde a infância, foi apenas aos 67 anos que Helena ganhou reconhecimento significativo quando a revista norte-americana “Guitar Player” notou a artista. Ela então produziu três álbuns entre 1994 e 1997, sendo incluída na lista das “100 mais” pela mesma revista em 1993, destacando-se por sua habilidade nas violas de várias cordas. Helena faleceu em 2005 devido a uma pneumonia crônica aos 81 anos.
“Para mim, Dona Helena é uma artista extremamente à frente do seu tempo. Ela ocupa um lugar na história da música comparável a figuras como Rosetta Tharpe, Joan Jett e Lady Bo, e, sem dúvida, na história da comunidade pantaneira, é uma das personalidades que mais leva o nome de Mato Grosso do Sul ao redor do mundo. A música dela, em algum momento da vida de alguém, fará a diferença. Grande pantaneira e violeira, Dona Helena, um salve eterno para a senhora, do Porto 15 e de tantas outras comunidades pantaneiras”, finalizou Kelton.
Serviço
Além dos lambe-lambes espalhados pela cidade, a exposição artística realizada na Concha Acústica, no Parque das Nações, permanecerá em exibição por tempo indeterminado. Todos estão convidados a visitar e apreciar o legado de Helena Meirelles, que agora está acessível para o público de forma contínua.
Por Amanda Ferreira
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