O Instituto Moinho Cultural Sul-Americano nasce em 2004, dentro do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), como Escola de Artes Moinho Cultural. Em 2022, completou 18 anos e, durante esse tempo, 23 mil crianças e adolescentes foram atendidos na fronteira do Brasil com a Bolívia, sendo moradores de Corumbá, Ladário, Puerto Suarez (BOL) e Puerto Quijarro (BOL).
A diretora-executiva do Moinho Cultural, Márcia Rolon, assegura que, mesmo atingindo a “maturidade”, o instituto está sempre em constante transformação. “Temos um slogan no Moinho, que é constante transformação. Então, o tempo todo, desde a fundação, e eu sou a fundadora, a gente trabalha nessa questão: errou? Que tal dar um passinho para trás, a fim de dar um salto maior”, disse.
Márcia Rolon enfatiza que a região de fronteira é esquecida pelas autoridades e que políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes, que vivem nestas regiões, são quase inexistentes.
Ela afirmou ainda que rodou toda a fronteira do Brasil com outros países e que o Moinho Cultural é a única instituição que levanta a bandeira da fronteira, no país.
“O fazer cultura parece algo supérfluo, mas é essencial para transformação, quando você une uma orquestra de Câmara do Pantanal, que hoje existe, uma companhia de dança do Pantanal, então a gente vê que é uma t r a n s f o r m a ç ã o real e possível e que essa ferramenta, a arte de transformação, te coloca em qualquer lugar. Lógico que a gente não quer transformar a fronteira em artistas e músicas e danças, não é isso, mas, com essa arte, a gente consegue despertar algo muito maior dentro das crianças, dos adolescentes, onde eles percebem que podem transformar o mundo naquilo que eles querem”, expressou.
O Estado: O Moinho Cultural completou 18 anos. Foram mais de 23 mil crianças e adolescentes atendidos, formando músicos, bailarinos e cidadãos. O instituto está pronto para enfrentar esta “fase adulta”, em condições de manter as iniciativas e até de ampliar os atendimentos?
Márcia: Estamos passando agora para essa maturidade, nós temos um slogan no Moinho que é: ‘constante transformação’. Então, o tempo todo, desde a fundação, e eu sou a fundadora, a gente trabalha nessa questão: errou? Que tal dar um passinho para trás, a fim de dar um salto maior ou, às vezes, nesses 18 anos, refazer o que a gente já tinha feito e que achava que o caminho poderia ser diferente. Estamos sempre nessa constante transformação. Mas agora, com 18 anos, a gente se preparou para a maioridade, nós conseguimos construir o nosso sistema, que é todo esse fazer metodológico, como é que a gente trabalha, como que a gente recebe a criança, como é a questão da seleção, então, está tudo muito bom, então eu digo que agora, realmente, a gente chegou num papel de 18 anos, de conseguirmos caminhar sozinhos, mas diante daquela base bem forte que nós conseguimos conquistar.
O Estado: Os impactos da atuação do Moinho Cultural na região de fronteira já podem ser visualizados?
Márcia: Nós construímos a teoria da mudança e nela colocamos o passo a passo de quais são as necessidades. Quando chegamos na fase no impacto, o maior deles e mais percebido é a cultura de paz, que é algo tão falado e tão difícil de conquistar. Quando você coloca uma ferramenta, como a música, a dança, que realmente é transformadora, principalmente na união das pessoas e na autoestima, conseguimos ter um impacto além de cultura de paz, mas também uma amplitude geracional educacional. Então, aqueles pais que, de repente não conseguiram nem chegar ao ensino médio e seu filho chega ao mestrado, este é um impacto importante, para ambos os lados. Visualizar que tem uma ferramenta, que tem uma instituição que consegue fazer com que seu filho cresça e que, consequentemente, muitos pais também cresçam junto, pois a gente tem histórico de um funcionário que trabalhou com a gente com serviços gerais e hoje é assistente social. Este é um, mas são vários casos em que a gente vê o impacto direto na autoestima, o que também faz com que a gente se una, que um olhe pelo outro, na fronteira. A partir desse olhar na fronteira, em que a gente tem a cultura de paz, por exemplo, quando a fronteira fecha, qual carro pode passar, quais são as crianças e adolescentes que podem passar, do Moinho Cultural, quem carrega no peito aquela logo, que é muito forte e simbólica, de modo que a gente tem respeito, ali na fronteira e agora estamos ampliando, e tentando ampliar o impacto em toda a fronteira do Brasil, porque vimos que isso dá certo.
