Após denúncias, Defensoria descobre clínica psiquiatrica irregular na Capital

Foto: Divulgação
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Após receber diversas denúncias de assistidas e assistidos, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul descobriu um “manicômio clandestino” em Campo Grande.  Na Justiça, a Defensoria conseguiu que a suposta “clínica de reabilitação” para dependentes químicos fosse impedida de receber novos pacientes e ainda removesse publicidade em que oferecia os “serviços”.

Conforme a coordenadora, em maio deste ano a coordenação do NAS recebeu denúncias de uma comunidade terapêutica localizada nas imediações do Bairro Chácara dos Poderes. O local foi vistoriado e a instituição constatou situações desumanas como tortura, cárcere privado, abuso na manipulação de medicamentos, instalações insalubres e total ausência de prescrições médicas adequadas.

Segundo denúncias recebidas, era informado que o local contava com aparato médico e psicológico para o tratamento, e que uma equipe devidamente habilitada iria até a residência buscar o paciente para levá-lo involuntariamente para a entidade.

Porém, conforme a apuração, “a parte era levada involuntariamente de sua residência sem que tivesse passado por qualquer tipo de avaliação médica previamente, e transportado em uma ambulância por pessoas que mais tarde soube-se que seriam outros pacientes acolhidos que estavam há mais tempo na entidade”, detalha a coordenadora.

Constatou-se, ainda, que os internos não eram avaliados por médicos e também não eram encaminhados para atendimento na Rede de Atenção Psicossocial.

Vistoria chocante

Diante dos relatos, a Defensoria Pública de MS organizou com urgência uma vistoria técnica para apurar as denúncias e verificar a situação dos pacientes acolhidos na entidade.

“Segundo informações do proprietário, a capacidade de lotação era de 60 vagas, no entanto, no dia da vistoria técnica, havia no local um quantitativo de 65 homens acolhidos, dos quais cinco atuariam também como coordenadores do local. A idade dos acolhidos era entre 20 e 75 anos”, pontuou a coordenadora.

Os acolhidos eram de várias cidades do Estado; além de Campo Grande, haviam pessoas de Sidrolândia, Amambai, Aral Moreira, Juti, Fátima do Sul, Jardim e Naviraí.

“A primeira observação do local foi a existência de cadeados nos portões, concertina nos muros, e presença ostensiva de pessoas com rádio comunicadores, tudo para evitar a fuga do local. Os acolhidos não tinham livre trânsito e nem permissão para saída, e também não tinham livre acesso aos familiares”.

Também foi verificado que, embora a entidade se intitule como sendo ‘clínica de reabilitação’, o local não possui registro no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), o que também foi confirmado pelo proprietário. Além disso, não haviam médicos no momento da vistoria.

“A situação encontrada foi assombrosa e estarrecedora do ponto de vista da condição psíquica dos acolhidos. Na entrevista com alguns deles foi possível identificar que todos estavam ali de forma involuntária e nenhum foi submetido a avaliação médica preliminar”.

Além disso, conforme a coordenadora do NAS, em nenhuma das pastas dos acolhidos foram localizados laudos médicos que justificassem necessidade de internação involuntária dos acolhidos, apenas receituários prescritos por um médico, cuja especialidade consta como sendo ginecologista e obstetra, que uma vez ao mês comparecia ao local para prescrever medicamentos aos pacientes.

Desumanidade e tortura

“Foram identificados idosos com problemas de alcoolismo em situação completamente degradante e sem o atendimento adequado. Ainda haviam indícios de supermedicação para tornar letárgicos os acolhidos considerados difíceis ou problemáticos, e limitação e proibição de contatos com familiares. Um dos acolhidos estava dormindo e, por mais que se tentasse, não foi possível acordá-lo. Nesse momento, um dos ‘coordenadores’ disse que ele estava medicado”, detalha.

Durante as entrevistas, foi possível ainda identificar violações emocionais e prática de tortura psíquica visando evitar fugas e o enquadramento e obediência restrita às normas da instituição.

O proprietário foi advertido que não poderia manter pessoas involuntariamente naquele local, pois, além de não ser entidade com ambiente hospitalar e não haver laudos médicos que justificassem a permanência do paciente segregado, a situação caracterizava cárcere privado e violação grave aos direitos dos pacientes.

A Defensoria Pública firmou o compromisso expresso com o proprietário de que seria permitida a saída de todos os que desejassem deixar a entidade.

Segunda vistoria

Dias depois, a Defensoria realizou segunda visita técnica ao local acompanhada de dois médicos psiquiatras da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Campo Grande, que fizeram a avaliação médica dos acolhidos, e um representante do Conselho Regional de Farmácia (CRF/MS), que fez a avaliação da dispensação e estoque de medicamentos.

Nessa segunda vistoria, mesmo após os esclarecimentos dados anteriormente, a Defensoria encontrou pacientes admitidos de forma involuntária, situação caracterizadora da manutenção da situação de ilegalidade.

Contrato abusivo

Foi observado, ainda, a entidade firmava contrato com os familiares dos acolhidos, fazendo-se uma espécie de contrato para internação involuntária, porém sem qualquer avaliação médica prévia, prática em desconformidade com a Lei n.º 10.216/2001.

No contrato era prevista, ainda, imposição de multa aos familiares, caso o paciente evadisse ou desistisse do tratamento. Além disso, era previsto que eventual fuga seria considerada crime passível de realização de boletim de ocorrência junto à Polícia Civil.

Ações

Segundo a defensora, nenhum dos direitos assegurados na lei básica de saúde mental e nas demais normativas que regem a matéria foi assegurado àqueles que estão internados no local.

“O que foi observado e relatado enquanto prática de atendimento foi o cárcere, a contenção dos corpos, a intimidação, a medicalização excessiva, a insuficiência e despreparo de profissionais de saúde, a oferta massificada de um plano “terapêutico”. No ambiente supostamente terapêutico, lhes são negados direitos básicos, porém, de outro lado, lhes sobram ameaças, agressões físicas, sedação, abusos e, sobretudo, violência de todas as espécies: física, psicológica, moral e institucional”.

Diante dos fatos, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul ingressou com Ação Civil Pública e conseguiu na Justiça liminar que proíbe a clínica de receber novos pacientes até que comprove que está adequada a lei para operar. Além disso, o local deve remover toda propaganda e publicidade que oferece seus serviços a sociedade.

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