Entrevista da semana é com Defensor público geral de Mato Grosso do Sul

defensor público

Na pandemia, população tem procurado o órgão sobre diversos pedidos, inclusive de internação por conta da COVID-19

O quadro de defensores-públicos no Mato Grosso do Sul está defasado, é trabalho dobrado para quem está no exercício do cargo. O atual defensor público-geral, Fábio Rogério Rombi destaca aumento nas ações com pedidos de internações e transferências para pacientes com COVID-19. 

Nesses momentos de crise e privação de direitos, a população vem recorrendo à justiça e seu acesso toma outras formas, assim como a atuação de defensores públicos, que desempenham papel central na garantia de direitos por meio de acompanhamento de ações e processos na justiça. A pandemia impactou diretamente a dinâmica do trabalho desses profissionais, devido à necessidade de se relacionar com os assistidos à distância. “É uma espécie de advogado do povo”, resume Rombi. 

Em março de 2021, a Defensoria Pública de MS registrou 26 ações pedindo internação por causa da COVID-19 relativo a pessoas que não estavam conseguindo leitos pelo sistema de regulação. Em abril subiu para 30 casos. “O volume da demanda e o tipo de assunto que chega à Defensoria reflete sempre o cenário econômico vivenciado no momento”, relata. 

Apesar dos desafios impostos pela pandemia, a Defensoria Pública de MS encerrou 2020 com o registro de 244.461 atendimentos realizados. Somente em Campo Grande foram 97.306. “Agora, com o desemprego em alta e previsão de demora para a efetiva retomada da economia, a tendência é, sim, aumentar a procura pelos serviços da Defensoria”, projeta Rombi. No próximo dia 13 de junho toma posse a nova defensora pública-geral do Mato Grosso do Sul, Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira. Ela foi nomeada para o cargo no biênio 2021/2023.

O Estado: Qual o papel da Defensoria? 

Fábio Rombi – Na letra fria da lei o papel da Defensoria Pública é prestar orientação jurídica e defender gratuitamente os direitos individuais e coletivos das pessoas necessitadas e vulneráveis, seja em processo judicial, seja no âmbito extrajudicial, além de promover os direitos humanos. Isso por si só já é uma missão desafiadora. Mas, na prática, o papel da Defensoria Pública vai muito além disso. Em um país tão desigual como o Brasil, cabe à Defensoria ser a voz dos invisíveis, resgatar a cidadania dos excluídos e proteger os fracos contra o arbítrio e a violência, privada ou estatal. Portanto, não se trata de mera atuação no âmbito da justiça, chamemos “jurídica”, mas principalmente no da justiça dita social. 

O Estado: Podemos dizer que é o “advogado do povo”? 

Fábio Rombi  – A razão de existir da Defensoria é o povo, aqui referido como o imenso contingente de pessoas de baixa – ou nenhuma – renda. Na nossa sociedade, salvo raríssimas exceções legais, ninguém pode fazer justiça por conta própria. Quando surge uma disputa, as partes envolvidas devem levar a questão para ser decidida pelo Poder Judiciário. O problema é que isso custa dinheiro para contratar advogado e para pagar custas, taxas, emolumentos. E como fica quem não tem condições financeiras para isso? É aí que entra a Defensoria, para “abrir os tribunais aos pobres”, como diz o grande constitucionalista José Afonso da Silva. A Defensoria é, sim, o advogado do povo. 

O Estado: Neste período de pandemia, como tem sido os atendimentos? 

Fábio Rombi : Quando a pessoa agenda um pedido de atendimento, tenha ela feito isso pessoalmente ou pela plataforma digital, a defensora ou o defensor público designado para o caso lhe telefonará no dia e hora marcados e lhe prestará a primeira orientação por essa via remota. Muitos casos versam apenas sobre dúvida jurídica e a mera conversa telefônica normalmente resolve a questão. Outras vezes é caso de se propor ação, mas como a temática é simples, a pessoa é orientada a enviar por WhatsApp ou e-mail os documentos necessários. Já naqueles casos mais complexos ou quando existe uma dificuldade de comunicação por telefone, a defensora ou defensor têm autonomia para marcar o atendimento presencial dentro da nossa Unidade. Salvo breves períodos ocasionados pela piora dos indicadores sanitários, momentos nos quais ficamos em sistema de home office, nossos membros e servidores permanecem trabalhando dentro de nossos prédios. A exceção, claro, fica por conta do pessoal inserido em grupo de risco para a Covid-19, a quem foi deferido o teletrabalho.      

O Estado: A Defensoria tem recebido muitos pedidos de internação por conta da Covid-19? 

Fábio Rombi  – Em março de 2021 registramos 26 ações pedindo internação por causa da COVID-19 relativo a pessoas que não estavam conseguindo leitos pelo sistema de regulação. Em abril subiu um pouco, para 30 casos. Mas, agora no presente mês de maio, durante a primeira quinzena, essa demanda despencou para apenas 1 ação ajuizada. 

