Proprietário de lava jato deve pagar R$ 100 mil de indenização por morte de adolescente com compressor

caso lava jato
Foto: Valentin Manieri

O proprietário de um lava jato em Campo Grande (MS) terá de pagar indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 100 mil, em decorrência da morte do trabalhador adolescente Wesner Moreira da Silva, 17, que foi causada pela manipulação indevida do compressor de ar. A decisão é da TST (Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho), para quem a tragédia representou lesão aos interesses e aos direitos de toda a coletividade. O valor da indenização será revertido ao FMIA (Fundo Municipal para a Infância e a Adolescência), em Campo Grande, para financiar projetos de combate ao trabalho infantil, sob a fiscalização do Ministério Público do Trabalho.

 Vale lembrar que o episódio aconteceu no dia 3 de fevereiro de 2017, durante uma suposta “brincadeira” do proprietário e de um ajudante, que consistiu em introduzir o bico da mangueira do compressor de ar nas nádegas do rapaz. Ele passou mal, teve vômitos, inchaço na barriga e, com muita dor, foi encaminhado ao hospital. Dias depois, faleceu após perder uma parte do intestino. A causa da morte foi constatada por uma hemorragia interna no esôfago, que teria rompido com a pressão gerada pelo aparelho de ar comprimido. O proprietário do lava jato e o outro empregado que participou da “brincadeira” foram condenados à pena de 12 anos por homicídio qualificado doloso. À época, o MPT (Ministério Público do Trabalho) ajuizou ação civil pública contra a empresa e seu sócio, quando pleiteou, além da indenização por dano moral coletivo, a condenação dos réus por contratar menores de 18 anos para laborar em lava jato. 

Por meio de depoimentos coletados e dos documentos reunidos em inquérito, o MPT concluiu que havia trabalho infantil ou de adolescente no local, agravado pela exposição a abusos físicos, psicológicos ou sexuais e por várias ilegalidades referentes ao meio ambiente e à segurança do trabalho. Para a instituição, a situação gerou “repercussão negativa, insuportável e desproporcional sobre os valores da coletividade”.

Reparação individual 

O juízo da 1ª Vara de Trabalho de Campo Grande acolheu parcialmente os pedidos constantes da ação civil pública, mas negou o pleito de dano moral coletivo, sob o fundamento de que o prejuízo foi de natureza individual e de que não identificou, no caso concreto, ofensa à coletividade. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, para quem o falecimento do jovem, embora resultado de atitudes inquestionavelmente reprováveis, demandaria, na esfera trabalhista, provável reparação individual e não coletiva, pelos danos acarretados aos familiares da vítima.

Em sustentação oral junto ao colegiado de 2ª instância, o procurador do Trabalho Celso Henrique Rodrigues Fortes sublinhou que o número de trabalhadores envolvidos na irregularidade não poderia ser o único fator relevante para caracterizar o dano moral coletivo.

 “Não se trata aqui de um critério numérico e sim da gravidade dos fatos, do potencial que eles têm de causar uma indignação, uma comoção, uma repulsa, tal que a coletividade se sinta aviltada, violada em seus valores mais caros. É o direito de todo trabalhador brasileiro de não ser vítima de violência disfarçada de brincadeira”, realçou Fortes, associando aquele fato a outros casos emblemáticos que provocaram reações na sociedade.

DANO MORAL COLETIVO 

Para o ministro Hugo Scheuermann, relator do recurso do MPT junto ao TST, não há como dissociar a morte do adolescente das condições de trabalho impostas pela empresa. Ele observou que o labor em lava jato é insalubre e, portanto, é expressamente vedado a menores de idade, tanto na Constituição Federal quando no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/1990).

 O descumprimento dessas normas, a seu ver, configura repercussão social do dano. “O trabalho realizado por menor de idade, em condições insalubres, ultrapassa a esfera individual de interesse dos trabalhadores, evidenciando- -se a lesão aos interesses e direitos de toda a coletividade, relativos à contratação de menor em conformidade com a ordem jurídica vigente”, explicou. 

Segundo o relator, não se trata de caso isolado ou mera fatalidade, mas de circunstância que demonstra uma permissibilidade no local de trabalho, com potencial de agredir valores morais de toda a sociedade. “É inadmissível a ‘normalização’ no ambiente de trabalho de práticas vexatórias, cruéis e inegavelmente degradantes que, no caso, inclusive tinham cunho nitidamente sexual”, concluiu. 

Por Michelly Perez  – Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul.

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