Profissionais de saúde bucal são os mais vulneráveis

Muito se fala dos profissionais da área de saúde, médicos enfermeiros e técnicos de enfermagem que estão atuando de forma louvável na linha de frente ao enfrentamento à COVID-19. Entretanto, existe uma outra área, os profissionais de saúde bucal, que lidam diretamente com os perigos do coronavírus.

Para esta categoria, o desafio apesar de não ser na linha de frente de combate à doença, exige o enfrentamento de um limite invisível e delicado: permanecer no meio de uma linha tênue dividida entre o risco e o contágio certeiro pelo coronavírus.

De acordo com um levantamento elaborado pelo COPPE (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), os trabalhadores que correm mais riscos de contágio pela COVID-19 são da área da saúde.

Os técnicos em saúde bucal lideram o ranking de risco com 100% de chances de contágio, devido à proximidade física e ao ambiente de atendimento. Em seguida, o cirurgião dentista apresenta 98% de chances de contágio. Os atendentes em enfermagem vêm logo em seguida, com 97,3% de chances de contágio. Na sequência, com 97% de risco, aparecem os médicos ginecologistas e obstetras.

Conforme o estudo, das 100 profissões mais perigosas para o contágio do coronavírus, os profissionais da área de saúde correspondem a 99% desse total. O levantamento mostra ainda que 2,6 milhões de profissionais da área de saúde apresentam risco de contágio acima de 50%. O mapeamento dividido em 13 grupos operacionais corresponde a 2.539 ocupações que abrangem todo o país.

A metodologia do levantamento brasileiro adaptou o estudo realizado anteriormente pelo The New York Times, nos EUA (Estados Unidos da América), que construiu o balanço com os dados sobre empregos mantidas pelo Departamento do Trabalho norte-americano.

Em Campo Grande, segundo dados apresentados pela Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública), cerca de quatro cirurgiões dentistas e 20 técnicos em saúde bucal estão com coronavírus hoje (3) no município. Essa é a realidade de uma auxiliar de dentista que preferiu não se identificar. Segundo a profissional que ainda está cumprindo o período de quarentena, o seu contágio ocorreu em seu local de trabalho, pela falta de equipamentos adequados.

“Não tinha EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] corretamente [na clínica], a única coisa que tinha é aquela máscara de proteção de acrílico que vai por cima, e só. A máscara N95 que é necessário para o atendimento e o jaleco descartável [capote] por cima de outro jaleco não tinha. Eles deram só nos primeiros dias quando a pandemia começou e depois os equipamentos foram acabando e eles não forneceram mais nada”, frisou.

Inicialmente a auxiliar de dentista sentiu muitas dores de cabeça, e sintomas parecidos com a gripe. “Fui para o posto de saúde em uma sexta-feira, por conta de tudo o que estava sentindo. De início o médico falou que era só uma gripe mesmo, e me passou alguns remédios. Na segunda-feira, a minha cabeça continuou a doer muito, e eu perdi o olfato e paladar, ainda não sinto o gosto de nada”, explicou. Depois de sentir os primeiros indícios do coronavírus, a profissional continuou trabalhando e após comunicar a sua situação à gerente da clínica particular em que trabalha, foi instruída a fazer o teste para COVID-19.

A auxiliar contou que no dia 12 de junho realizou o primeiro teste para COVID-19, que deu negativo. “Mesmo após ter dado negativo eu continuei sentindo os sintomas e como eu não acreditei no resultado anterior e fui fazer outro teste, agendado apenas no dia 18 de junho, que deu positivo. Os dois testes que eu fiz foram os testes rápidos, um eu fiz na rede particular, foi o que deu negativo. O segundo exame que fiz também foi o teste rápido, mas dessa vez no Polo de Atendimento do Parque Ayrton Senna”, pontuou.

Ao ser questionada sobre o retorno às atividades na clínica em que trabalha, a profissional de saúde bucal demonstrou medo e receio por não saber em que condições será a retomada de seu trabalho. “É uma coisa que me preocupa muito, já é uma questão que eu estou pensando, nós não sabemos como é esse vírus, eu não sei se eu vou pegar de novo. Por mais que a gente falem que os infectados podem ter adquirido anticorpos, nós não sabemos como o vírus age. A minha retomada ao trabalho é uma situação que eu estou com muito medo, de voltar por e não ter EPIs corretos para eu trabalhar. Se eles [empresa] não me fornecerem, eu vou dar um jeito de comprar os equipamentos”, disse.

