Quem vive por lá até brinca: “Não troco por nada esse meu Pantanal”. Não demorou muito para a equipe de reportagem do jornal O Estado entender o porquê. Mesmo nas adversidades da vida dura, onde o trabalho é árduo e os perigos permeiam o caminho por entre água e mato, a felicidade mesmo assim encontra residência. Tal como seu povo. É na região do Payaguás dos Xarayés onde habitam moradores tradicionais que mostram o poder das coisas simples, uma hospitalidade sincera e a convivência de gerações com a natureza pantaneira.
“Vivemos um privilégio de mundo. Imagine quanta gente daria tudo para vivenciar um pouquinho desse paraíso”, reflete o casal “dona Olinfa” e “seu Beto”, 49 anos. Ambos mantêm no coração do MS pantaneiro a Pousada Dois Corações, na região da Serra do Amolar, a mesma onde vivem seus parentes. Uma estalagem simpática, convidativa e equipada à margem esquerda do Rio Paraguai. Não só serve de abrigo aos dois, mas também de fonte de renda, de labuta e amor:
“Nosso quintal particular”, referiu o marido à paixão pelo Pantanal, que nutre desde que se entende por gente. Pois é naquele meião de bioma onde a “vizinhança” está fincada e se estende por quilômetros desde Corumbá, passando pela Barra de São Lourenço (afluente de mesmo nome que deságua no Rio Paraguai) até cruzar a fronteira com Mato Grosso. É a Cidade Branca o centro urbano mais próximo da região, entre 130 e 160 km de barco dependendo da localidade, como, por exemplo, no próprio Payaguás dos Xarayés.
Para chamar de seu
Caso de Altair Santos de Souza, 53, idealizador de uma outra estância, a Pousada do Tata. Diferente do casal do Amolar, ele optou por morar longe da “civilização” de propósito – dentro do “bairro” da natureza. O que muitos descreveriam como um total isolamento, “lugarzinho no meio do nada”, para Tata e sua família é motivo de alívio. “A cidade é uma barulheira só. Mansão e luxo algum correspondem ao meu rancho pantaneiro. Só ele tem meu Pantanal. Aliás, meu não, nosso”, retificou.
Pescador profissional, a ideia da pousada veio para Tata em 2011 – sendo efetivamente realizada oito anos depois. “Durou 50 dias a construção da casa de palafita, em 20 viagens de barco pequeno a carregar os materiais de construção, móveis e tudo mais. E hoje é isso aqui, meu canto bonito”, descreve. Com experiência prévia, inclusive em acampamentos, ele finalmente trocou os tours de pescaria pelo segmento do turismo de contemplação. Deu certo. No mesmo ano, trouxe mulher, sogra e filhos. Contudo, a princípio, a esposa ficou “cabreira”. “Ela assustou pela distância, mas foi só amanhecer o dia, admirar a vista do deque, cheio de tranquilidade, que se acomodou. E não troca essa vida por nada neste mundo”, afirma o empresário.
No seu hotel pantaneiro, Tata tem história para contar. Como a do filhote de onça que nasceu nas proximidades e vivia brincando com um de seus cachorros. Hoje, já macho adulto, retornou o “gatinho” que mia e aproveita para se refrescar bebendo a água no corixo da pousada. Ainda, a vez que levou uma turista ao passeio na Baía do Angical, localidade em que ela “sentiu” a presença de um ex-morador, o mesmo que desapareceu misteriosamente anos antes. Ao pé de seu ouvido, o “espírito” disse permitir a entrada dos curiosos na dependência abandonada, desde que ninguém tocasse ou levasse qualquer objeto. Promessa cumprida. “Eu que não vou mexer com alma penada. Já vi muita coisa estranha nesse Pantanalzão. Melhor foi arriscar acreditando nela. Também nunca mais voltei lá”, confessa Tata. (Texto: Raul Delvizio)