O Estado: No que diz respeito às políticas públicas, quais os avanços a serem construídos, para oferecer assistência às crianças e adolescentes da fronteira?
Márcia: Elas são quase inexistentes. Nós, que estamos ali, vivenciando isso, estamos em um Estado onde está entrando uma Rota Bioceânica, essa via que a gente percebe que é uma flecha que vai atravessar Mato Grosso do Sul e não foi dito, até agora desconheço, pelo menos, quais são as possibilidades, quais os trabalhos que serão desenvolvidos com as crianças e adolescentes ali, além do comércio, da União, das várias conquistas econômicas em que está sendo colocado esse olhar para com as crianças e os adolescentes. Nós precisamos olhar a fronteira como um todo. Sim, existem estudos, propostas, mas não existe ação. Nós precisamos, hoje, que o Brasil seja exemplo para o mundo, que essa fronteira imensa que nós temos, esse território amplo com várias questões de impactos negativos, que a gente possa, realmente, transformar as ameaças em oportunidades. Podemos fazer isso, mas precisamos de ajuda e de políticas públicas reais, para que as crianças e adolescentes sejam vistos, ouvidos, percebidos pelo Estado e que sejam amparados, acolhidos, e logicamente elevados, para que consigam fazer da fronteira um local de oportunidades e de diferencial. Hoje o Moinho é um diferencial, diante de tantas questões negativas, desde quando o Moinho nasceu, há 18 anos, nós tivemos tantas questões positivas de transformação. Fazer cultura parece algo supérfluo, mas é essencial para a transformação, quando se une uma orquestra de Câmara do Pantanal a uma companhia de dança do Pantanal, vemos que é uma transformação real e possível. Lógico que não queremos transformar a fronteira em artistas, não é isso, mas com a arte a gente consegue despertar algo muito maior dentro da criança ou do adolescente.
O Estado: Durante a pandemia, o Moinho Cultural criou a Recaf. O que é a rede e qual sua finalidade?
Márcia: A rede é fazer com que a gente possa entrar nas escolas, não é como ter um Moinho na cidade, claro que isso até pode acontecer, em algum momento, mas esse não é o fim. O fim é levar o diálogo para dentro das escolas e o despertar dentro de uma metodologia de problemas e soluções, em que as crianças percebam que a solução está em suas mãos. A partir do momento que ela percebe que a solução está na sua mão, que você pode fazer a diferença, que você pode mover as pessoas dentro do seu pequeno círculo, médio ou grande, que dentro sua família você pode fazer a diferença, na escola e até mesmo na cidade, como um todo, você pode chegar no prefeito e apresentar uma proposta, eu tenho Diretora-executiva do Moinho Cultural destaca que o instituto é o único do Brasil que levanta a bandeira da fronteira uma solução. Fazer com que as políticas públicas partam das pessoas, o que teria que acontecer o tempo todo, somos nós que fazemos a política, então é isso, fazer com que as crianças e adolescentes percebam que eles são seres políticos e transformadores desse mundo, que ele está vendo que está com problemas.
O Estado: Nas atividades desenvolvidas dentro da Recaf, qual foi o cenário encontrado por vocês?
Márcia: Um cenário de abandono. Percebemos o quanto a fronteira está abandonada por todos os olhares políticos e como todos que vivem essa realidade têm uma baixa autoestima. Quando você coloca as possibilidades de potência com os outros países, que são diferentes e únicos, porque temos o contato, onde o Brasil não tem e é aí que a gente tem que mostrar a diferença, a mistura de culturas, mas também de ideias políticas que já acontecem, as trocas comerciais e que só faltam ser transformadas em políticas públicas nacional, territorial da fronteira.