A reportagem do O Estado questionou a Sesau sobre a fiscalização das clínicas em relação às normas de biossegurança, e sobre o fornecimento de EPIs adequados aos profissionais. Em nota, a Secretaria afirmou que a Coordenadoria de Vigilância Sanitária da Sesau está realizando vistorias em diversos estabelecimentos e, como a demanda é muito grande, devido o alto número de denúncias recebidas pelo descumprimento de planos de biossegurança e descumprimento às orientações do combate ao coronavírus, essas fiscalizações acontecem de acordo com o recebimento da denúncia pelo setor.

A presidente do CRO-MS (Conselho Regional de Odontologia de Mato Grosso do Sul), Silvânia Silvestre, afirmou que o Conselho tem atuado para garantir a segurança dos profissionais e da população. “Os profissionais da odontologia sempre adotaram rigorosas normas de biossegurança que foram intensificadas nesse tempo de pandemia do coronavírus. Eles não devem atuar sem os EPIs necessários para a própria segurança da população”, pontuou.

De acordo com a assessoria do CRO-MS, a instituição recebeu apenas duas denúncias sobre condições inadequadas de trabalho, incluindo o não fornecimento de EPIs. Segundo o conselho, é muito difícil realizar um balanço sobre os profissionais que foram infectados pela COVID-19, principalmente por conta do receio que essas pessoas têm de perder o emprego.

Para uma cirurgiã-dentista que preferiu não se identificar, a grande exposição que a categoria está sujeita pode ter sido o motivo pelo contágio. “É muito mais fácil e perigoso o contágio pelo aerossol promovido pela caneta de alta rotação (motorzinho). Tive uma dor de cabeça leve que não passava final de tarde. De noite comecei a ter febre alta e muita dor no corpo, semelhante à da dengue. Fui ao parque Ayrton Senna, relatei todos os sintomas e que também era profissional da saúde. Logo me encaminharam para a ala dos sintomáticos e em questão de uma hora realizei o teste de swab [RT PCR]. Relatei não ter tido contato com caso suspeito ou confirmado, não sei te dizer onde peguei”, ressaltou.

Segundo a cirurgiã, os protocolos de biossegurança pouco mudaram com a pandemia. “Eu costumo falar que nós dentistas não sofremos para nos adaptar a essas normas, porque já eram coisas que fazíamos. Apenas acrescentamos equipamentos como a face shield (protetor facial)”, pontuou. A profissional relatou que após testar e ver que já estava não reagente ao vírus retornou com a rotina de atendimento. “A desinfecção e proteção individual no consultório sempre foi rotina, porém desde o começo da pandemia isso foi intensificado. Continuo mantendo os protocolos de segurança, uso máscara N95, face shield, jaleco descartável, propé [protetor descartável para os pés], gorro descartável e horários mais espaçados”, frisou.

A cirurgiã-dentista destacou que os profissionais de saúde bucal estão com dificuldades para a aquisição de EPIs por um preço justo. “Os EPIs estão bem caros realmente, logo no começo da pandemia as máscaras N95 por exemplo não eram encontradas e quando achávamos era um absurdo. Agora já encontro ela com mais facilidade e com preço mais acessível. Hoje, a nossa maior dificuldade é em relação às luvas que antes [as caixas] custavam R$21,00 e agora estão sendo vendidas por R$48,00. Gorros descartáveis que eram R$15,00 hoje estão por R$35,00 e o jaleco descartável também que subiu muito de preço.

Como denunciar casos de falta de EPI nos locais de trabalho

De acordo com a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública), os profissionais de saúde bucal e a população em geral ao perceberem o descumprimento em qualquer uma das recomendações de biossegurança, podem denunciar através do telefone da Ouvidoria da Secretaria, pelo 3314-9955.

Confira mais notícias sobre o novo coronavírus na edição digital do jornal O Estado MS.

(Texto: Mariana Moreira)

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