O Estado: Acredita que no pós pandemia a demanda vai aumentar? Por quê? 

Fábio Rombi – O volume da demanda e o tipo de assunto que chega à Defensoria reflete sempre o cenário econômico vivenciado no momento. É fácil analisar essa fotografia. Alguns anos atrás, por exemplo, quando a economia estava em alta e havia facilidade de crédito tinha mais emprego e mais renda para as pessoas, é verdade, mas muitas se endividavam com bancos por falta de uma prévia educação financeira e vinham busca a Defensoria. Agora, com o desemprego em alta e previsão de demora para a efetiva retomada da economia, a tendência é, sim, aumentar ainda mais a procura pelos serviços da Defensoria. Já completado um ano de lançamento da nossa plataforma digital, dos 164.122 atendimentos registrados, 89.979 foram exclusivamente na área de família. Para nós isso é reflexo da crise econômica. Mães e pais que nunca tinham pedido pensão alimentícia para manter seus filhos, passaram a fazê-lo. Muitos pais e mães que já pagavam pensão alimentícia passaram a ficar em atraso. Enfim, a mudança desse cenário negativo será lenta e o pós-pandemia indica ainda muito trabalho pela frente.

O Estado: Quais as áreas de atuação da Defensoria

Fábio Rombi  – Existe no âmbito da Defensoria uma especialização que segue o modelo adotado no Poder Judiciário. Por isso temos a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública Estadual. Sempre que em uma causa houver interesse da União, de autarquia (como o INSS) ou empresa pública federal (como a Caixa Econômica Federal) essa matéria só pode ser discutida no âmbito da Justiça Federal e lá quem atua é a Defensoria Pública da União. Já quando o assunto debatido for daqueles de competência da Justiça Estadual (processo que corre no Fórum, como costumam dizer as pessoas) é a Defensoria Pública Estadual quem atua a favor de quem não tem condições financeiras para contratar advogado. Os temas aí inseridos são muitos: área de família (divórcio, pensão alimentícia, guarda de filhos, inventário, etc.), área cível (usucapião, aluguel, dívidas em geral, direito do consumidor, etc.), área criminal (inquérito policial, processo criminal, cumprimento de pena, etc.), área da infância (destituição do poder familiar, adoção, suprimento de vontade, etc.), área de Fazenda Pública (saúde, IPTU, concurso público, retificação de registro civil, etc.), área de defesa da mulher vítima de violência. Enfim, são tantas áreas nas quais a Defensoria Pública Estadual atua que, talvez, o melhor seja fazer um elenco negativo, ou seja, a Defensoria Pública Estadual atua em qualquer causa que não for de competência da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral ou da Justiça Militar da União. 

O Estado: Como o cidadão acessa os serviços da Defensoria? 

Fábio Rombi  – Hoje está em funcionamento dois principais canais de acesso aos serviços da Defensoria Pública Estadual. O primeiro – que existe desde 1983, quando foi efetivamente instalada em Mato Grosso do Sul a antiga Assistência Judiciária, precursora da atual Defensoria – é feito mediante o comparecimento físico da pessoa interessada em um dos nossos prédios, de segunda a sexta-feira, das 07h30min às 16h30min, para fazer seu agendamento. O segundo canal foi disponibilizado a partir de 4 de maio de 2020, criado no início da pandemia de Covid-19 como forma de evitar a exposição das pessoas nas recepções dos prédios, e se dá mediante cadastro na plataforma digital disponível no site www.defensoria.ms.def.br, no link “Precisa de Atendimento?”. Essa plataforma digital tem sido um sucesso. Só por essa via, por exemplo, entre 4 de maio de 2020 e 4 maio de 2021 foram registrados 164.122 atendimentos. Dentro em breve iremos disponibilizar mais um terceiro canal, que será o agendamento mediante o telefone 129. 

O Estado: Muitas pessoas acabam dizendo que é o pessoal dos direitos humanos que só defende bandido. O que diz sobre isto? 

Fábio Rombi  – Em uma sociedade civilizada, quem comete crime deve ser preso, processado e condenado, mas sempre em obediência à lei e dentro dos limites traçados por ela. Qualquer desvio disso, tais como prisão arbitrária, execução sumária ou linchamento é uma violação aos direitos humanos. Ocorre que, dentro de um contexto de polarização ideológica, os “justiceiros” de plantão cunharam a frase “direitos humanos só servem para defender bandido”. Isso nem de perto retrata a amplitude do que são os direitos humanos, que diz respeito, na verdade, à defesa da dignidade da pessoa humana. Logo, a Defensoria Pública atua na defesa dos direitos humanos quando aciona o poder público para que oferte vagas para crianças em escola e lhes forneça merenda nutricionalmente balanceada, quando zela para que as pessoas tenham acesso a remédios e tratamentos médicos de que precisam, quando atua a favor da mulher que é vítima de violência doméstica e familiar, quando zela para que as pessoas tenham acesso à moradia. Temos muito orgulho de ser o “pessoal dos direitos humanos”. 

