Representantes índigenas e IBGE se reúnem para discutir dados do censo em MS

Foto: Lideranças indígenas na apresentação do evento/Amanda Ferreira
Foto: Lideranças indígenas na apresentação do evento/Amanda Ferreira

Nesta terça-feira(5) dia Internacional da Mulher índigena, foi realizado a apresentação dos dados de censo dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul feita pelo Fórum dos Caciques. O encontro contou com líderes indígenas e também com a presença da equipe do O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística propondo apresentar os dados coletados e melhorias para a comunidade indígena, a qual reivindica as informações apresentadas pelo instituto.

A reunião, conduzida por Aguinaldo Terena, diretor de cultura do Fórum dos Caciques, abordou o debate sobre políticas públicas e uma possível análise dos dados. O fundador da Fundação dos Caciques do Estado de Mato Grosso do Sul, Rosemiro Pereira, iniciou a reunião destacando a importância de compreender como ocorreu a coleta de dados da população indígena no estado. Aqueles que acompanham as comunidades indígenas notaram um índice significativo de natalidade. Ele enfatizou que a finalização dos dados pelo IBGE foi uma surpresa negativa para a população indígena, pois se acredita que o quantitativo da população seja muito maior do que foi registrado.

“A coleta de dados imprecisa pode resultar em sérias consequências para os povos indígenas, especialmente para aqueles que vivem nas aldeias e têm menos acesso a recursos e informações sobre seus direitos.” afirma o fundador.

Silvana Terena, de 47 anos, é conselheira ativa e engajada no Conselho Municipal de Defesa dos Povos Indígenas de Campo Grande. ela indagou que este resultado trouxe, uma mudança e  preocupações significativas sobre o impacto econômico e social para as comunidades locais.

“Nós solicitamos esta audiência com o IBGE, superintendente, porque sempre estivemos em segundo lugar na população indígena no Brasil. No entanto, de acordo com a pesquisa mais recente, agora estamos em terceiro lugar. Viemos solicitar informações sobre como esse censo foi conduzido, quem o conduziu, onde, como e por quê. Precisamos entender os motivos por trás desses números, para que possamos estabelecer uma comunicação eficaz entre a representação indígena e o IBGE,” explica Silvana Terena.

Durante a reunião, os líderes das comunidades indígenas, enfatizaram que a falta de conhecimento sobre o território e a falta de representatividade indígena entre os recenseadores contribuíram para os resultados preocupantes.

“Estando diretamente envolvida na supervisão de um recenseador indígena que trabalhou nas aldeias, percebi que as seletivas de contratação deveriam incluir cotas específicas para a população indígena. Isso facilitaria muito o acesso às comunidades, pois os recenseadores conheceriam as aldeias, seus caciques e líderes. Além disso, é essencial estabelecer uma comunicação eficaz com a comunidade, não apenas com os caciques, mas também com os professores, trabalhadores da saúde indígena e outros segmentos presentes nas aldeias,” enfatiza Silvana.

 Josiane da Silva Ribeiro,  enfermeira de 47 anos e líder indígena destacou que o movimento indígena tem uma responsabilidade crucial em buscar a reparação dos números subestimados, já que são os líderes indígenas que têm o conhecimento e a capacidade de lutar por uma representação mais precisa.

 “No final de tudo isso, quem acaba sofrendo são os que estão na aldeia, os menos favorecidos, aqueles que não têm condições de sair de lá e lutar pelos seus direitos”, explicou.

Como enfermeira, Josiane também enfatizou como a coleta de dados inadequada afeta diretamente a saúde da população indígena. “Assim como políticas públicas efetivas, a saúde indígena precisa de dinheiro e recursos. Quando o número de indígenas é subestimado, isso impacta negativamente em termos de recursos disponíveis”, disse ela. Isso resulta em uma escassez de material, equipamentos e medicamentos, prejudicando o atendimento de saúde nas aldeias.

Apresentação dos dados

 Sylvia Martinez, coordenadora do censo demográfico do IBGE, apresentou como foi realizada às inovações e mudanças metodológicas implementadas na coleta de dados para a população indígena no Senso 2022. Sylvia abordou os conceitos e definições utilizados na coleta de dados do IBGE para a comunidade indígena. Ela também explicou como os limites dos dados coletados em 2010 foram comparados com os de 2022. A apresentação dos dados estava voltada principalmente para a região de Campo Grande. 

