Família troca bomba e poço por água encanada e resgata dignidade

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De adquirir água mineral ou pegar da vizinha em poço, família agora tem água encanada. Foto: Rayani Santa Cruz

Mãe dependia da vizinha para ter água em casa e ainda tinha medo pelo bebê, mas tudo mudou

“Era um sofrimento, tínhamos que comprar água mineral para o Matheus* porque não queríamos correr o risco de que ele ficasse doente. Mas nós usávamos a do poço para cozinhar, beber e todos tomavam banho. Até para encher a banheira do bebê era difícil”, conta Júlia Alves*, de 33 anos, que conseguiu trocar a bomba e a água de poço artesiano sem tratamento pela ligação de água potável em sua residência. A conquista veio nesta semana.

Com a vida financeira humilde, ela gestante e o marido, de 28 anos, foram morar numa casa cedida pela família, no bairro Aero Rancho, após a morte do sogro, em 2022. O problema é que a casa não tinha cavalete para captar a água de qualidade fornecida pela concessionária e eles, de imediato, aceitaram pegar o líquido da vizinha, que possui poço artesiano, mesmo o uso sendo vedado pela legislação.

Júlia sente vergonha de contar a história e até receio de ser julgada pelas pessoas, por isso desejou que a reportagem não divulgasse seu nome verdadeiro. A vontade foi respeitada e os nomes do texto são fictícios. A jovem explica que foi morar na residência, mas não tinha ideia de que o local estava com um imbróglio referente à matrícula com a concessionária, com multas diversas por ligação irregular e dívida alta do antigo morador, que havia falecido.

“Viemos após o falecimento do meu sogro. Estava com três meses de gestação e aceitei usar a água do poço artesiano que ele já pegava emprestado. Quer dizer, ajudamos a pagar a conta de luz da vizinha pela bomba e ficamos todo esse período com aquela água, mas não foi bom porque tomei consciência dos riscos e tinha medo do meu filho pegar alguma doença, por isso passei a comprar água para fazer a mamadeira e dar banho.”

Ela mostra o cano aposentado que levava a água do artesiano até a caixa d’água, diz que sentia vergonha ao receber visitas e até mesmo receio de contar que vivia daquela forma.

“É triste, porque em pleno 2023 eu dependendo disso. Cansei de chegar em casa de tarde, não ter água na caixa e a vizinha não estar na casa dela para ligar a bomba e puxar. Minha mãe, minhas irmãs me criticavam muito, por eu não me organizar com as contas e poder negociar essas dívidas que ficaram do sogro, para ter um mínimo de dignidade. Elas não tomavam água na minha casa quando vinham”, lamenta.

Atendimento foi fundamental para mudança de patamar da família

Júlia explica que parte do salário-mínimo que ganha como assistente era para a compra de galões de água, garrafas de água mineral, remédios para o filho, leite e alimentação, por isso, por mais que desejasse acertar as coisas, só conseguiu regularizar as contas graças a um bom atendimento que ela e o marido receberam na Agência Central da Águas Guariroba.

“Fomos até lá, levamos o atestado de óbito e explicamos que éramos assalariados. Eles mostraram que tinham várias multas de ligação irregular e cortes também. O valor estava em quase R$ 5 mil, mas graças a Deus, nos deram desconto e parcelaram em várias vezes. A menina que atendeu explicou tudo certinho e foi bem atenciosa. Foi um alívio saber que eu poderia ter, finalmente, a ligação naquele dia”, relembra ela, que finalmente “aposentou” o poço da vizinha. “Até a vizinha ficoumais tranquila, porque ela já queria parar de usar também, mesmo que fosse só para o quintal. A gente sabe que é errado, mas usei por falta de opção, mesmo.”

Instalação de hidrômetro traz alívio 

Logo depois que os técnicos da Águas Guariroba colocaram o cavalete, foi uma alegria só para toda a família. Júlia encheu as garrafas de água e aproveitou para lavar a casa toda e se refrescar por conta do calor. “Literalmente, de alma lavada. Meu sentimento é de alívio e alegria de poder dar o mínimo para o meu filho. De poder encher a banheira dele e cozinhar de forma tranquila. Agora, só falta encanar dentro de casa e ficará ainda melhor.”

O pai de Júlia se comprometeu a instalar o encanamento para dentro da casa. E assim, essa história terá um final positivo para a família, que alcançou a dignidade pela simples, mas essencial instalação de água potável em casa. Ainda faltam canos, que leve a água até a caixa, mas não falta a luta dessa família para ter um bem tão precioso como a água de qualidade, e isso é louvável.