O Estado: E de outras doenças, como está a demanda? 

Fábio Rombi  – Desde o lançamento da nossa plataforma digital no dia 4 de maio de 2020 até hoje registramos 18.505 atendimentos na área da saúde. As temáticas são as mais variadas. Algumas vezes a pessoa está em uma UPA e precisa ser transferida para um leito clínico ou de UTI, mas o sistema de regulação não consegue localizar uma vaga disponível e aí alguém da família procura a Defensoria para pedir o ajuizamento de uma ação visando obter ordem judicial que obrigue o poder público a fazer a transferência. Muitos outros casos na área da saúde dizem respeito a cirurgias, tratamentos ou medicamentos cujo acesso a pessoa não está conseguindo obter diretamente na unidade de saúde ou hospital. Entretanto, para diminuir cada vez mais a judicialização, a Defensoria tem procurado estabelecer com o Estado e com os Municípios parecerias por meio de Câmaras de Conciliação a fim de tentar conseguir acordos extrajudiciais que resolvam mais rapidamente os casos. Apostamos muito no sucesso cada vez maior desse tipo de iniciativa. 

O Estado: O quadro de defensores públicos é suficiente para atuar bem em todos os municípios? 

Fábio Rombi  – Não. Hoje somos 206 membros dentro de um quadro que prevê um total de 306. A Defensoria Pública atua em todas as comarcas do Estado de Mato Grosso do Sul, mas algumas delas está sem titular lotado. Nesses casos, a defensora ou defensor de outra comarca da região fica responsável por atender os casos decorrentes da falta de um colega. Para minimizar essa situação foi publicado no Diário Oficial do dia 13 de maio de 2021 o Regulamento para a realização de um novo concurso público. Nos próximos 30 dias sairá publicado o edital abrindo as inscrições. Das pessoas ao final aprovadas no concurso chamaremos 7 de imediato para tomar posse como defensora ou defensor público substituto; as demais formarão cadastro de reserva que será usado conforme a dotação orçamentária permitir mais contratações. 

O Estado: Dos poderes que recebem duodécimo, a Defensoria é de menor repasse. Qual a mágica para atender em todo MS?   

Fábio Rombi  – Em primeiro lugar, uma gestão muito austera. Em segundo lugar, a Defensoria Pública usa o Fundo Especial para o Aperfeiçoamento e o Desenvolvimento das Atividades da Defensoria Pública – FUNADEP para conseguir pagar aluguel de vários prédios que utiliza, bem como para custear as despesas inerentes a sua atividade, dentre elas internet e telefonia, que durante a pandemia tiveram natural aumento de demanda. A principal fonte de financiamento do FUNADEP provém de parte das taxas cartorárias, o que tem sido amplamente debatido na sociedade. Pois bem, é justamente graças a essa fonte que a Defensoria conseguiu construir as unidades próprias em Três Lagoas e em Coxim, inauguradas respectivamente em dezembro de 2019 e março de 2020, bem como está construindo atualmente as sedes em Corumbá e Paranaíba, além de iniciar uma em Dourados até o final deste ano. Não fosse assim, só com o duodécimo seria impossível gerir a Defensoria. 

O Estado: O que é mais desafiador para a Defensoria de MS? 

Fábio Rombi  – O mais desafiador para a Defensoria Pública é não contar com estrutura própria de prédios em todas as comarcas do Estado. Nas menores, temos de usar a sala que é cedida pelo Poder Judiciário, normalmente uma sala acanhada. Nas maiores, nas quais ainda não temos sede própria, precisamos alugar imóveis, mas nem sempre o mercado imobiliário local consegue ofertar uma estrutura adaptada integralmente às necessidades da Defensoria. Há locais, por exemplo, em que algumas das salas do prédio ficam enclausuradas, isto é, sem acesso à janela para iluminação natural e arejamento do ambiente. Em tempo de pandemia, como agora, isso obriga a interdição desse espaço, situação que prejudica o público. 

O Estado: Quais são os projetos futuros para a Defensoria? 

Fábio Rombi – É urgente à Defensoria continuar avançando em duas grandes frentes. A primeira delas diz respeito à continuidade de construção de sedes próprias. A população precisa ser atendida em prédios funcionais, pensados para a necessidade do serviço prestado pela Instituição. A segunda, diz respeito à melhoria das ferramentas de informática e aperfeiçoamento da opção de atendimento remoto para quem se sentir mais confortável com essa modalidade de atendimento. Precisamos gerenciar melhor as informações e os processos como forma de agilizar o atendimento prestado. 

(Texto: Eliane Ferreira) 

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