Cartografia Censitária e Setorização

Um dos primeiros aspectos destacados por Sylvia foi a cartografia censitária. O IBGE procurou aprimorar a setorização dos agrupamentos censitários, criando áreas de interesse operacional. Em Campo Grande, foram setorizados 15 agrupamentos, como Prosa, Água Funda, Vida Nova, Jardim Inápolis, Vila Romana, Jardim Aeroporto e Marçal de Souza. A maioria desses agrupamentos estava localizada nas regiões do Imburussu e do Prosa, possibilitando uma análise mais detalhada.

Para melhorar a coleta de dados, foram criadas as Áreas de Interesse Operacional Indígena. Essas áreas englobavam um setor e sua região envolvente, garantindo que as mesmas perguntas e conceitos fossem aplicados em todas as áreas adjacentes. Sylvia sugere que talvez a expansão das áreas de interesse operacional indígena tenha contribuído para os desafios na coleta de dados, como no caso da Bahia, onde também ocorreu a captação de pessoas na área circundante.

Treinamento e Sensibilização

Um ponto crucial para o sucesso da coleta de dados foi o treinamento das equipes envolvidas. Sylvia enfatizou a importância da sensibilização, que incluiu agentes da administração pública, representantes da comunidade indígena, e profissionais da comunicação. Reuniões e questionários específicos para a população indígena foram institucionalizados, e houve abordagens com as lideranças locais para compreender a estrutura das aldeias, suas necessidades e demandas.

O Questionário e a Identificação Indígena

O questionário incluiu perguntas sobre autodeclaração étnica, e Sylvia ressaltou que era essencial questionar a pessoa se ela auto-indentificava, uma vez que havia diferentes identidades dentro desse grupo. Além disso, foi realizada uma investigação detalhada sobre etnia e língua falada, classificando como indígenas aqueles que se identificava como tal, tanto em terras indígenas quanto em áreas circundantes.

Resultados do Censo 2022

Os resultados do Censo 2022 revelaram que o Brasil possui quase 1,7 milhão de indígenas. Em Mato Grosso do Sul, houve um aumento de 51% na população indígena em relação a 2010, totalizando 116.346 indígenas. Esse crescimento foi significativo, embora a Bahia tenha ultrapassado Mato Grosso do Sul, com uma população indígena de 229 mil habitantes em 2022.

Impacto nos Domicílios

O censo identificou 41.247 domicílios com pelo menos um morador indígena em Mato Grosso do Sul, representando 4,21% do total de domicílios ocupados do estado. Campo Grande destacou-se como o município com o maior número de domicílios com moradores indígenas em Mato Grosso do Sul, com 10.030 domicílios, representando 3,08% dos domicílios ocupados do município.

Sylvia enfatizou que o IBGE continuará trabalhando nba troca de dados, incluindo informações sobre gênero, faixa etária, trabalho e rendimento. Esses dados são essenciais para o desenvolvimento de políticas públicas que atendam às necessidades específicas da população indígena e proporcionem um futuro mais igualitário e inclusivo. A discussão sobre os dado  do censo é fundamental para garantir que as políticas públicas sejam direcionadas da maneira mais adequada às comunidades indígenas do Brasil.

Apontamentos

Um dos apontamentos do encontro foi a fala dos representantes das comunidades indígenas ao indagarem os resultados da coleta de dados. Kleber Gomes (membro da comunidade Terena) apontou o resultado como algo inaceitável e se a possibilidade de revisão de dados.

Rosemiro, Líder Indígena, também enfatizou que os números apresentados pelo censo não refletem a realidade dos povos indígenas. Ele apontou a existência de termos técnicos mencionados e abordagens que não foram realizadas, indicando que a coleta de dados enfrentou dificuldades para capturar informações precisas sobre a população indígena.

Um dos principais pontos levantados por Rosemiro foi a necessidade de uma pergunta direta sobre a identidade indígena. Ele argumentou que a pergunta de cobertura, que permite a autodeclaração de cor ou raça, não é suficiente para determinar a pertença étnica. Rosemiro explicou: 

“Se eu disser que sou pardo, posso ser classificado como não indígena. Acredito que precisamos de uma pergunta direta: ‘Você é indígena ou não?’ Independentemente da cor. Os povos indígenas são miscigenados, e se classificarmos indígenas como pardos, negros ou brancos, nunca teremos resultados precisos.”

