“O empregado deve ser classificado por sua competência” Afirma o advogado trabalhista Douglas Siqueira

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

Para o advogado trabalhista, também não há mais lugar para preconceito, exclusão e discriminação, no mercado de trabalho

O Dia do Trabalhador é comemorado no Brasil e em várias partes do mundo nesta segunda-feira, 1º de maio. É uma homenagem a uma greve ocorrida na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, no ano de 1886 e também à luta dos trabalhadores, por melhores condições de trabalho.

Para o advogado e professor de Direito e Processo do Trabalho, pelo curso preparatório CPAA (Campo Grande), Douglas Siqueira Artigas, o dia é de uma simbologia ímpar. 

Na luta por melhores condições de trabalho, os empregados contam ainda com o apoio dos sindicatos. No Brasil, o sindicalismo surgiu no final do século 19, quando operários imigrantes, que trabalhavam em diversas fábricas que estavam insatisfeitos com suas condições de trabalho se uniram para questionar e lutar pelos seus direitos, formando os primeiros sindicatos do país. 

Segundo Douglas, os sindicatos continuam sendo importantes e não deixaram de existir, mas os trabalhadores já não dependem tanto deles.

 “Atualmente, o empregado não é mais tão dependente do sindicato, assim como o empregador não precisa do aval sindical para tomar algumas atitudes e algumas decisões, porém, sua importância na negociação e na fiscalização continua ativa e eficaz”, garantiu. 

Sobre diversidade e inclusão, temas bastante discutidos, Douglas garante que os empregadores já entenderam que o empregado tem que ser classificado pela sua capacidade e não pela cor da pele, opção sexual ou religiosa. 

“As grandes e médias empresas já estão criando, internamente, núcleos de discussão sobre diversidade e inclusão e a própria legislação vem amadurecendo temas com objetivo de evitar discriminações”, assegurou. 

Em relação à reforma trabalhista de 2017, que fez uma mudança significativa na Consolidação das Leis do Trabalho instrumentalizada pela lei nº 13.467 de 2017, o advogado foi categórico ao dizer que alguns direitos foram, sim, excluídos com a nova legislação. 

“Quanto a sua efetividade, é possível afirmar que os advogados e até mesmo o poder Judiciário já se adequaram às modificações trazidas pela reforma, de modo que, atualmente, são poucas as dúvidas e poucas as matérias que ainda aguardam um posicionamento das instâncias maiores”.

 Douglas diz que “em resumo, a ‘reforma vai bem, obrigado’. Porém, não é possível fechar os olhos para o fato de que, realmente, alguns direitos foram excluídos e nenhum outro foi acrescido, em substituição”, sustentou.

O Estado: Que avaliação o senhor faz do Dia do Trabalhador (1º de maio), em sua dimensão simbólica e de lutas? 

Douglas: O dia dedicado ao trabalhador, dedicado ao trabalho são simbologias ímpares, pois trazem consigo um elemento de vitórias nas lutas que os trabalhadores brasileiros obtiveram, com o passar dos anos.

 As relações de emprego e as relações de trabalho, que nos tempos passados eram vistas como uma espécie de “escravidão”, em que os empregados possuíam poucos ou quase nenhum direito, sofreram amadurecimento e crescimento, de modo a valorizar, a cada dia, o trabalhador e o trabalho por ele prestado. Portanto, nada mais justo que comemorar as vitórias, honrar aqueles que lutaram pela evolução e, sobretudo, continuar a lembrar a população que a evolução advém de luta, de esforço e de um diálogo saudável entre empregado e empregador, entre população e os poderes federados, ou seja, comemorar é preciso, é valido e, sobretudo, é necessário. 

O Estado: Estamos diante de um aumento no número de trabalhadores informais, no Brasil. Quais podem ser os problemas para o país?