O Estado: A partir de agora, o que é necessário para avançar no trabalho de rede?
Márcia: É necessário que a gente consiga políticos que acreditem que a mudança é possível de acontecer, a partir de políticas públicas para região de fronteira Tem um estudo, que foi feito no primeiro mandato do presidente Lula, que já existe e que não foi colocado em prática. Nós temos um mestrado de Estudo Fronteiriços em Corumbá, único do Brasil, que eu, inclusive, fiz em 2010, a primeira turma. Estudos têm, basta a vontade política de olhar para produção científica que já existe e para práticas que também já existem, dentro das fronteiras para conseguirmos, por exemplo, que essas cidades de fronteira recebam mais recursos, principalmente para a área educacional e de saúde. Não faz sentido uma cidade como Corumbá receber o mesmo valor que uma cidade com a mesma população, mas que está a 400 km da fronteira, porque é óbvio que uma cidade de fronteira recebe um fluxo maior. O que é preciso hoje para Recaf, na verdade, é olhar para o que já existe, sistematizar e criar políticas públicas dignas de fronteira, é o que estamos fazendo, por esta ser uma instituição que trabalha com fronteira, somos a única instituição que levanta essa bandeira dentro do Brasil e que mistura todas as artes, isso eu falo porque eu caminhei nessa fronteira toda e não existe uma instituição que trabalhe com música, dança, tecnologia e literatura, com pilares e metodologia fortes, sistematizados e potentes de transformação. A gente pode ser, hoje, o caminho para poder fazer com que as políticas sejam criadas.
O Estado: Vocês construíram uma carta, em conjunto. Ela já foi entregue às autoridades? Como tem sido a receptividade?
Márcia: Um documento com esse olhar, da criança e adolescente da fronteira, que é a Carta da Fronteira e ela já está toda dividida no que queremos para saúde, cultura e educação. Nós tabulamos isso, de cada região, e agora nós estamos tentando com os deputados, principalmente com os do nosso Estado, formar uma bancada de fronteira e que a gente chegue com essa carta para o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sílvio Almeida, para o presidente Lula e para a ministra do Planejamento, uma sul-mato-grossense, a Simone Tebet. Porque todo o Brasil está de costas para fronteira, a oportunidade está para fronteira azul, não na fronteira real.
O Estado: Muito foi falado sobre o Pantanal, nos últimos anos. Como uma representante da região, o que significa o Pantanal, para quem mora lá?
Márcia: O Pantanal é um bioma maravilhoso, um paraíso, mas que está ameaçado. Eu sou pantaneira, nasci às margens do rio Taquari, sou do Porto Rolon, que já foi um grande centro de trocas comerciais, onde todo mundo parava ali para poder passar para o outro Pantanal, de modo que o fluxo era muito grande, e hoje é um dos maiores problemas ambientais, podemos falar em desastre, é o rio Taquari. Se a gente não olhar para as cabeceiras dos rios, como o IHP (Instituto do Homem Pantaneiro) tem feito, com um trabalho muito bom de conservação e preservação das cabeceiras, se não tivermos políticas voltadas, realmente, não apenas para a conservação, porque já estamos falando em recuperação, a gente vai morrer. O Pantanal grita!.
O Estado: O que sonha para o futuro do Pantanal?
Márcia: Uma união muito grande entre homem e ambiente, porque ainda hoje o homem se vê superior ao meio ambiente, ele não se vê como parte, dentro desse ciclo ambiental. Meu sonho é esse, que todas as pessoas e seres consigam conviver no mesmo espaço.
Por Rafaela Alves – Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul
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Concordo que a Cultura seja um meio de transformação, só que muitos “pseudo ” artistas usam verbas publicas de forma deturpada em benefício próprio não pensando na sociedade em si