O que diz a legislação de Mato Grosso do Sul em relação à água de poços?

O gerente de Recursos Hídricos do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), Leonardo Sampaio Costa, disse, ao jornal O Estado, que o órgão desempenha um papel crucial na orientação dos cidadãos sobre a utilização adequada da água subterrânea na região. “Nós atuamos com fiscalização e regulamentação da perfuração de poços artesianos, assegurando que sejam realizados de maneira segura e conforme as normas estabelecidas. A atuação coordenada entre o Imasul, Semadur e outros órgãos é fundamental para promover a conscientização da população sobre a importância do abastecimento de água potável encanada e para evitar os riscos à saúde, associados ao uso irregular de poços artesianos em Campo Grande.”

A Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), em Campo Grande, está envolvida nesse processo, trabalhando em conjunto com o Imasul, para garantir a conscientização dos cidadãos sobre a importância da água potável encanada e os riscos associados ao uso irregular de poços. A Agereg (Agência Municipal de Regulação), a Agems (Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de MS) e a Vigilância Sanitária são órgãos que colaboram na fiscalização e orientação.

Ainda segundo o gerente, a perfuração e utilização de poços está sujeita a regulamentações específicas, sendo necessário obter esta autorização para perfuração e utilização, conhecida como outorga, com regras estipuladas no Imasul.

No Estado, a legislação determina que todos os poços são obrigados a realizar monitoramento por meio de hidrômetro, com a exigência de enviar os dados anualmente ao Imasul. Nas áreas urbanas com rede pública de abastecimento de água, a autorização para consumo humano é limitada a casos de utilidade pública ou interesse social, sendo proibida a utilização residencial de poços. Vale frisar que poços coletivos para uso de limpeza em condomínios são passíveis de outorga, mas, também é proibido uso interno nas residências. A legislação prevê multas para aqueles que utilizam poços de maneira irregular, conforme o decreto 13.990, de 2014. Estas medidas visam garantir o uso responsável e sustentável dos recursos hídricos, protegendo a qualidade da água e a saúde pública.

A competência de fiscalização da qualidade de toda a água que é destinada para consumo humano, em Campo Grande, é por meio da Coordenadoria de Vigilância Ambiental, em que é feita a emissão do SAC (Solução Alternativa para Consumo), uma vez que não está sendo utilizada a rede pública da concessionária de águas. Conforme a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), a exigência do órgão é que seja contratada uma empresa pelo proprietário do imóvel, para análise da água e a Sesau fiscaliza as análises. Conscientização sobre consumir água de qualidade, como fez Júlia Alves, é fator-chave na resolução dessa temática.

Água pura e sem riscos, com análises para garantir qualidade 

O gerente de Qualidade e Meio Ambiente da Águas Guariroba, Fernando Garayo, destaca que a concessionária realiza análises em todas as suas fontes de captação de água, incluindo na rede de distribuição, para garantir a melhor qualidade de água para a população. A entrega é de água 100% tratada, atendendo a todos os parâmetros da portaria nº 888 de 7 de maio de 2021, por isso, há riscos para a saúde humana quando o indivíduo utiliza água de poço.

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Divulgação Águas Guariroba

“Ao usuário utilizar poços artesianos, ele está colocando em risco a saúde dele e a saúde da família dele, porque muitas vezes esses poços não são bem construídos, conforme as normas técnicas e também muitas vezes não são poços profundos, ou seja, esses poços estão sujeitos à contaminação, que é oriunda de fossas, de deposição de resíduos e tudo mais, então, é uma questão de saúde, também.”

O gerente destaca ainda que a atitude da família em buscar água tratada é motivo de exemplo. Fernando cita que a Águas Guariroba utiliza diferentes canais de comunicação para orientar a população sobre a importância do consumo de água ser feito exclusivamente da rede de distribuição da concessionária, devido ao risco de contaminação no consumo de água de fontes alternativas. A Lei do Saneamento, 2.914/2011, indica que os imóveis atendidos pela rede pública de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto devem se conectar e fazer a adesão a estes serviços, os poços artesianos para uso humano são proibidos; por isso, existem negociações facilitadoras a toda a população que busca atendimento na concessionária.

Por – Alberto Gonçalves e Rayani Santa Cruz.

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