Rosemiro também ressaltou que os povos indígenas são os únicos que precisam comprovar sua identidade étnica. Ele expressou preocupação com a burocracia que envolve a comprovação da identidade indígena e como isso pode impactar negativamente a comunidade. Ele afirmou:

 “Os povos indígenas estão sendo prejudicados pela caneta, não mais pela arma.” Essa preocupação destaca a importância de simplificar e aprimorar os processos de identificação étnica.

O IBGE 

Foto: O superintendente Mário Frazeto abordou que é necessario mais espaços para debates como o da população indígena/Amanda Ferreira

O superintendente estadual do Instituto, Mário Alexandre de Pinna Frazeto, esteve presente no encontro e discutiu a questão, destacando que, apesar do resultado não ser satisfatório, é preciso abrir mais espaço para os povos indígenas na discussão do processo de coleta de dados e nas políticas públicas da comunidade.

“É necessário debater essas questões na política, nas escolas e nas comunidades, a fim de obter os resultados necessários para a comunidade indígena. Este resultado pode não ser satisfatório, mas representa um avanço significativo em comparação com anos anteriores. No entanto, ainda precisamos compreender o que está acontecendo com essa população”, afirmou o superintendente.

O encontro contou com a presença de Alex Uchôas, Coordenador Operacional dos Censos no Estado, que destacou os pontos debatidos durante a reunião.

 

Durante a discussão, a possibilidade de revisão técnica dos dados coletados foi abordada. Alex Uchôas ressaltou que essa é uma possibilidade, mas que depende de fatores além da Superintendência de Mato Grosso do Sul. Ele enfatizou a importância do Fórum dos Caciques no embasamento de um pedido de revisão, pois revisar sem uma base sólida não garantiria o orçamento necessário para a revisão. 

Outro ponto discutido foi a autodeclaração dos pardos como indígenas. Essa questão levanta a necessidade de discutir os dados de cor ou raça para identificar se existe um desvio em relação à autodeclaração. Alex Uchôas explicou que, para fazer essa análise, é crucial ter acesso aos dados, pois a metodologia da pesquisa é autodeclaratória. 

Foi mencionado um episódio em que um recenseador fez uma afirmação equivocada, sugerindo que quem não falava nenhuma língua indígena seria considerado indígena. Alex Uchôas destacou que, em uma operação tão vasta como o censo, não se pode garantir que todos os recenseadores sigam a metodologia exatamente como planejado. Erros como esse são possíveis, mas o IBGE garante uma cobertura de excelente qualidade para corrigir esses desvios. Alex também abordou os desafios na conscientização da população indígena para participar da pesquisa. Ele reconheceu que existem dificuldades nesse aspecto e que é necessário encontrar maneiras de superá-las. 

Sylvia, destacou a importância de influenciar os próximos treinamentos para os recenseadores. Ela enfatizou que a forma como esses profissionais são treinados e a atenção que recebem são essenciais. Ela relacionou parte dos erros do censo com a violência sofrida pela comunidade indígena em Mato Grosso do Sul. 

Um dos pontos finais da discussão foi a importância de uma nova contagem populacional em 2025. Alex Uchôas explicou que esse processo é essencial para a obtenção de estatísticas precisas em todo o Brasil e para compreender se o crescimento populacional é um fenômeno rápido ou contínuo. Ele mencionou a necessidade de apoio político para garantir a realização dessa contagem em todo o país.

Durante a conversa, também foi mencionada a omissão de estatísticas em algumas regiões, onde moradores não foram contabilizados devido à ausência em suas residências ou à participação em outras partes da pesquisa sem entrevistas. Esses problemas estão sendo revisados e processos internos estão sendo aprimorados.

Alex Uchôas concluiu enfatizando a importância do feedback das lideranças indígenas, afirmando que suas opiniões e experiências são essenciais para melhorar futuras contagens populacionais. Ele expressou a necessidade de mais momentos de debate como esse para garantir que os dados sejam cada vez mais justos e representativos. 

” A gente precisa que agora, quando vocês forem convocar a próxima contagem, quanto vocês forem convocar o próximo relatório, precisamos que vocês citem o que vocês acredita que precisa ser melhorado.”

Em nota, Aguinaldo Terena afirmou que a Organização do Fórum dos Caciques de Mato Grosso do Sul irá realizar um relatório do evento para agilizar recursos para uma possível revisão dos dados estatísticos.

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