Entrevista da semana é com Procuradora do Estado e consultora legislativa

Entrevista da semana

Procuradora-chefe da Coordenadoria Jurídica da Secretaria de Estado de Governo e Gestão Estratégica, Ana Carolina Ali Garcia também acumula a função de secretária especial como consultora legislativa desde 2018. Pela competência no desempenho dessas funções é que Ana Carolina Ali permanece até o momento no lugar.

Ana Carolina explicou que a Consultoria Legislativa exerce a função primordial de prestar assessoramento jurídico e emitir pareceres acerca de temas relacionados à normatização em âmbito estadual, buscando que as leis enviadas pelo Executivo ao Legislativo, ou mesmo as elaboradas pelos parlamentares, alcancem a eficácia e a segurança jurídica necessárias e, com isso, possam realmente atingir seus objetivos.

Na última quarta-feira (26), o projeto Revoga MS foi divulgado por meio de videoconferência e sob o comando de Ana Carolina, que coordenou a comissão criada, tendo, em março, a Consultoria Legislativa entregue planilhas e sugestões de mudanças em 5.347 decretos publicados de 1979 a 1989. Essas sugestões foram encaminhadas para as secretarias estaduais, para que cada uma pudesse acatar as proposições da comissão ou sugerir novas alterações.

A consultora ressaltou que foram enviadas planilhas dos mais de 5 mil decretos, com a proposta de sua revogação total, parcial ou manutenção dos atos, já com as indicações apontadas pela Consultoria Legislativa. “O objetivo é melhorar o ambiente normativo, facilitar o acesso aos serviços públicos e reduzir a burocracia, combatendo o excesso de normas, muitas delas em desuso, e com isso criar um ambiente de mais agilidade e segurança ao setor produtivo.”

A expectativa é de que sejam analisados 14.410 decretos estaduais que estão em vigor desde a criação do Estado. Os trabalhos serão conduzidos em quatro etapas. Nesta primeira fase, o governador revogou decretos do período de 1979 a 1989.

O Estado: Qual é o papel da Consultoria Legislativa?

Ana Carolina – A consultoria realiza o assessoramento jurídico dos atos de competência do governador do Estado, emitindo pareceres sobre decretos e projetos de lei e realizando a interlocução com a Assembleia Legislativa em relação aos projetos de lei de âmbito estadual.

O Estado: O governador, com a sua consultoria, revogou mais de 4 mil decretos; qual a importância disso?

Ana Carolina – O Estado divulgou o projeto chamado Revoga MS, que teve início em novembro de 2020, com o objetivo de simplificar e melhorar o ambiente normativo do Estado. Por meio dessa revogação em massa de decretos normativos em desuso ou superados por outras normas, o projeto avançará, ainda, para um segundo momento, quando se buscará a revisão dos atos normativos que irão continuar no sistema jurídico. E, por fim, caminhará para a fixação de um Código de Ética Normativa. A ideia é se ter um padrão para a propositura de novas normas.

O Estado: A senhora tem atuado em outras esferas no governo como o Prosseguir, Mais Social, Previdência; como é esse inter-relacionamento?

Ana Carolina – Esse é um dos grandes desafios da Consultoria Legislativa, já que esse ambiente nos possibilita transitar entre vários temas, participar do Conselho de Governança, entre outros comitês, como o Prosseguir. Há vários assuntos de competência do governador e do secretário de Governo que demandam um assessoramento jurídico. Então, essa função nos exige uma inter-relação com todas as secretarias, entidades e os Poderes do Estado. Inclusive, o Revoga MS é um produto iniciado na Consultoria Legislativa, com um ato inicial autorizado pelo governador, e cujas etapas subsequentes exigiram um inter-relacionamento com todas as secretarias, entidades e os Poderes do Estado. O projeto, para seu desenvolvimento, necessita de diálogo, inclusive com o Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça e Ministério Público, e suas assessorias, para, então, alcançar suas metas. Então, eu atribuo ao exercício dessa função um grande aprendizado e muitos desafios diários.

A consultoria demanda essa contínua interrelação, tanto com as autoridades do Executivo quanto de outros Poderes do Estado e instituições, para que possamos concluir os atos e instrumentos jurídicos que, muitas vezes, não são necessariamente de competência exclusiva do Executivo. 

