Já podemos voltar a falar com os amigos e parentes que brigamos na eleição?

tiago botelho
Foto: Divulgação

Essa pergunta não é tão simples de responder, mas devemos enfrentá-la. A primeira coisa que precisa ficar muito claro é que, na democracia, o pluralismo político é fundamento constitucional da República. Portanto, o pluralismo de ideias deveria ser visto de forma positiva. Pensar diferente não pode tornar uma pessoa inimiga da outra, mesmo porque, ser confrontado por quem discorda da gente é uma forma de fortalecer nosso posicionamento, rever defesas e amadurecer ideias. Não existe democracia em que todos pensem igual. Portanto, a regra deveria ser que ninguém brigue com amigos e parentes por pensar diferente.

Todavia, no Brasil, desde 2015, a política foi sendo dominada por uma polarização imbecil, imposta, majoritariamente, por parcela da extrema-direita, que usa de argumentos e práticas fora do campo democrático para tentar legitimar suas vontades.

Quando Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, e parcela de seus apoiadores falam que tem que fuzilar a PTralhada, por exemplo, eles saem do campo democrático, pois, no Brasil, a pena de morte e a perseguição política são proibidas. Não, não é apenas um mero discurso como muitos tentam argumentar. É um discurso violento que gera violência e polarização! Negar a história, negar a ciência e proferir discursos de ódio contra negros, LGBTQIA+, migrantes, refugiados, indígenas, mulheres e tantas outras minorias aprofundam essa polarização, pois as pessoas vítimas de tais preconceitos e seus apoiadores passam, com toda razão, a não quererem proximidade com quem utiliza de práticas racistas, homofóbicas e machistas para fazer prevalecer suas vontades.

A polarização é um projeto que tenta construir uma falsa ilusão de que não há racionalidade na política e que todos os lados são responsáveis pela crise que vive o país. Isto é mentira! A polarização é, na verdade, um muro que separa pessoas que acreditam e as que não acreditam na democracia. De qual lado do muro você está?

A polarização não é resultado da política, mas da deturpação que estão fazendo dela. Por exemplo, destruir o STF e o Congresso Nacional, por perderem a eleição, não é prática democrática. Duvidar do sistema eleitoral e da urna eletrônica, sem nenhuma prova, em especial quando perdem o pleito eleitoral, não é prática democrática. A polarização é fruto de uma tentativa de parcela da extrema-direita de ocupar espaços democráticos utilizando-se de práticas e subterfúgios antidemocráticos. O que faz com que, quem defenda e acredite na democracia, não consiga se relacionar com quem, a todo momento, violenta os preceitos deste regime. E, na eleição, momento decisivo para o projeto que governará o país, a polarização ganha ainda maior intensidade nas brigas dos grupos de WhatsApp, redes sociais e no cotidiano da vida.

Mas e agora; voltamos a falar com os amigos e parentes que brigamos na eleição? É uma escolha difícil, pois teremos que voltar a falar, na maioria das vezes, com quem defende pena de morte, discursos de ódio, terraplanismo, negacionismo e tantas outras práticas que conflitam com a democracia. Mesmo assim, acho que devemos, aos poucos, voltar a tentar estabelecer diálogos com essas pessoas. Em um país de tamanha desigualdade social, educacional e econômica como o Brasil, a política é facilmente dominada por pequenos grupos que lucram com as desinformações e o caos democrático. Parcela grande da sociedade brasileira, em especial os mais humildes, é, na maioria das vezes, vítima de discursos que deturpam a política. Sendo assim, cabe, a cada um de nós, como cidadãos, utilizando de valores democráticos, dialogar, ainda que pareça impossível. É verdade que nem todos são vítimas do sistema. Há aqueles que lucram com o caos político, mas, para além de ser um pequeno grupo, este depende que desistamos da política para que eles a dominem.

Como professor, eu sempre acreditarei no ser humano. Sempre é tempo de mudar, de se humanizar e de se democratizar. Portanto, acredito que, se queremos avançar na intensidade da democracia brasileira, necessário se faz que, por meio de uma pedagogia da esperança e de uma pedagogia amorosa, voltemos a falar com quem a gente brigou nas eleições passadas e, num ambiente fora da disputa eleitoral, menos tensionado, tentemos, de forma muito humilde, mostrar que é super aceitável que estas pessoas não concordem conosco, por exemplo, que critiquem o governo Lula ou divirjam da política econômica adotada por Fernando Haddad, mas que tais divergências precisam ser feitas dentro do campo democrático. Fake news não vale, discurso de ódio não vale, destruir os poderes não vale, negar a ciência não vale e golpe à democracia é crime.

Por Tiago Botelho.

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