“Conseguiram destruir as obras sem se importar com o que elas realmente valem”, destaca historiador
Entre os monumentos que sofreram depredações no ato extremista do último domingo (8) na invasão aos três Poderes, em Brasília, estão: a tela “As Mulatas”, do pintor Di Cavalcanti, que fica no terceiro andar do Planalto; a escultura “O Flautista”, de Bruno Giorgi, que ficava em uma das salas do Congresso e era avaliada em R$ 250 mil; a obra “Bailarina”, de Victor Brecheret, encontrada jogada no chão; o quadro “Galhos e Sombras”, de Frans Krajcberg, de 1963; a obra “Painel Vermelho” e a escultura “Muro Escultório”, de Athos Bulcão; a obra “Ntima”, que representa um casal segurando um bebê; a escultura “Vênus Apocalíptica”, de Marta Minujín, que foi jogada no chão.
Além destes, o brasão da República, que fica no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal); cadeiras dos ministros do STF; porta do armário das togas do ministro do STF Alexandre de Moraes; objetos e móveis da sala da primeira- -dama, atualmente Janja da Silva, vitral da artista plástica Marianne Peretti no Congresso Nacional; vitrinas do Congresso e do Planalto que exibiam objetos históricos; a bola autografada por Neymar foi roubada da Câmara dos Deputados; o Relógio de Balthazar Martinot foi destruído; vidraças do STF foram pichadas; mesas e armários dos prédios; diversos eletrônicos, como televisões, computadores e impressoras; galeria de fotos dos presidentes da República também foram depredados.
Trazendo o foco de todos os brasileiros para as importantes relíquias que cercam as sedes dos três Poderes, o sociólogo e historiador Paulo Cabral destaca a importância das obras e o real valor, não se referindo ao dinheiro.
“Esse é um sério problema, as pessoas conseguiram destruir as obras culturais sem se importarem com o que elas realmente valem. Não podemos deixar de considerar que, ao serem destruídos, os quadros, vasos e objetos históricos, chamam para si a atenção e, então as pessoas que nunca se importaram com esses bens, a partir de agora, elas passam a ter uma noção, mínima que seja, da importância dos materiais. Foi algo cruel e terrível, algo que nunca tinha acontecido na democracia brasileira anteriormente e que, observando por outra lente, fortalecerá a democracia deixando clara a necessidade de se dar um basta a esses extremistas”, finalizou.
O sociólogo aponta ainda uma “turba ensandecida, sem limites, que tem como fim a destruição”. “Ao entrarem nesses locais, que são a representação máxima da democracia brasileira, os manifestantes não só dilapidam os prédios, que por si só já são bens culturais, mas destroem a fachada e todo o resto, e como são pessoas não ligadas ao valor cultural, eles não valorizam a dimensão dessa destruição e nem se quer se dão conta do acervo que tinham nos locais. Eles destroem Di Cavalcante, vasos chineses que haviam sido dados de presente ao Brasil e, portanto, a todos nós.”
Observando todos os lados do ocorrido, para Cabral existem várias vertentes para a história do Brasil. “A depredação revela um extremismo que todos sabíamos que existia, mas cuja leniência do governo estadual de Brasília permitiu que chegasse a esse ponto e essas consequências. Houve também, de certa forma, a atuação do Exército que, ao não desocupar o acampamento defronte ao Quartel-General, de certa maneira, estimulou e induziu a esses atos”, pontuou.
O cientista político Tércio Albuquerque assegurou que qualquer brasileiro que ama o país, independente de ideologia política, sendo de direita ou esquerda, sentiu a dor da perda dos atos cometidos no domingo.
“A destruição foi de um patrimônio histórico, não só nacional, como obras de arte, móveis, adereços que remetem ao Brasil império, quadros importantes e tantos outros, mas também foi destruído um patrimônio da humanidade. A Unesco já havia reconhecido a obra arquitetônica, cultural e histórica de Brasília como patrimônio da humanidade. A agressão alcançou todos a os países do mundo, por isso as reações que vimos de países junto do Brasil na defesa da democracia, e todas as questões históricas que foram envolvidas”, ressaltou.