Douglas: A informalidade é um tema preocupante, não apenas para o trabalhador, mas também para o país, que deixa de arrecadar e de oferecer, ao trabalhador, as seguranças previstas em lei. A informalidade coloca o trabalhador em um lugar de completo desamparo e fragilidade no caso, por exemplo, de um acidente de trabalho em que, ante a informalidade, o trabalhador não terá acesso ao amparo do INSS, ou, no caso de aposentadoria, em que o trabalhador informal não conseguirá alcançar sua aposentadoria, dada a ausência de contribuição. 

Portanto, a informalidade gera prejuízos ao trabalhador que sofrerá, senão em um primeiro momento, mais tarde, quando do seu merecido descanso, pois não conseguirá usufruir de sua aposentadoria. O cenário ideal seria, para a segurança do trabalhador, a redução contínua dos trabalhos informais, porém, infelizmente, não é essa a realidade atual e talvez essa pretensão seja muito mais fantasiosa e utópica do que a realidade que vivenciamos, atualmente. 

O Estado: Qual a importância de se discutir a diversidade no mercado de trabalho?

Douglas: Atualmente, esse é um tema muito discutido pois, não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro, não há mais lugar para preconceito, exclusão e discriminação. No mercado de trabalho não é diferente. Os empregadores já entenderam que o empregado deve ser classificado por sua competência, por seu desenvolvimento no trabalho e por sua capacidade de resolver conflitos e não pela cor da pele, opção sexual ou religiosa. 

As grandes e médias empresas já estão criando, internamente, núcleos de discussão sobre diversidade e inclusão e a própria legislação vem amadurecendo temas, com o objetivo de evitar discriminações como, por exemplo, com a Lei de Cotas, a Lei do Menor Aprendiz, a lei que impõe a obrigatoriedade de vagas para estágio, para portadores de necessidades especiais, entre outros. Ainda temos muito o que evoluir, mas não podemos negar que já avançamos bastante no tema.

 O Estado: A reforma trabalhista completa seis anos. Como avalia sua efetividade e desdobramentos, ao longo destes anos? 

Douglas: Quando à entrada em vigor da lei 13.467/2017, a chamada reforma trabalhista, muito se discutiu quanto a sua eficácia, sua aplicação e se, de fato, era vantajosa ou era prejudicial ao trabalhador. A reforma, de fato, excluiu, das leis trabalhistas, alguns direitos que a lei anterior previa e, ainda, houve diversas discussões quanto aos “novos direitos”, aplicados pela reforma, discussões estas que foram apreciadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) e outras ainda aguardam julgamento. 

Porém, quanto a sua efetividade, é possível afirmar que os advogados e até mesmo o poder Judiciário já se adequaram às modificações trazidas pela reforma, de modo que, atualmente, são poucas as dúvidas e poucas as matérias que ainda aguardam um posicionamento das instâncias maiores. Em resumo, a ‘reforma vai bem, obrigado’, porém, não é possível fechar os olhos para o fato de que, realmente, alguns direitos foram excluídos e nenhum outro foi acrescido, em substituição. 

O Estado: E agora, na sua visão, que discussão no âmbito trabalhista deve ser trazida à tona? 

Douglas: Diversos temas aparecem diariamente para estudo e discussão. Recentemente, o teletrabalho é um tema inovador, que ganhou força com a pandemia da covid-19. Porém, outro tema que sempre causa grande impacto social são as doenças e acidentes de trabalho. Esses assuntos são sempre preocupantes, pois podem acabar prejudicando, de forma grave e eterna, não apenas os trabalhadores, mas também os empregadores que, se forem responsabilizados pelos danos causados, podem ter que arcar com valores significativos, isso sem cogitar o impacto social ao sistema de saúde e de previdência nacional. 

Acredito que deveríamos pensar em campanhas educativas e preventivas que busquem educar, empregados e empregadores, sobre os riscos e prejuízos causados por doenças ou acidentes de trabalho.

O Estado: Essas questões em torno das plataformas, teletrabalho etc, são um desafio tanto para sindicatos quanto para a Justiça do Trabalho. É perceptível que há uma dificuldade muito grande de se posicionar quanto a essas mudanças?