O Estado: Até que ponto é necessário verificar periodicamente as leis estaduais?

Ana Carolina – É de suma importância para o cidadão, para o empresário, para o serviço público, sob pena de termos um excesso de normas, com, muitas vezes, uma se sobrepondo à outra, ou a permanência no sistema jurídico daquelas que não estão mais produzindo efeitos, mas que se encontram formalmente ali. Inclusive, essa revisão normativa proposta no âmbito do Revoga MS alcança as ações não só do Executivo, mas dos servidores, dos cidadãos e dos representantes do setor produtivo, e até, de outros Poderes, como o próprio Judiciário, que necessita analisar as leis vigentes para prolação de decisões. Quanto mais clareza tivermos sobre qual norma está prevalecendo e regendo determinada situação, mais segurança, agilidade e simplicidade será ofertada a todos.

O Estado: A própria Constituição do Estado deve ser verificada com o passar do tempo?

Ana Carolina – A Constituição Estadual é consolidada em um diploma só. Para ser alterada, passa pelo processo de emendas que, por si só, é muito mais rígido. Porém, como a sociedade é dinâmica, necessitamos, sim, rever de tempos em tempos até as normas constitucionais. E isso é comum. Em contrapartida, os decretos e as leis são esparsos e – salvo os códigos – não são consolidados, o que exige um trabalho mais acurado no acompanhamento para fins de revisão e revogação. 

O Estado: A Consultoria Legislativa pode servir de base para o Legislativo obter informações de futuras leis?

Ana Carolina – Esse é um outro trabalho que nos traz satisfação em poder externá-lo. Inclusive quero passar os números do balanço que fizemos no fim do ano. Tivemos apenas cinco vetos do Executivo para leis propostas no último ano, é o menor número dos últimos 19 anos. Esse trabalho realizado pela equipe da CONLEG, junto à Assembleia, ocorre a todo momento e especialmente a partir do momento em que o projeto de lei é lido na casa. Isso ocorre para que possamos entendê-lo antes de ele estar na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), [que vai analisar a constitucionalidade daquela propositura] e, então, poder oferecer uma sugestão de redação evitando que seja vetado. Às vezes o parlamentar tem uma intenção nobre na propositura, mas, por um vício formal e até material, o Executivo acaba chegando à conclusão de que não resta outra alternativa se não o veto. Então, esse nosso trabalho é diário – e preciso fazer jus à nossa assessoria, na pessoa da advogada pública Gláucia Cambraia – dentro da Assembleia, em gabinetes e com os deputados, para evitar os vetos e proporcionar uma norma realmente com efetividade e alcance para  o cidadão. Muitas vezes falta apenas um detalhe na redação, uma necessidade de diálogo, para ajustes, com a pasta que vai cumprir aquela norma – por exemplo, se é da saúde a gente precisa cumprir aquela norma da portaria de saúde, verificar se a pasta tem alguma sugestão referente ao texto, levar ao deputado, ouvi-lo e ver se ele concorda com a adequação proposta. E isso tudo é importante que aconteça antes da aprovação do projeto, porque, senão, só nos resta o caminho do veto, que é o remédio que buscamos evitar a todo momento. Com esse trabalho dentro da Assembleia, favorecido pelo presidente da casa, Paulo Corrêa, e viabilizado pela líder do governo, Mara Caseiro, e por todos os deputados, que sempre se dispõem a ouvir e dialogar, é que alcançamos o resultado concernente à significativa redução dos vetos.

O Estado: A sociedade em geral como pode contribuir para demonstrar que algumas leis ou não servem ou então estão ultrapassadas?

Ana Carolina – Nós divulgamos a partir de maio deste ano o novo site da Consultoria Legislativa (www.conleg.ms.gov.br). Nele o cidadão consegue o acompanhamento de todos os projetos de lei de autoria do Poder Executivo e pode ter acesso a assuntos de cunho normativo, sejam leis, decretos ou decisões judiciais, em âmbito estadual ou federal, cujo conteúdo possa repercutir na vida do sul-mato-grossense. É mais uma ferramenta de transparência e acesso à informação ao alcance do cidadão, capaz de ofertar conhecimento e de fomentar a pluralização do debate, a qual é sempre muito bem-vinda.

O Estado: Na realidade qual a diferença de entre um decreto e uma lei?

