Em decisão inédita, mãe que descobriu câncer na gravidez tem licença maternidade adiada

Foto: Divulgação
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A licença maternidade de 180 dias só passou a contar após a finalização do tratamento de câncer de mama de servidora pública

Por Suelen Morales

Uma servidora pública de Mato Grosso do Sul que travou uma luta contra o câncer de mama durante a gravidez de seu segundo filho, conseguiu uma decisão inédita na Justiça para que sua licença-maternidade tivesse início somente após o término de seu tratamento contra o câncer. Conforme o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, mesmo sob afastamento médico por atestado, a Administração Pública Estadual deu início a licença maternidade da servidora, alegando que agiu em “obediência à estrita legalidade”.

Em meio a tantas incertezas, medos e adversidades, a servidora pública, Thaís Gaspar, 43, ainda precisou contratar uma advogada para rever a questão de sua licença maternidade que apesar de ter sido contada em 180 dias, não foi de fato exercida, já que Thais estava em tratamento oncológico por mais de dois anos.

“Não achei isso justo porque quando meu filho nasceu eu não tive condições plenas de cuidar ou estar com ele. Não podia pegar no colo ou amamentar. Tive uma rede de apoio muito grande, mas não tive como fortalecer o vínculo com o bebê no momento que ele nasceu. Consegui uma liminar na justiça e fui conseguindo ficar um tempo maior com o meu bebê. Mas, meu tratamento se encerrou eu voltei a trabalhar. Não gozei da licença maternidade”, afirmou Thais.

A servidora pública relembra que descobriu o câncer de mama aos cinco meses de gestação e que na época já havia passado por duas perdas gestacionais. “Era uma gravidez planejada, um filho já muito querido e esperado. Mas, além do susto do diagnóstico de câncer, uma doença que dá medo em todo mundo, eu tive um medo ainda maior, de enfrentar uma gravidez sem saber o que poderia acontecer com ele”, relembrou.

Mesmo assim, Thais decidiu enfrentar a doença e levar a gestação adiante. “Os médicos e especialistas me explicaram que eu poderia fazer o tratamento mesmo grávida e que não prejudicaria o desenvolvimento do bebe. Na verdade, é uma situação que a gente não tem muita escolha, você tem que enfrentar e tratar. A gente não pode ficar assistindo a coisa acontecer”, ponderou.

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Na primeira fase do tratamento, Thaís passou pela chamada quimioterapia vermelha. “Comecei o tratamento e fui acompanhando com ultrassom, fiz todo o meu pré-natal e com o tempo eu fui me tranquilizando ao ver o bebê se desenvolvendo bem. A interrupção do tratamento veio em dezembro de 2019 para eu me preparar para o parto que ocorreu no dia 8 de janeiro de 2020”, contou.

Sendo um verdadeiro presente, o bebê que recebeu o nome de Felipe nasceu justamente no dia do aniversário de sua mãe, Thais. “Ele me deu esse presente e após a recuperação do parto, iniciei a segunda fase do tratamento que foi a quimioterapia branca e a cirurgia da mastectomia da mama esquerda. Depois disso, eu fiz a radioterapia e o tratamento se prolongou por um longo tempo”, recordou.

Somente no dia 19 de setembro de 2022 veio a decisão final da justiça de Mato Grosso do Sul, com parecer favorável ao pedido de licença maternidade da servidora pública. “Eu fiquei muito feliz com essa decisão, considero uma grande conquista para às mulheres e principalmente para às crianças”, considerou Thais.

Conforme relator do processo, desembargador Paulo Alberto de Oliveira, o caso foge totalmente de situações “comuns” de gestação e parto, pois se tem uma mãe enfrentando uma doença extremamente agressiva.

Entendo que o princípio da dignidade da pessoa humana (fundamento constitucional, art. 1º, III, da CF/88), o direito fundamental à proteção à maternidade e à infância (art. 6º, caput, da CF/88), o direito fundamental à licença-maternidade (art. 7°, inc. XVIII, da CF/88), o dever do Estado de assegurar à criança o direito à vida, à saúde, à alimentação (art. 227, caput, da CF/88) são fundamentos constitucionais mais que suficientes para justificar a concessão da segurança” diz o trecho da decisão.

Conforme a advogada do caso, Rachel Magrini, a decisão da justiça foi humanitária e inédita em Mato Grosso do Sul. “A decisão foi muito bacana. O despacho fala muito sobre o respeito e o direito da própria criança. Toda decisão judicial é baseada em princípios constitucionais da Constituição Federal. Nós entramos com o mandado de segurança lá atrás, mas a decisão final só saiu agora porque a ação judicial é demorada mesmo”, esclareceu.

Por fim, Thais Gaspar aproveitou o mês de outubro, também conhecido como Outubro Rosa, para falar de vida após o câncer. “Existe um tabu no sentido de que o câncer é uma doença ligada a morte. E neste mês eu quero mostrar lembrar de que existe muita vida. Fiz um tratamento com o bebê na barriga e ele nasceu e hoje temos duas vidas. Então eu acho que a minha história mostra um pouco de que a vida é mais que a morte. A vida é maior que a doença”, finalizou.

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