Douglas: Sim, de fato, as evoluções tecnológicas causam impacto no mercado de trabalho, pois uma máquina ou um programa de computador pode, não só substituir vários empregados, como também modificar a forma de trabalho, a jornada, entre outros elementos e, por isso, não apenas os trabalhadores e empregadores, mas também o poder Judiciário deve estar sempre atento às evoluções tecnológicas, para que não haja “injustiças” a quem utiliza as tecnologias.

 Afinal, a cada dia, novas profissões, novas atividades e novos campos de trabalho são criados, ou seja, o Direito do trabalho também tem que evoluir, assim como evoluiu a tecnologia, para que todos possam conviver em harmonia e sempre crescendo. 

O Estado: O atual governo é simpatizante da volta da obrigação sindical. Ela se torna necessária, nos dias de hoje?

 Douglas: O sindicato é sempre um apoio ao trabalhador, ou seja, sua existência tem importância, sim, e os sindicatos nunca deixaram de existir. O que ocorreu foi uma redução da dependência do trabalhador e do empregador aos seus sindicatos. Atualmente, o empregado não é mais tão dependente do sindicato, assim como o empregador não precisa do aval sindical para tomar algumas atitudes e algumas decisões, porém, sua importância na negociação e na fiscalização continua ativa e eficaz. 

Entretanto, a obrigatoriedade de sindicalizar-se nunca foi imposta pela legislação, pois a Constituição Federal prevê que é opção do empregado e do empregador ser sindicalizado ou não, assim, compete a cada sindicato angariar seus seguidores e demonstrar sua importância e sua eficácia, naquilo que propõe. 

O Estado: O sindicalismo mudou muito, de lá para cá? 

Douglas: O que mudou foi a dependência da classe trabalhadora e empregadora junto ao sindicato, que perdeu força, fazendo com que as entidades sindicais se vissem obrigadas a apresentar propostas, inovações e modelos de trabalhos mais avançados, ou seja, o sindicato foi obrigado a evoluir e deixar o modelo arcaico, o modelo olho por olho e dente por dente, que pregava revoltas, greves, manifestações e atuar de uma forma mais eficaz, priorizando o diálogo e não a imposição de vontade, como era comum em nosso país. 

Assim como as leis, o trabalho e tudo ao nosso redor, os sindicatos também têm que evoluir e oferecer propostas mais eficazes e que atraiam o interesse dos empregados e dos empregadores.

 O Estado: O senhor acha que o Brasil tem o pior modelo sindicalista? 

Douglas: O pior não, mas também estamos longe de termos o melhor. Muito ainda é preciso evoluir, contudo, a evolução parte de um diálogo saudável entre os interessados, não de um campo de batalha em que as partes ficam medindo força. A negociação salutar sempre foi e será a melhor saída, o amadurecimento de ideias, de propostas e a aproximação entre os sindicatos, os empregados e os empregadores é necessário, para que possamos evoluir. 

O Estado: A Justiça do Trabalho ainda tende a ser pró-empregado? Isso cria insegurança jurídica para as empresas? 

Douglas: A visão de que a Justiça do Trabalho é pró-empregado advém de um princípio do Direito do trabalho, chamado de “Princípio da Proteção ao Hipossuficiente”, o qual determina que o trabalhador seja “protegido” por ser o elo mais frágil do contrato, mas veja, esse fato não outorga, ao empregado, a possibilidade de angariar direitos que não possui. 

Esse princípio apenas auxilia o julgador e o legislador a interpretar as leis trabalhistas. Mas é importante destacar que as decisões judiciais são embasadas em leis, ou seja, não há distribuição de direito ou de valores aos empregados pelo simples fato de serem empregados. Há um equilíbrio na forma com que o julgador aplica a lei, na forma que ela se apresenta, portanto, não é raro um trabalhador ter seus pedidos indeferidos junto à Justiça do trabalho, o que leva a concluirmos que, a Justiça é, e deve ser, cega e imparcial, como prevê o ordenamento jurídico.

Por Rafaela Alves – Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul

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