Ana Carolina – O decreto é um instrumento infralegal, encontrando-se no sistema jurídico em nível abaixo ao da lei. Ele serve para regulamentar a lei ou para dar-lhe fiel execução. Já a lei, instrumento jurídico competente para criar direitos, obrigações e despesas, está posicionada no campo normativo em nível acima ao do decreto e exige um outro processo para sua edição, já que é formada na nossa Casa de Leis e somente pode ser proposta pelas autoridades que têm legitimidade constitucional para instaurar o processo legislativo. Já o decreto é de competência do chefe do Poder Executivo, seja estadual ou municipal. Então, ele não passa por esse crivo e pela aprovação da Casa de Leis.

O Estado: Algumas situações, como a que vivemos na pandemia, obrigam algumas medidas a serem tomadas. Essas medidas podem acabar se tornando leis fixas?

Ana Carolina – É necessário, sim, a edição de medidas que tratam de emergência em saúde pública e que não, necessariamente, referem-se à COVID-19. Nesse caso, essas normas podem ser contínuas e permanentes. Inclusive, o que vivenciamos foi muito positivo no sentido de entender uma nova realidade, antes não vivenciada, e buscar normatizá-la da forma mais adequada, com base em critérios técnicos. Com certeza, há decretos e leis que regulam de forma genérica esse status de pandemia ou de emergência de saúde pública que continuarão vigentes mesmo após o término da situação emergencial decorrente do coronavírus.

O Estado: Temos um agravamento da pandemia; o decreto atual do governo sobre restrições pode ter alteração mais rígida?

Ana Carolina – Recentemente tivemos uma reunião do Prosseguir, na última segunda-feira, quando foi anunciado o novo bandeiramento das macrorregiões e dos municípios. Esse novo bandeiramento passou a valer a partir dessa quinta-feira. O governo do Estado tem um decreto que é contínuo. É um decreto que vincula o toque de recolher à cor da bandeira. Então, como houve mudanças em alguns municípios, como Campo Grande, que estava na bandeira laranja e passou para a vermelha, nesses próximos 14 dias, o decreto é autoaplicável e vai seguir esse novo bandeiramento porque é macro e vale para todo o Estado. Ele traz, também, normas para o serviço público estadual. Traz ferramenta para o gestor, como o revezamento de turnos, o teletrabalho para quem é capaz de entregar suas ações neste regime, a concessão de férias, entre outros aspectos. A normatização de condutas para vigência em todo o Estado precisa ser macro e ter efetiva mensuração de seus efeitos. Esse próprio decreto permite que os municípios adotem medidas mais rígidas ao depender da sua situação epidemiológica. Quanto a atividades econômicas e empreendimentos, há um regramento mínimo e básico colocado, que é o protocolo de segurança para aquele setor, distanciamento de um metro e meio e a questão do atendimento limitado a 50% da capacidade instalada do local. A gente acredita que são ferramentas que possibilitam ao titular da  pasta e aos prefeitos adotarem medidas associadas a essas regras estaduais e às recomendações editadas pelo Comitê Gestor do Prosseguir, a partir de suas particularidades e da situação epidemiológica local.

Existe inclusive um diálogo com a Assomasul para esclarecer a metodologia e os indicadores do Prosseguir que levam ao bandeiramento do município e esclarecer o alcance dos decretos estaduais.

O Estado: Muito se diz que no Brasil se faz lei para não cumprir; a que a senhora atribui isso? Má elaboração de uma legislação, ou se faz lei para satisfazer possíveis eleitores sem se pensar no aspecto prático realmente?

Ana Carolina – É uma cultura que a gente tem de um excesso de normas e que, realmente, em vez de atender ao fim proposto, burocratiza e trava o desenvolvimento de muitas atividades. Acho que é uma questão cultural, e que é necessário conscientizar os cidadãos e as autoridades. É possível, em muitas situações, alcançar o objetivo sem a necessidade de edição de nova norma, mas, apenas, mediante a implementação de ferramentas de controle da execução daquelas normas já existentes e de mecanismos de transparência e divulgação da informação. Eu acredito, muito, que temos evoluído como sociedade e no exercício de nossas funções públicas, e que as normas têm uma contribuição enorme e positiva para a maioria dos aspectos de nossas vidas.

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