Já para o outro cientista político ouvido pelo jornal O Estado, Daniel Miranda, o problema se dá desde o começo do mandato de Jair Bolsonaro, quando foi provocado o sentimento de revolta hoje transpassado pelos extremistas de direita.
“Essa foi uma tragédia anunciada. Quando presidente do país, Jair Bolsonaro insultava as instituições, usando palavras de baixo calão quando se referia aos membros de outros Poderes, e passou quatro anos alimentando teorias da conspiração envolvendo o STF e parte do Congresso Nacional, então isso é um resultado do que foi provocado nos últimos quatro anos”, afirmou.
Em outros pontos a se destacar, Daniel citou sobre as manifestações que aconteciam desde o mês de outubro, após as eleições. “Não há justificativas quanto ao que alegam, sobre as eleições, nem mesmo divergência de opiniões, tendo em vista que se trata de um grupo que não aceita uma derrota eleitoral, e que não tem nenhuma justificativa factível oponente. É lamentável que essas pessoas tenham planejado esses atos, e o mais grave, é que cotaram com a conivência do aparato de segurança pública. Todos os anos têm manifestações em Brasília, e diversos protestos, contudo, nunca houve atos do nível que ocorreu desta vez. Isso é histórico, mas não algo que se deve tratar como um avanço para o país”, pontuou.
Extremistas de Mato Grosso do Sul são identificados
Mais de mil extremistas de diversos estados brasileiros já foram presos, após serem identificados pelas forças policiais. Conforme informações, diversos ônibus saíram de Campo Grande e de cidades do interior, no sábado (7), lotados de manifestantes que seguiram rumo à capital do Brasil, entre eles uma motorista de ônibus registrou imagens ao vivo dos atos extremistas que depredaram os prédios dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Em um dos vídeos ela convidava mais pessoas para apoiarem as manifestações e em outro um homem declarou: “Estamos juntos, vamos lá arrebentar a cabeça de timbada. Vamos desgraçar com a vida dele”, enquanto outro avisou: “Vamos tirar o ladrão! Esse pessoal que não foi votado honestamente! É na raça agora, agora é guerra!”, e ainda, uma mulher disse: “Estamos fazendo inveja para aqueles que não têm coragem”.
Em um dos vídeos, inclusive, aparece um empresário de Ponta Porã, que utilizava máscara de proteção contra as bombas de gás arremessadas pela polícia para conter a multidão. O empresário também gravou e propagou nas redes sociais o momento em que ele e outros vândalos invadiram a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto.
Esta é a segunda vez que o extremista ganha fama ao participar dos atos contra a derrota de Jair Bolsonaro (PL). Conforme notícias anteriores, em dezembro, ele se pintou de índio para participar dos atos antidemocráticos em Brasília. Cabe ressaltar que ele chegou a ficar preso de setembro de 2021 a janeiro de 2022, durante a Operação Romeu Sierra Índia, deflagrada pela Polícia Federal no dia 1º de setembro de 2021, contra empresários de Ponta Porã que deram golpe milionário.
Viagem grátis
Alguns apoiadores de Mato Grosso do Sul relataram que não tiveram de desembolsar nenhuma quantia em dinheiro para irem até Brasília. Segundo um deles, não foram cobrados passagem, hospedagem nem gastos com alimentação. A viagem foi divulgada pelos apoiadores em redes sociais, mas foram retiradas do ar após o anúncio de intervenção federal, anunciada pelo presidente Lula (PT).
A reportagem também teve acesso a um áudio de um empresário, no qual ele convocava os “patriotas verdadeiros” para irem até a capital federal de forma gratuita mostrar que são “machos mesmo” para “enfrentarem a corrupção”, afirmou.
Por Brenda Leitte e Tamires Santana – Jornal O Estado do MS.
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