Maníaco da Cruz: há 17 anos série de assassinatos chocava Mato Grosso do Sul

Foto: Reprodução
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Quase duas décadas após o crime, delegada conta ao O Estado como a abordagem foi crucial para solucionar o caso

24 de julho de 2008 – Uma data que marcou o início de uma série de assassinatos ocorridos na cidade de Rio Brilhante, em Mato Grosso do Sul. Os corpos dispostos no chão em forma de cruz evidenciaram a caraterística dos crimes, sendo um dos casos mais emblemáticos do Estado: o do Maníaco da Cruz.

A primeira vítima, Catalino Cardena, vizinho do assassino, era um recriador de 50 anos, morto com um golpe de canivete no peito ao ser agarrado por trás, por Dyonathan Celestrino. O fato de Catalino ser homossexual e alcoólatra motivaram o crime.

A segunda vítima, Letícia Neves, de 39 anos, era uma frentista, morta em 24 de agosto de 2008, exatamente um mês após o primeiro crime. Ela foi deixada sem vestimentas na parte do tronco e também em posição de cruz dentro de um cemitério no município que fica a cerca de 161 quilômetros da Capital.

A terceira vítima, Gleici Keli da Silva, uma menina de 13 anos, morta em sete de outubro de 2008, também com um golpe de canivete no peito. A motivação dos assassinatos ocorriam após as vítimas responderem perguntas que Celestrino fazia à elas antes do crime. No caso de Gleici – segundo ele – ela já havia tido relações sexuais com mais de um homem, diante a pouca idade foi considerada “impura”.

O caso, onde todas foram deixadas em formatos de cruz após o crime brutal, assombrou e aterrorizou familiares das vítimas, assim como a população do Estado. A repercussão levantou uma sensação de revolta e medo, que tomou conta dos lares sul-mato-grossenses.

O trabalho investigativo

Dado esse cenário, passado os três crimes cometidos, a resposta para esse caso tinha que ser rápida pela polícia. A pressão do secretário de Justiça e governo estadual eram enfáticas.

Delegada Maria Cano

A delegada Maria de Lourdes Cano, titular da Deaij (Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude) na época, tomou a frente das investigações e com a equipe da delegacia foram até o local com uma regra clara: o maníaco da cruz precisava ser contido antes de fazer uma nova vítima. A operação exigiu policiais disfarçados em meio a população, como garis, por exemplo. A investigação partiu de uma linha de que as respostas estariam no meio social da cidade, já que não haviam pistas que revelassem algo nas cenas do crime e na casa das vítimas.

Em entrevista ao O Estado, a delegada contou que iniciou uma investigação às escuras, sem provas aparentes, o que exigiu trabalho árduo e minucioso da equipe. Para eles, as suspeitas eram de que o assassino poderia ser algum usineiro na cidade ou um homem mais velho, mas não um menino de 16 anos, idade de Dyonathan na época do ocorrido.

Rastreio digital levou ao suspeito

Sem provas e com conexão entre os três assassinatos, a polícia começou a procurar por padrões no crime. Uma das pistas decisivas surgiu a partir de uma rede social. Investigadores descobriram uma conta no Orkut que fazia referência ao nome de Gleici. Com base nisso, cruzaram dados e chegaram a Celestrino, vizinho da primeira vítima.

Maria de Lourdes conta que ao entrar na casa dele a imagem de um menino de pijama que emanava ser indefeso chamou a atenção. “Ele dizia: o que está acontecendo? O que está acontecendo? Quando olhei o semblante dele – embora era visível que era menor de idade — eu já sabia que ele que estava praticando aquelas mortes. Pelo jeito dele falar, se expor, argumentar, querer se justificar o tempo e questionando o motivo da polícia estar naquele local”.

Cano conta que passada uma hora de interrogatório com os policiais, ele ainda não havia revelado nada e que negava todos os fatos. Foi quando ela resolveu tomar a frente e tentar uma nova abordagem com o então suspeito.

“Eu resolvi tomar a frente do interrogatório de maneira informal, quando eu perguntei para ele: você me trouxe aqui porquê? Queria que eu estivesse aqui com você?
Ele me disse o seguinte: Você, mulher? Nunca! Nunca que eu queria você aqui.

