Pandemia fez ônibus na Capital perderem mais da metade dos passageiros

Em meio à disputa judicial entre prefeitura de Campo Grande e Consórcio Guaicurus pela manutenção ou não do preço da passagem a R$ 4,10, com as medidas restritivas de circulação das pessoas por conta da pandemia do coronavírus, o sistema de transporte coletivo da Capital perdeu mais da metade dos passageiros na comparação dos dados desde o começo do ano até o fim de abril, último mês cheio que há registros. De acordo com dados do próprio Consórcio divulgados pelo município, o número de usuários dos ônibus despencou de 4,1 milhões de passageiros em janeiro para quase 1,7 milhão em abril (veja números abaixo).

Ou seja, em quatro meses, pouco mais de 2,4 milhões de pessoas deixaram de utilizar os coletivos. Na média, a queda foi de 20 mil pessoas aproximadamente a menos por dia girando as catracas. Uma queda de 58,7% e que faz os dois lados ponderarem sobre o futuro do serviço. “Tivemos uma queda de 50% de receita, mas que mantivemos 70% da frota operando. Ou seja, com mais 30% sem faturamento em meio às dificuldades que já estávamos enfrentando. Uma coisa é consequência da outra. A situação já era grave e se agravou ainda mais nesse período”, completou o presidente do Consórcio, João Rezende, ao O Estado.

A prefeitura iniciou uma disputa judicial com a concessionária para evitar que o preço da passagem nos ônibus da cidade passe de R$ 4,10 para R$ 4,30. O reajuste foi decidido pelo juiz Ricardo Galbiati, da 2ª Vara de Fazenda Pública, que atendeu pedido feito pelo consórcio responsável por administrar o transporte coletivo da cidade para incluir os valores pagos de ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) no cálculo da tarifa.

A sentença foi proferida em março, pouco antes do início da pandemia, mas a gestão Marquinhos Trad recorreu apenas na última semana. No processo, a Agereg alegou que o cálculo da tarifa não inclui o tributo municipal, mas sim gastos diversos, como preço do combustível, salário do motorista, INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), valor de peças e o índice de passageiros por quilômetro equivalente. A justificativa da prefeitura é a de que o contrato original firmado em outubro de 2012 para a prestação do serviço, ainda na gestão Nelsinho Trad (PSD), não previa a inclusão do ISSQN no cálculo da tarifa. O acordo tem duração de 20 anos, prorrogáveis por mais dez.

Fim do Consórcio Guaicurus

Ao O Estado, Vinícius Leite Campos, diretor-presidente da Agereg (Agência Municipal de Regulação), antecipou que a intenção de Trad é recorrer até que haja instâncias superiores e decisões favoráveis ao Consórcio. Mas, mais que isso, ele também revelou que a concessionária ameaçou desistir do contrato caso não haja revisão dos valores. “Extra-oficialmente o Consórcio sinalizou sim que pode não cumprir o contrato nos termos que ele funciona hoje”, disse Campos, na última semana.

A diretoria do Consórcio Guaicurus apontou que não é verdadeira a informação. “Nós não pensamos em desistir [do contrato] até porque nós temos compromissos assumidos com funcionários, fornecedores e a própria sociedade campo-grandense. Nós desistindo, fica até difícil de imaginar como ficaria”, respondeu Rezende.

Mas, ao que tudo indica, a prefeitura está atenta a uma possível saída da concessionária. A reportagem teve acesso a dados analisados pela gestão Trad de, pelo menos, nove cidades que passaram por situação semelhante (veja abaixo) para avaliar como foi a saída encontrada para situações de emergências. “A situação é até apreensiva, já que nenhum dos dois lados quer recuar em suas decisões”, disse uma fonte do Paço Municipal ouvida.

O projeto da prefeitura para uma súbita saída do Consórcio Guaicurus envolveria uma força-tarefa entre Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas do Município e até a Câmara Municipal. “Em outras cidades onde houve o rompimento unilateral do contrato por parte das empresas de transporte coletivo, consequentemente ocorreram problemas com a continuidade da prestação deste serviço, devido às licitações para contratar outras empresas darem desertas, ou seja, não haverem interessados em assumir o serviço público de transporte coletivo urbano”, diz nota enviada pela Agereg.

Para o doutor em Políticas de Transporte pela Universidade Dortmund, na Alemanha, e professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB (Universidade de Brasília), Joaquim Aragão, um dos reflexos da pandemia será justamente novas tratativas para os contratos de transporte coletivo. “É inevitável esse tipo de coisa quando há uma tratativa privada daquilo que é público”, disse o professor.

“Quando há um fenômeno que apresenta queda de faturamento, os empresários não sabem como agir. Lhe és prometido um paraíso de dinheiro fácil, mas a maioria dos contratos está ultrapassado, com mais de dez anos. De lá até aqui, tivemos o surgimento do Uber, o barateamento do táxi, a popularização da bicicleta e o empobrecimento da população, que perdeu renda, emprego e meios de pagar as tarifas com subsídio do empregador. Agora, aparece o coronavírus e obrigatoriamente você tem de interromper a circulação das pessoas, vai ser uma mudança de paradigma”, completou.

Para Aragão, são dois os caminhos a serem trilhados. “Com queda brusca de faturamento, se faz duas coisas. Afrouxa a fiscalização e permite descumprimentos e a negociação de novos acordos levando em conta a nova realidade. Em Campo Grande isso parece inevitável”, concluiu.

Número de passageiros por mês na Capital em 2020

Janeiro – 4.115.316
Fevereiro – 4.269.886
Março – 3.340.692
Abril – 1.698.245

Fonte: Consórcio Guaicurus

Cidades com problemas de concessão e estudadas pela prefeitura

– Limeira (SP) – Concessão está sob intervenção.
– Rondonópolis (MT) – A vigência da Concorrência para prestação do serviço encerrou e as três aberturas de Concorrência anteriores deram deserta.
– Rio de Janeiro (RJ) – Em 2018 houve a paralisação de 600 (seiscentos) ônibus devido às dificuldades financeiras.
– Rio de Janeiro (RJ) – A empresa Estrela Azul encerrou suas atividades neste ano.
– Catanduva, Americana, São Carlos e Indaiatuba (todas de SP) – Todas estas cidades apresentam problemas com a renovação da concessão.
– Londrina (PR) – Uma nova concessão está em discussão na Justiça.
– Vitória da Conquista (BA) – A vigência da concessão encerrou e a prestação do serviço está sob intervenção do município.

(Texto: Rafael Ribeiro)

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