Ambiente escolar se torna um lugar de escape e acolhimento, onde vítimas expõem dores reprimidas
As aulas nas escolas particulares já voltaram e na rede pública será após o Carnaval, mas os Conselhos Tutelares de Campo Grande já estão preparados para uma triste realidade: o aumento das denúncias de violências sofridas no período de férias. Para quem trabalha na proteção das crianças, a luta para aplicação da Lei Federal 13.431/2017, conhecida como Lei da Escuta Qualificada, é essencial para garantia de total acesso à segurança e acolhimento das vítimas em todos os âmbitos.
Recentemente o caso de agressão contra uma criança de dois anos ganhou repercussão em Campo Grande e de acordo com o presidente da Acetems (Associação dos Conselheiros Tutelares de Mato Grosso do Sul), Adriano Vargas, o retorno das crianças para as salas de aula é o período com maior denúncia.
“A violência contra crianças e adolescentes têm a característica de acontecer onde ela é próxima. Ou seja, no meio social e familiar. Durante esse período de férias as crianças não têm uma válvula de escape, que é justamente a escola. Então, quando volta às aulas acaba vindo uma demanda reprimida. Ela tem como ponto de confiança o professor, o diretor, o coleguinha. Em casa, além de ser mais propícia à violência, ela não tem para onde correr”, explica.
Os conselheiros enxergam esse retorno às atividades escolares um período de muita preocupação, mas também com a certeza de que as crianças vão conseguir socorro.
“Tem situação que a própria criança leva isso ao professor, através de uma ilustração, que leva a entender que sofreu abuso. O professor tem o papel muito relevante de perceber os sinais, mas depende muito do vínculo estabelecido, para a criança se sentir segura, acolhida e protegida. Para que ela sinta que aquilo [denunciar] não vai trazer um prejuízo. Infelizmente ainda existem violadores que jogam a responsabilidade nas crianças, ainda tentam distorcer e culpá-las”.
Para que a denúncia não se torne mais um capítulo de sofrimento, a Acetems batalha para que a Lei da Escuta Qualificada seja efetivamente aplicada nas escolas públicas do município. A proposta é que as escolas tenham um profissional especializado no acolhimento do aluno que, finalmente, se sentiu seguro para denunciar, para que ele não tenha que reviver todas as violências.
“Existe uma orientação por parte da secretaria de educação, e desde 2017 brigamos para implementação da Lei Escuta Qualificada, que seja implementada, para que as crianças sejam ouvidas de forma técnica e acolhedora já no lugar que estuda. Se ela for bem atendida naquele momento, quando for para a delegacia, não precisará passar pela revitimização, já consegue evitar esse processo tão dolorido. Ao invés de proteger, expõe, viola enquanto instituição”, esclarece.
Em nota enviada ao jornal O Estado, a Semed (Secretaria Municipal de Educação) diz atuar visando subsidiar os gestores escolares na resolução e gerenciamento das questões de indisciplina, ato infracional, evasão escolar, violência física e sexual, uso e abuso de drogas. Para auxiliar os diretores, eles têm livre canal para denunciar casos de violência, autolesão ou ideação suicida, ameaças de qualquer natureza e nas situações de emergência podem acionar o setor especializado dentro da Secretaria.
Por fim, Adriano explica que nem todos os casos atendidos pelos Conselhos Tutelares se tornarão investigações policiais. “Tem a parte da proteção, que vamos cuidar com orientação, advertência, encaminhamento para psicólogo, assistente social, monitoramento da família, acompanhar o dia a dia. Mas, também tem a criminal, com a existência de crime, então será avisado o Ministério Público e a polícia”.
Por Kamila Alcântara e Inez Nazira.
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