Ela então continuou: “Por que você deixou um sinalzinho para que eu chegasse até você? Por que você deixou ali a sua mão? Eu não queria chegar até você, eu sempre fui sua admiradora, eu achei que você passou todas as barreiras possíveis, mas você me trouxe aqui. Aí ele olhou pra mim e falou: a senhora me achou quando eu peguei na bicicleta, né?

Ela ressaltou que Dyonathan era cuidadoso em não deixar pistas nas cenas, mas, por descuido, deixou sua impressão digital na bicicleta que Gleici Keli usava no dia do assassinato. “Ela estava de bicicleta quando ele a abordou. Ela estava passando na rua e ele entrou na frente dela. A vítima caiu e então ele a levou até o local onde acabou a matando”, disse a delegada.

Ainda segundo ela, Celestrino a convidou para entrarem juntos em seu quarto. No ambiente, Maria de Lourdes avistou facas, luvas cirúrgicas, objetos pessoais das vítimas e anotações sobre os crimes. Lá ainda estavam recortes de jornais com notícias dos assassinatos, incluindo reportagens sobre o Maníaco do Parque.

Durante a abordagem, o adolescente se manteve calmo. “Ele ria, provocava, queria saber se eu teria coragem de entrar no quarto dele. Só falava sobre os detalhes quando percebia que eu sabia mais do que ele”, disse Maria de Lourdes. Segundo a delegada, ele demonstrava controle sobre as informações e queria manter a sensação de domínio.

Dyonathan ficou popularmente conhecido como “Maníaco da Cruz” e foi preso em menos de uma semana após o terceiro assassinato.

Sentença, internação e laudo psiquiátrico

Com a confissão de Dyonathan pelos assassinatos, a Justiça determinou a aplicação da pena máxima prevista pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). A sentença foi proferida pelo juiz Jorge Tadashi Kuramoto, então titular da Vara Criminal e da Infância e da Juventude do município.

Pelo triplo homicídio, o jovem foi sentenciado a nove anos de medida socioeducativa de internação, sendo três anos para cada crime. Contudo, como os assassinatos foram cometidos quando ele ainda era menor de idade, o tempo de internação foi limitado conforme previsto no artigo 121 do ECA: a pena não poderia ultrapassar três anos, e a liberação deveria ocorrer, obrigatoriamente, até que o interno completasse 21 anos.

“Ele não tem mais o que pagar. Já cumpriu a pena máxima permitida pela lei”, afirmou a delegada.

Mesmo com o tempo de medida já encerrado, Dyonatan segue internado em regime especial no Instituto Penal de Campo Grande. Segundo a delegada, a permanência dele no local se deve à falta de clínicas ou instituições psiquiátricas aptas a receber alguém com seu perfil no Estado.

“Ele está em um regime de internação porque o Estado não tem onde colocá-lo. Se estivesse solto, com certeza teria matado muito mais pessoas”, completou a delegada.

Durante o processo, Celestrino foi submetido a perícias psiquiátricas e psicológicas. O diagnóstico apontou transtorno de personalidade antissocial e psicopatia crônica, condições que, segundo especialistas, não têm cura. A psicóloga Marta Machado da Silva explica que esse perfil se encaixa no de assassinos em série – serial killer – e que exige acompanhamento constante.

“O tratamento tem por objetivo ajudar o indivíduo a lidar e desenvolver habilidades, para conviver de forma mais saudável. O acompanhamento com equipe multidisciplinar ajuda ele, porém, o fato de não ter cura é bem complicado no sentido de deixar o indivíduo voltar ao convívio social.”

Segundo a Polícia, Celestrino passa por avaliações psicológicas e psiquiátricas a cada seis meses para verificar se há possibilidade de convivência em liberdade. Até hoje, os pareceres mantêm a indicação de internação, devido à alta periculosidade e ao risco de reincidência.

Policiais Penais agredidos

Dyonathan tem um histórico de ataques a policiais penais durante sua custódia. O mais recente registrado ocorreu no dia 28 de setembro de 2024, quando jogou urina em um policial.

Outro ataque anterior ocorreu em 2023, quando desferiu socos em um outro policial penal ao retornar para a cela.

Por Biel Gill e Kadu Bastos

 

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